12.15.2006

3 Ciclistas Ibéricos em Hollywood (EUA)

Dia 134
Km 9210

Essa manha tinha acordado decidido a seguir viagem. Já estava em São Francisco há 8 dias, e apesar de adorar a atmosfera da cidade e a pausa do rabo no selin, ainda tinha pela frente mais de 17000 km, e dezenas de outras cidades a visitar.
Tinha a bicicleta no pequeno Hall da entrada do Tortoise Hostel. Através da porta de vidro, via a chuva a cair la fora. Coloquei as 4 malas na bicicleta, o saco-cama entalado entre o selim e o suporte metálico, e a tenda nova por estrear, que comprei no dia anterior (pois a que tinha, os fechos já não funcionavam, tinha uma vareta partida, e estava a descoser-se pelas bainhas), e apertei tudo com duas cordas elasticas. As minhas malas representam um pouco a minha forma de estar nesta viagem. As duas malas da frente são o Nuno arrumado, organizado e disciplinado. Nelas transporto a minha roupa toda, bem dobrada e arrumada, os livros: um diário, um bloco de notas, um guia dos estados unidos, um livro de animais e plantas da Américado norte, um mini atlas do mundo, um caderno onde registro quilometragens, desniveis de altitude, etc, etc, e vários mapas. Como se não fosse peso suficiente, adicionei a carga um guia do México, do tamanho de uma Bíblia e com um peso absurdo de cerca de um quilo. Nas malas da frente viajam também o meu colxão insuflavel, uns painéis solares, e um saco meticulosamente guardado, cheio de panfletos, CD's, pequenos livros das criancas especiais da APPC LEIRIA, paradistribuir na América latina. nelas, consigo sem isitar, encontrar o que procuro.
As malas traseiras, são o Nuno bagunçado, caótico e desorganizado. Nelas encontra-se a cozinha, que inclui fogão, tachos, frigideira/prato, condimentos, etc. Pecas suplentes viajam ao lado de comida, ou a cana de pesca ao lado do filtro d'agua. Entre outras pecas de equipamento, transporto também uma rede, que espero usar como cama entre duas arvores la mais para sul quando fizer mais calor, cabos e fios para a maquina fotográfica, I-pod e speakers, cordas e molas para estender a roupa, kit de costura, e uma placa de madeira com nossa senhora de Fátima gravada, que a minha mãe insistiu em que eu carrega-se, para me proteger das dificuldades da estada, etc etc...
Nas malas traseiras, os objectos flutuam entre malas de acordo com o peso do dia, e ao contrario das malas dianteiras, tenho dificuldade em encontrar o que procuro.
Verifico se esta tudo bem apertado, subo as escadas da hospedagem, e entrego a chave do quarto a recepcionista. Como a Internet era gratuita, resolvi ver mais uma vez a minha caixa de correio electrónico. Tinha recebido um e-mail da Sheila, que iria ajudar a decidir o resto do itinerário nos Estados Unidos.

A Sheila e uma jovem americana da Pensilvânia, que eu tinha conhecido num parque de campismo no norte da Califórnia duas semanas antes. Tinha passado 9 anos de serviço militar, 4 deles numa academia militar, mais 5 de serviço na "US coast guard", e decidiu desfazer-se da rigidez e disciplina de tanto tempo de serviço, com uma viagem de bicicleta pela costa oeste americana. A Sheila estava em São Francisco e convidava-me a seguir com ela pela costa ate São Diego , local onde terminaria a sua aventura de ciclismo a solo.
Tirei as malas da bicicleta subi as escadas e paguei a apreendida recepcionista por mais uma noite. Afinal de contas estava a chover la fora, e o que era mais um dia no meio de 5 centenas? As 7 horas da manhã, a Sheilla estava a bater a porta do quarto. Estava um dia lindo e a saída de São Francisco foi feita sem grandes dificuldades e com certa rapidez.
Nessa tarde já pela EN1, que desliza junto ao mar, tivemos 5 furos, eu 2 e a Sheilla 3. No dia seguinte a Sheilla teve mais 3!! Será que juntos emitíamos alguma energia negativa? Se calhar não era suporto viajarmos juntos. Ou terá sido um mau karma, por eu lhe ter dito que os pneus que trazia (Schwalbe marathon), eram os melhores para ciclismo de viagem? Seja qual a explicação para tanto furo em tão pouco tempo, a Sheilla decidiu trocar os seus pneus por 2 specialized armadillo, na seguinte cidade de Santa Cruz.

Nos dias que se seguiram, foi um prazer pedalar pelo "Big Sur", a zona costeira entre Monterey e Cambria, onde a EN1, entrelaçada entre o mar e as falésias, oferece vistas espetaculares. Paramos para almoçar junto a estrada, perto de uma Igreja de "cientistas cristãos".
Por cada aldeia ou vila que pedalo, por mais pequena que seja a comunidade, existem pelo menos 4 ou 5 igrejas de crenças diferentes o que da a opção de escolha no sermão. Praticamente todas as religiões do mundo estão aqui representadas, e algumas delas nasceram aqui, como os testemunhos de Jeová, Os Adventistas do sétimo dia, os Amish, Mórmones, ou os cientistas cristãos. Fundamentalismo cristão e um fenómeno Americano, o que faz suspeitar que osAmericanos não são assim tão espertos como aparentam. Fundamentalismo religioso encontra-se em outras partes do mundo, como a ocupação judaica da Palestina, ou certas ceitas musulmanas, mas parece ser sempre supreendente encontra-lo num pais moderno como os estados Unidos. Pode ser que que os Americanos sejam tão religiosos, porque o seu pais ser simplesmente demasiado grande complicado e violento, e que a única forma de combater essa alienação, e ingressar numa Igreja local, para se sentirem parte de uma pequena e segura comunidade.
Mas apesar desse fundamentalismo religioso, os Americanos são das pessoas mais cultas e educadas do planeta, com uma literatura riquíssima, invenções cientificas sem paralelo, grandes pensadores em qualquer campo académico. Mas porque e que eles não se educam acerca do resto do mundo?
E fácil para nos, ficar-mos supreendidos e por vezes irritados com a ignorancia Americana, em especial quando as suas politicas externas afectam o mundo inteiro. A maioria dos Americanos que tenho conhecido, não se enquadram nesta imagem.
O Americano comum pode ser ignorante em geografia mundial, mas quando de ferias em Lisboa, não publicita a sua ignorancia a 15 decibais no mosteiro dos Jerónimos. Para evitar situações embaraçosas, por vezes adiciono a palavra 'Europa', a seguir a Portugal, quando me perguntam de donde sou. Isto depois de já terem colocado Portugal nos continentes todos excepto Oceania.

No dia seguinte encontrámos-nos de novo com o Bernardo e o Diogo, por casualidade num parque de campismo. Viajamos os 4 juntos no resto do meu percurso nos Estados Unidos.
Dias depois, chegamos ao final da tarde a Santa Mónica, uma das 88 cidades satélite da mega-metrópoles de Los Angeles. A nossa espera estava a Cassandra, a Laura e o Xavier, os nossos jovens anfitriões, que nos iriam mostrar a cidade de LA, nos 4 dias que por ali passamos. A casa onde ficamos alojados, situava-se num dos bairros chiques da cidade-praia de santa Mónica, e pertencia a Betty Lucier, a avo da Cassandra. Uma Americana de 82 anos, mas com uma energia de fazer inveja a muitos,e com uma vida bastate interresante. Autora do livro "Amid my alien corn", Lucier tinha sido espia em Madrid durante a guerra fria. Numa das parteleiras da sua enorme biblioteca, encontrava-se uma edicao francesa de um livro de Mario Soares;"Le Portugal Baillonne".
Os nossos jovens anfitriões eram todos recém formados em cinema, e a tentar a sua sorte na selva cinematigrafica de Hollywood. Tinham participado na equipa técnica de um filme de terror ( que se ira chamar 30 Griffin Lane). As filmagens tinham terminado, e o director ofereceu uma festa em sua casa para celebrar, a qual nos fomos convidados.

Vesti a minha melhor roupa: as botas de montanha, umas calcas tipo tropa, cujo verde original, se tinha tornado num verde-amarelo, torrado pelo sol, e que não eram lavadas há varias semanas, uma t-shirt laranja, lavada, mas um pouco amassada e a servir de casaco; o meu colete corta-vento. Sentia-me pouco a vontade quando entra-mos. Mas o bufete no jardim da casa e o bar aberto com todo o tipo de bebidas, pôs-nos a vontade em pouco tempo. Não tardou para que todos os convidados tivessem conhecimento dos 3 ciclistas aventureiros (e barbudos) da península ibérica. Quando dei por mim, ao 3 whisky estava envolvido numa entretida conversa com o assistente do director, o Diego dançava na sala com 2 das actrizes e o Bernardo falava com um dos câmara man. A boa maneira ibérica fomos os últimos a sair da festa, e com a adrenalina cinematografica a subir a cabeça, ainda fomos passar o resto da noite a Hollywood Boulevard.....

Ao quarto dia, ainda meio intoxicados pela atmosfera de LA, partimos de novo, pedalando todo o dia, sem sair da gigantesca cidade, passando a noite em Long Beach, onde no dia seguinte, nos encontramos de novo com a Sheilla, que tinha ficado com amigos ali por perto.
Os cerca de 250 km que separam as cidades de Los Angeles e San Diego, foram das menos interessantes do meu percurso nos estados unidos. Cidade após cidade de luxuosas casas, estradas com trafico intenso e poluição. Alguns passeios junto ao mar, passando por pequenas aldeias pitorescas, aliviavam um pouco a sensação de estar a pedalar numa continua cidade durante 3 dias.
A um certo ponto desviamos pela base naval de "camp Pendleton US Marine Corps". A base naval, era uma autentica cidade, com lojas restaurantes, centros comerciais e comdominios para os tropas. Ciclistas estavam autorizados a atravessar-la, para fugir ao trafico excessivo das estradas. Pediram-nos identificação e obrigaram-nos a usar os capacetes. teríamos passado sem a menor dificuldade, senão fosse a infeliz ideia do Diego de começar a filmar. A Sheilla teve que intervir, mostrando a sua identificação militar e responsabilisando-se por nos, e que por ser de um rank mais elevado, nos inibiu de qualquer problema.

São Diego fica a poucos quilómetros da fronteira Mexicana e da cidade de Tijuana. Do outro lado da fronteira, espera-me a península da Baja Califórnia. A minha próxima etapa de cerca de 1500 km por praias de mar azul e zonas de deserto árido, onde irei passar o natal e passagem de ano. Apesar de já estar na estrada há 4 meses e meio, estou bues de excitado coma passagem para o mundo latino, e com a sensação de que a viagem vai agora começar....

Nuno Brilhante Pedrosa
em San Diego, Califórnia, USA

11.24.2006

Os gigantes da California (EUA)

Dia 114
Km 8144



"Bem vindo a Califórnia", dizia um sinal na estrada.
Califórnia, terra dos capuchinos orgânicos, light, descafeinados,
desgordurados, feitos com leite de soja e servidos quentes ou frios, em qualquer esquina de uma aldeia ou cidade. Na Califórnia, toda a gente parece viver para uma causa saudável, seja ela, comida orgânica, puro vegetarianismo, puritismo, ou seguir alguma ceita budista apenas encontrada nalgum recôndito dos Himalaias.
Eu estava a espera de encontrar apenas muito sol, um clima ameno, palmeiras, e louras a andar de patins pelos passeios.
Mas nos primeiros dias de viagem pelo maior e mais dinâmico dos estados americanos, encontrei apenas muita chuva, mas também uma costa lindissima.
O meu progresso para sul pela estrada pan americana (EN 101), pela costa de oregon, foi bastante lento, devido as tempestades marítimas que atacam a costa noroeste americana nesta altura do ano, obrigando-me a tomar refugio em Moteis, que fizeram um pouco de danos no orçamento da viagem.

A diferença entre um Motel e um Hotel, e` que no Motel podes conduzir o automovel ate a porta do quarto, no Hotel não!
Neste pais, tudo parece girar em torno do automovel. E´ o que eu chamo uma sociedade de conveniência. Existem "drive throu" para todos os gostos: restaurantes de "fast food drive throu",farmácias "drive throu", cafetarias, cinemas em parques de estancionamento, etc, etc.
Uma vez que estou no pais da "fast food", no outro dia não resisti a experimentar uma Mac Donalds drive throu....de bicicleta. Entrei na bicha de automoveis, e quando chegou a minha vez, falei para um microfone e pedi um big Mac. Uma senhora dentro do estabelecimento, com uns escutadores e microfone sem fios, ia juntando os ingredientes ao mesmo tempo que falava comigo. Não consegui esconder um sorriso, ao ver a sua cara incrédula, quando me passou a refeição pela pequena janela do edifício. A diferença, e que, de automovel vais a comer para o trabalho, eu, tive que procurar um banco de um jardim. A próxima vez que vir um cinema para automoveis, pensei, vou ver um filme. Não pelo seu conteúdo, mas para me divertir com a cara das pessoas ao verem um ciclista, num cinema para....automoveis.

207 milhões de viaturas circulam pelas estradas americanas (37% do parque automovel mundial!) Nem consigo imaginar o que seria deste pais, se um dia a torneira do combustível secar.
A estrada EN 101 desliza sobre as montanhas, bordeando a costa do pacifico.
Mesmo apesar dos dias escuros e chuvosos, depois de passar tantos dias no deserto, foi um prazer pedalar junto a costa verdejante.
As baixas pressões que entram no continente, vindas do pacifico, normalmente vêem com intervalos , que variam entre 0 e 3 dias. A única forma de fazer algum progresso para sul, era aproveitando esses intervalos. Como tinha passado a noite numa pousada da juventude, e não tinha que fazer as malas ou desarmar a tenda, comecei a pedalar com o nascer do sol. Chovia pouco, mas a humidade a quase 80%, colava o Gore-tex (equipamento impermeável) ao corpo.
Mas apesar do desconforto, estava bem disposto. Pedalava por uma costa rochosa e de falésias lindissima, e por vezes a estrada, quando não bordeava as falésias, entrava por florestas anciãs de "Seqorias Sempervirens"( do latin sempre vivas). A Califórnia reclama para si, não só as arvores mais grossas do mundo, mas também as mais altas. As chamadas "redwoods", mais altas do que a estátua da liberdade, e com uma longevidade que pode ir ate aos 2000 anos, encontram-se na zona costeira do norte da Califórnia, e são rivalizadas apenas por uma outra espécie existente na china. Mais a sul, na encosta oeste da Sierra Nevada, e´ o único local do mundo onde ainda existem as Seqoias gigantes, dos seres vivos mais velhos do planeta, com idades superiores a 3000 anos e apesar de serem um pouco mais baixas do que as suas primas do norte tem um diâmetro que podem ir ate aos 12 metros.

Não pude deixar de imaginar,ao olhar a floresta de gigantes que me rodeava, a quantidade de historia que estes seres quase imortais,já assistiram. Digo quase imortais, porque não tem inimigos (para alem do homem), são resistentes ao fogo, insectos e outros animais. um único tronco de uma arvore da para construir varias casas...
A meio da manha, conheci o Diogo e o bernardo. Dois espanhóis madrilenhos que viajam em bicicleta pela América do norte a fazer um documentário sobre ciclismo de aventura para a televisão espanhola. Como íamos todos para sul, decidimos viajar juntos esse dia.
Ao final da tarde entramos num supermercado para comprar os ingredientes para o jantar, continuava a chover, e não tinha-mos a miníma ideia de onde iríamos passar essa noite. Um homem mete conversa comigo, e depois de uma breve conversa, estava a desenhar um mapa da aldeia num pedaço de papel, e a explicar como chegar a sua casa. tinha que ir a cidade de Eureka,disse, mas estávamos a vontade ate que ele chegasse.
Depois de um dia húmido e chuvoso, foi como uma davida do Deus dos ciclistas viajantes aquele convite. A casa vermelha pré-fabricada, estava situada numa pequena colina na parte Este da aldeia de Trinidad. O portão da garagem estava aberto e a lareira acesa.

Tal como O Eric disse, pusemo-nos a vontade. e começamos por um excelente duche, posemos uma maquina de roupa a lavar, com dose dupla de detergente, para assegurar a limpeza dos aromas ("Eau de estrada") comuns a um ciclista em viagem, um CD de musica da sua excelente colecção, e ficamos os três a olhar a fogueira e a discutir os pros e os contras de viajar em bicicleta.
Algum tempo depois alguém bate a porta. Era a vizinha, trazia na mão uma torta de abóbora para nos oferecer. preparou-nos um chá e depois de um pouco de conversa, saiu, para voltar pouco depois, com varias sandes vegetarianas de queijo com vegetais. No inicio da noite aparece o dono da casa. O eric vivia só, um tatoista de profissão, e a recuperar de um transplante de fígado, resultado de uma vida "agitada", e também ele um viajante, mas de Harley Davison.
-E sempre bom retribuir a hospitalidade, disse.
Trouxe consigo uma enorme piza. Pôs a piza no forno e saiu com a vizinha. Voltamos já, disse.
Nos nem queríamos acreditar. Apenas há 3 horas atraz, estávamos os 3 ensopados sem saber onde íamos passar a noite. O Eric e a vizinha(que não me recordo do nome), voltaram com um garrafão de 5 litros de cerveja e um saco cheio com mais sandes para levar-mos no dia seguinte. Pessoas como o Eric e tantas outras que tenho conhecido, estão a obrigar-me a mudar de opinião acerca deste pais. De donde vem toda esta bondade? será por andar a viajar em bicicleta?
Quando chegamos a cidade de Eureka, paramos numas bombas de gasolina a entrada da cidade, local favorito para encher as garrafas com agua gratuita.
O Diego mete conversa com um senhor, que se identifica como gerente de um supermercado de comida orgânica, e que nos convida a experimentar umas deliciosas bebidas orgânicas e energéticas. O que ele não nos disse , e´ que iria chamar a imprensa local. A repórter do jornal regional apanhou-nos a entrada da biblioteca municipal, onde paramos para ver o nosso correio electrónico. Depois de uma curta entrevista, fomos em busca desse tal supermercado e do batido gratuito.
Ao final do dia encontramos numa pequena floresta de sequoias gigantes, junto a um rio, na pequena aldeia de Scotia, o que nos parecia o local ideal para acampar. Estava uma noite sem luar, e por debaixo das arvores gigantes, a única luz existente, vinha das nossas lanternas agarradas a cabeça com uma tira elástica. devíamos parecer 3 marcianos desorientados, com o feixe de luz em constante movimento. Como na loja da aldeia não havia muita escolha de ingredientes, decidimos fazer o que os ciclistas chamam de "pasta SOS", esparguete com "something on sale". Estávamos a montar os fogões, quando aparecem 2 carros de bombeiros. Alguém tinha denunciado a presenta dos "marcianos" e fomos expulsos do acampamento. Eram cerca das 6 da tarde. Aquela hora já de noite escura, onde iríamos encontrar outro local para acampar?

-Onde anda o Eric?, disse o bernardo na brincadeira.
Um dos condutores, o James Silva, filho de um açoriano, mas que não falava português, foi a solução. Depois de falar com o meu conterrâneo, o James telefonou ao chefe dos bombeiros. Do outro lado da linha veio uma autorização para acampar no relvado em frente ao quartel. Pusemos toda a tralha nos carros, incluindo as bicicletas e as tendas semi-montadas, e esfila-mo-las pelas ruas da aldeia.
Enquanto montávamos de novo as tendas, desta vez em relva macia, o James Silva desapareceu, para regressar meia hora depois com uma supresa para nos. Acabamos a noite no refeitório do quartel a beber vinho tinto e a saborear umas chouriças caseiras. tempos depois apareceu a filha do James com uns bolos ainda quentes para nos oferecer.
Na manha seguinte o chefe dos bombeiros estava de serviço. Ofereceu-nos um café e mostrou-nos o jornal "The Eureka Reporter". Tinha-mos saído na primeira pagina do diário. Achei engraçado a repórter ter aproveitado 3 ciclistas europeus, para fazer propaganda politica; quando escreveu, que nos ainda não tinha-mos conhecido nenhuma pessoa que tenha votado por George Bush.
John Broadstock, alem de chefe dos bombeiros, era também responsavel pela segurança da planta de energia anexa ao quartel. Contou-me que a aldeia de Scotia era uma raridade na sociedade moderna americana. Era uma aldeia privada. Todas as casas, lojas, edifícios, incluindo os bombeiros, pertenciam a PALCO, a fabrica de produção de energia sustentavel. Ao que ele chamou : "A company town". A fabrica produz energia através de resíduos florestais, não só suficiente para abastecer toda a aldeia mas com sobra para vender.
Os donos da fabrica (e da aldeia), e uma "corporation" do Texas, e nesse dia havia uma inspecção de algum diligentes da companhia, que nos foram apresentados, enquanto tomávamos o pequeno almoço no refeitório. Estávamos quase de saída, quando um dos inspectores, entra no refeitório, e olhando para mim, disse, com uma cara de pouco amigo: "Li o artigo no jornal. Quero apenas dizer-vos, que eu fui um dos que votei por George Bush!! Quando saiu, desatamos a gargalhada.
E melhor sair-mos do raio de distribuição desde jornal, disse o Diego na brincadeira...
Pegamos nas bicicletas, e partimos pelas ruas da cidade "privada". Uma senhora sai a porta de casa, com uma copia do jornal numa mão, e a dizer-nos adeus com a outra.
-Hey, gritou, boa sorte. Façam boa viagem!

Como os "nostros hermanos" ibéricos, viajavam a um ritmo mais lento que o meu, em parte devido as paragens que faziam para filmar, decidi partir de novo sozinho, pois já tinha combinado encontrar-me com a minha amiga Danina, no sábado em São Francisco.
Os 3 dias que me levou a fazer os quase 400 km que faltavam, foram provavelmente, os 3 dias consecutivos mais exaustivos da viagem ate momento.um verdadeiro teste a minha ressistência física.
Se alguém vos disser que pedalar junto ao mar e mais fácil, não acreditem!!
Deixo-vos com as estatísticas desses 3 dias:
Dia 1: 118km percorridos e um desnivel acomulado de 1627 metros. Altitude máxima de 604 metros (o ponto mais alto na costa oeste americana)
Segundo dia, ate fort ross, 120.6 km com um desnivel acumulado de 1563 metros e altitude máxima de apenas 105 metros.
No terceiro dia, 151.6 km em 9.58 horas, acumulando 2041 metros mas com altitude máxima de apenas 192 metros!
Os números devem dar uma ideia do sobe e desce que e este troco de costa a norte de são Francisco.
Atravessei a "ponte 25 de Abril americana" ( a famosa Golden Gate Bridge, que partilha grandes semelhanças com a nossa ponte sobre o Tejo), já bem pela noite dentro. A "Burra", esta já há vários dias, amarrada a um gradeamento, no pátio desta pousada, situada no quarteirao chinês no centro da cidade, num descanço bem merecido.
São Francisco e uma daquelas cidades americanas, que tem caracter próprio; o relevo da cidade, com as suas muitas colinas, arquitectura europeia, os quarteiroes das varias etnias e a migração de pessoas de toda a parte do mundo , tornam esta cidade fascinante e atractiva para passar uns dias..

São Francisco e também um marco importante nesta minha odisseia em duas rodas, pois marca a transição entre o clima de 4 estaçoes para o norte, com a entrada progressiva nas zonas semi-tropicais e tropicais da América central.
O resto do meu itinerário nos estados unidos ainda não esta definido. Estou a debater entre seguir a costa ate Tijuana passando por los Angeles, ou atravessar a fronteira pelo interior (nogales), passando por Las Vegas. Seja qual for a a opção, já estou a começar a sentir o cheiro da comida mexicana, da sua musica, das margaritas tomadas junto ao mar azul e das temperaturas tropicais...

Nuno Brilhante Pedrosa
em São Francisco, Califórnia, EUA.

11.07.2006

No trilho de Oregon, pelo faroeste Americano (EUA)

Dia 99
Km 7080


o pacifico recebeu-me com ventos de 60km/h e chuva torrencial. os restos de um tufão, que inundou casas, partiu arvores, pôs postes de electricidade abaixo, e fez a minha condução simplesmente miseravel.
A apresentadora do bolhetin metrológico da fox TV, diz-me através do écran no quarto deste motel em Newport, que esta uma outra tempestade no mar a espera que esta passe, para atacar a costa de oregon. O Robin, um condutor de camiões, disse-me hoje, que e normal nesta altura do ano.
Com tanta chuva, ainda não consegui ver o pacifico, mas estou contente em estar aqui. Acabei de fazer, o que foi, provavelmente, a etapa mais difícil ate ao momento. Nunca me equivoquei tanto nos calculos de uma etapa, como nesta, entre as rocky mountains e a costa do pacifico. O que inicialmente , me parecia uma etapa de pouco mais 1000 kms, ou 10 dias, acabou por se transformar em 15 dias e 1536 km.

A estrada nacional 20 que me iria levar ate a costa atravessa vastos planaltos áridos,desérticos ou semi-desérticos, acima dos 1300 metros de altitude.
Nalguns vales, onde a terra e mais fértil, existem aldeias e cidades agrícolas industriais. Mono culturas, que se estendem no horizonte ate perder de vista.
Passei por Idaho Falls... uma típica cidade Americana. Avenidas de néons, que se estendem por vários kms, com as mesmas lojas e restaurantes em todas as cidades. Selvas de cimento sem cor ou caracter.
O que e que destingue esta cidade da próxima?
A aproximação a cada cidade americana, já me e familiar, com a mesma Mc Donalds, o mesmo Burguer King, KFC, Wal-Mart, etc. Centros comerciais, cheios de pessoas, metade delas obesas, vestidas com a mesma moda, vendo os mesmos filmes de hollywood e a comer a mesma "junk food". Um pais com tanta diversidade, unido pela cultura "pop" americana. No entanto, olho-os na cara, e cada um parece-me vir de uma parte diferente do mundo.
Aqui compram-se armas no supermercado, e se partires um braco e não estiveres abrangido por um seguro medico privado, tens que pagar a conta!
Depois de Idaho Falls, a EN 20, atravessa um planalto seco e desértico, que se estende por mais de 100 kms. O primeiro, das varias zonas de deserto que iria atravessar, a caminho da costa do pacifico, quase sempre pelo trilho de oregon. Um sinal na estrada dizia: you are entering Idaho National Laboratory" De inicio nao percebi.. Um laboratório no deserto?
2 Kms depois um outro sinal dizia: visit INB-I, world first nuclear plant".
Olhava para todo o lado, e o que via, era apenas deserto.
Pedalei todo o dia, por esta imensidao de terra plana e seca onde em ambos os lados da estrada podia observar placas, cada 10/15 metros, a dizer: "Não prespassar, propriedade do estado americano, multa ate 5000 dólares, INL".
Pareceu-me sensato respeitar os sinais, e pedalei ate ao entardecer, em busca de um local para acampar. Finalmente, já depois do por do sol, encontro um sitio, junto, ou melhor, dentro do "lost river". Nome apropriado, pois era um rio de leito seco, que eu aproveitei para montar a tenda, abrigando-me do vento, e que partilhei com a bicharada do deserto; coiotes, coelhos pigmeus, e em particular com uma espécie nova para mim, um híbrido entre esquilo e rato de olhos grande e pretos, que visitou a tenda durante a noite.
Ao entardecer, o que estava escrito numa outra placa, foi tema central dos meus sonhos (ou pesadelos?!) dessa noite. desde 1949, mais de 50 reactores nucleares foram construídos neste deserto que me rodeava, mais do que em qualquer outra parte do mundo.
No dia seguinte fiz uma etapa pequena, apenas 70 kms, ate ao parque nacional craters of the moon, parando para almocar na pequena aldeia de Arco, perdida no meio do deserto.
Atomic burguer, era uma das especialidades da casa. Optei por um cheese melt, uma outra variante de hanburguer, Camorfulado com um nome diferente, e servido em pão de tosta. A jovem empregada que me o serviu, disse-me que Arco, foi a primeira cidade do mundo a ser iluminada com energia nuclear.

"craters of the moon national monument", herda o nome das formações geólogicas únicas e pouco usuais. Uma enorme área de actividade vulcânica, que perpetuou as suas actividades deixando uma paisagem lunar. E um local turístico, mas mais uma vez, ando fora d'época (não sabia que também havia épocas turísticas no deserto!)e acampei no parque de campismo lunar, apenas com duas outras auto-caravanas
Os dias que se seguiram, foram bastante difíceis, não pelo rigor do terreno, que foi quase sempre plano, mas pelo vento quase ciclónico, e pelas noite mais frias que jamais alguma vez acampei. A monotonia da paisagem também não ajudou.
Por vezes tinha a sensação de que a bicicleta estava levantada no ar, e por mais que eu pedala-se, a paizagem era sempre a mesma. A estrada parecia interminavel, com retas de 20 e 30 kms sem interrupcao.
Por vezes a monotonia era tanta, que tinha dificuldade em entreter os meus pensamentos com algo racional. Entretinha-me com as cenas mais ridículas como:quantas pedaladas dava cada 100 metros ( conclui que no final da viagem terei dado 15 milhões de pedaladas), ou quantos kms tinha uma recta absoluta, ou com os sons de um insecto, que a semelhança de um certo pássaro no canada, gostava de voar ao meu lado durante tempos, fazendo um barulho algo semelhante a uma moto. e ate parecia que punha mudanças, pois fazia sons diferentes de acordo com a velocidade. e isto não era uma alucinação do deserto, pois ja tinha encontrado esses insectos nas rocky mountains.
A EN20, em partes do seu percurso segue o trilho de oregon. A famosa rota usada pelos emigrantes europeus, em busca de terras mais férteis para colonizar. um percurso de mais de 2000 kms,que levava 5 a 6 meses a percorrer, por terras de índios hostiles e desertos áridos.Entre 1840 e 1870, mais de 240 mil colonos usaram esse trilho.

Foi perto das crateras da lua, que Tim Goodale, um conhecido homem das montanhas, juntou um "comboio" de 338 carrocas, 1095 pessoas e 2700 cabecas de gado, e desbravou o deserto árido e os hostiles índios Shoshon, a caminho do faroeste americano.
No dia seguinte, também eu iria desbravar um pouco as hostilidades do faroeste, nao na forma de confrontos com alguma tribo nativa, ou estradas rochosas, mas sim com um vento quase ciclónico, que me obrigou a refugiar-me na aldeia de Mountain Home. Uma das cidades agrícolas do fértil vale de Boise, conhecido pelos locoais como "treasure valley".
Eu prefiro chamar-lhe vale das cebolas, pois passei por zonas de cultivo de cebolas que se estendiam por dezenas de kms. 24000 camiões da Tir cheios de cebolas, circulam pelas estradas americanas em cada época. O "vale das cebolas", levou-me 3 dias a atravessar, por estradas do campo, tentando contornar o vento que soprava de noroeste.
A EN20 sobe o vale das cebolas, para entrar de novo no deserto de altitude, já no estado de Oregan. Esta Zona chamada "high desert", com mais de 400 kms de extencao, de este para oeste,e daquelas partes de uma viagem que a maioria das pessoas prefere não fazer, ou fazer a 100km/h e de preferência durante a noite, tal a monotomia da paisagem. Para um ciclista que nao tem alternativa, e mais uma daquelas partes de uma viagem que embriaga a mente e deixa o rabo dormente.
Km apos Km de Nada!

Mas ate nesse 'nada' existe alguma beleza, por vezes, quando o ruído dos motores do pouco trafico desaparecia no horizonte, parava a bicicleta e escutava o silêncio ou o assobiar do vento e comtemplava a vastidão do deserto.
tal como Wallaice Stegner disse: " ...para compreender o faroeste, tens que passar para la da cor verde. Tens que dessistir de associar a beleza com jardins e relvados...".
E depois há os encontros imprevistos do deserto, que quebram a rotina da pedalada, como num dia uma carrinha abranda ao meu lado, e sem parar, o vidro baixa, revelando a cara de um preto que com um sotaque forte dos estados do sul, me pergunta:
- do you know where is the prison, man?
Prisao? por estas bandas?, pensei.
- No, I'm on vacation. Not from here, pal!
A cara escura desapareceu por detrás do vidro e o carro acelerou a fundo, deixando uma nuven de fumo preta na minha cara.
O que e que o fez pensar que um ciclista carregado com 20 kg de tralha a pedalar no meio do deserto, iria saber onde e essa tal prisao? Sera que lhe ocorreu que eu fugui dela em bicicleta?

Ao entardecer procurei um local para acampar, o que não seria difícil com tanto "nada".
Na minha viagem pelo médio oriente em bicicleta, acampei inúmeras vezes no deserto, e sabia que as noites podiam ser frias,mas nada me preparou para essa noite. Estava tanto frio que decidi cozinhar dentro da tenda.E apesar de dormir vestido dentro do saco de cama ( conforto -7 graus), a meio da noite acordei com frio. Olhei para o termómetro. Indicava menos 10 celcius ( dentro da tenda!!), liguei o aquecimento central (o fogão) e resolvi fazer um café, mas a agua estava completamente congelada. Com a navalha Suíça, corto o plástico e retiro o bloco de gelo. Enquanto o gelo deretia ao lume, pensava no que fazer a seguir.
Decidi fazer uma fogueira com os ramos de uns arbustos secos, mas o frio era tanto que, enquanto o fogo me aquecia uma parte do corpo, o frio gelava a outra.
Resolvi regressar ao conforto do meu saco de cama e do aquecimento central da tenda e esperar pelo amanhecer. Essa manha as 8.30h, apesar do esforço do sol em aquecer a terra, ainda estavam 5 graus negativos.
Parti pela paisagem desértica, pelo menos o exercício aquecia-me um pouco o corpo. Qual não foi a minha alegria ao ver umas bombas de gasolina com um restaurante, logo nos primeiro kms.

Ao entrar no restaurante, a dona comprimentou-me:
-Good morning survivor, coffee I bet?
- did you know, you've camped at minus 15?
Como já há 2 dias que não falava com ninguém, para alem de comigo proprio e da curta conversa com o preto, passei toda a manha na conversa com a senhora e alguns camionistas que por ali iam passando.
Cheguei a Bend na noite de halloween, um dos festivais mais celebrados no calendário americano. Depois do frio que rapei na noite anterior, nem hesitei em procurar um motel. No dia seguinte levei a Kona fire mountain ( a marca da bicicleta),a uma oficina para trocar a roda traseira que se tinha rachado no dia anterior, lateralmente no aro, sem eu saber bem como ou porque. (de notar que essa mesma roda, já tinha feito 12000 kms de leiria ao egipto sem alteracoes mais 6000km nesta viagem) aproveitei para trocar o pneu traseiro para a roda da frente, e por um novo na roda de tras (um outro shwable marathon) .
No dia seguinte, completamente restabelecido, ataquei o ultimo passe desta interminavel etapa, o Santiam pass a 1517 metros, que atravessa as "cascade range", a cadeia de montanhas que separa a costa do pacifico com os planaltos do interior de oregao e washington.
Do topo do passe, foram uns fantásticos 40km de downhill, dos quais 18 kms a 6%, sem interrupção, ate a zona costeira do pacifico.
A paisagem mais uma vez, mudou radicalmente. De paisagens aridas e secas, para florestas humidas, densas,verdes.......e muita chuva!
A supreendente hospitalidade americana tem sido uma grande ajuda a superar estas fases da viagem um pouco mais duras. Como foi o caso do Skip e da Kelly em Corvallis e da família Dobson, aqui em Newport. Excelentes anfitrioes, neste pais, nem sempre pintado com as cores merecidas.
Estou de novo na estrada pan americana (nos estados unidos e a highway 101 ), e a Califórnia, com o seu clima Meriterrâneo esta mesmo aqui ao lado. E mesmo para la que vou a seguir...


Nuno Brilhante Pedrosa
em Newport, Oregon, USA.

11.03.2006

Vem por aqui...(EUA)

"Vem por aqui"-dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços seguros
de que seria bom que eu os ouvisse
quando me dizem:"vem por aqui!"
eu olho-os com olhos lassos,
(ha,nos olhos meus, ironias e cansaços)
e cruzo os braços,
e nunca vou por ali...
A minha glória e esta:
criar desumanidades!
não acompanhar ninguém.
-que eu vivo com o mesmo sem-vontade
com que rasguei o ventre a minha mãe
nao,nao vou por ai!
só vou por onde
me levam meus próprios passos...
se ao que busco saber nenhum de vos responde
porque me repetis:"vem por aqui"?

prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redemoinhar aos ventos,
como farrapos,arrastar os pés sangrentos,
a ir por ai...
se vim ao mundo,foi
só para desflorar florestas virgens,
e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
o mais que faço não vale nada.

como,pois,sereis vos
que me dareis impulsos,ferramentas e coragem
para eu derrubar os meus obstáculos?...
corre,nas vossas veias,sangue velho dos avos,
e vos amais o que e facil!
eu amo o longe e a miragem,
amo os abismos,as torrentes,os desertos....

ide! tendes estradas,
tendes jardins,tendes canteiros,
tendes patria,tendes tetos,
e tendes regras,e tratados, e filósofos , e sábios....
eu tenho a minha loucura!
levanto-a,como um facho,a arder na noite escura,
e sinto espuma,e sangue,e cânticos nos lábios...
deus e o diabo e que guiam,mais ninguém!
todos tiveram pai,todos tiveram mãe;
mas eu,que nunca principio nem acabo,
nasci do amor que há entre deus e o diabo.

ah,que ninguém me de piedosas intenções,
ninguém me peca definições!
ninguém me diga:"vem por aqui"!
a minha vida e um vendaval que se soltou,
e uma onda que se levantou,
e um átomo a mais que se animou...
não sei por onde vou,
não sei para onde vou
sei que não vou por ai!

Estratos de poesia de um autor que me e desconhecido, e que me foram enfiados nas malas de viagem, aquando a minha passagem por londres, no inicio desta aventura, pela Sereia do Tamisa. A pessoa que mais me motivou a fazer esta viagem e de quem eu gosto muito e tenho imensas saudades.
Obrigado Sereia, a tua prosa tem servido de recomforto nas noites mais frias e solitarias...

Nuno Brilhante Pedrosa
algures na Pan Americana

10.20.2006

De novo nas Rocky Mountains (EUA)

Dia 80
Km 5544



O Yellowstone national park, foi o primeiro parque a ser estabelecido no mundo em 1872, e provavelmente uma das grandes contribuições dos americanos para a cultura mundial; a criação do conceito de parque nacional. Eles existem agora em praticamente todos os países do mundo, e protegem ecossistemas, que de outra forma seriam destruídos pelo maior predador do mundo animal: o próprio homem.
Yellwstone divide-se em 4 partes distintas. As zonas termais do noroeste (mamoth hot springs), a zona remota e montanhosa do nordeste (rosevelt), o lago alpino de yellowstone a sudeste e a zona das "gyesers" a sudoeste.
As 4 zonas estão ligadas por uma estrada de cerca de 300 km numa forma de 8.
As facilidades do parque já estavam praticamente todas fechadas, o que me obrigou a carregar alimentos para vários dias. Nos primeiros 2 dias ainda apanhai o final de uma alta pressão, com bastante sol. Mas foi sol de pouca dura.
O parque, e todo ele acima dos 2300 metros e com desníveis acentuados. Registrei a maior altitude ate ao momento (2583 metros), e nem tão pouco foi um passe, mas sim numa das elevacoes da estrada, ao bordear a grand caldera, uma das maiores crateras do planeta.

Já ia na estrada para sul, com Direcção ao adjacente parque nacional grand teton, conhecido pelas gigantescas montanhas vulcânicas, quando vejo pelo meu novo retrovisor da bicicleta, as nuvens escuras e pesadas a norte, no horizonte. Estava a 160 km de Jackson Hole, a ate la todos os parques de campismo, restaurante e resorts já estavam fechados.
Numa situação normal, não me preocuparia em arranjar 10 metros quadrados para montar a minha casa, mas viajava em alta montanha, onde sei por experiência, que o tempo pode se tornar bastante adverso em espaço de minutos. Decidi pedalar ate ao parque de campismo de Bridge Bay, que apesar de fechado, me oferecia abrigo para cozinhar e talvez ate fazer uma fogueira. Assim que anoiteceu, a escuridão era total.
Montei a tenda e encontrei uma das casas de duches aberta que usei como cozinha. Estavam 4 graus negativos e a escuridão era absoluta. Depois de jantar enfiei-me no meu saco de cama, e liguei o meu fogão a gasolina para servir de aquecimento central, como já tinha feito noutras situações.
Comecei a escrever no meu diário mas estava demasiado frio, desfolhei as paginas, e a minha atenção focou-se no que tinha escrito há mais de um a semana atrás:

"...Com cada dia que passa, a vida parece ser menos complicada, sem ter que pensar no que se passa no mundo fora. Mas talvez eu deva pensar mais acerca do mundo verdadeiro, e qual o meu papel nele.
Apesar da carga na "burra", viajo Tao leve, que não penso muito nisso.
E a escola? porque a deixei tão cedo? Desisti porque pensei que poderia aprender mais por mim próprio. Queria viver a vida do momento em vez do futuro. Mas viver cada momento e difícil. Significa pedalar sem destino, sem saber ao certo qual a próxima estrada a tomar. Mas pelo menos tenho um tecto....a minha tenda.
A minha tenda, quase 3 meses depois, já a sinto como a minha casa. Um ninho, um forte, uma caverna.
O desejo humano de viver numa caverna deve ser por instinto. Seres humanos devem ter um instinto básico de arranjar locais acolhedores, privados, onde pernoitar, e onde são livres de ser eles mesmos, de se esconderem do mundo.
Eu tenho a minha tenda, o meu ninho, forte, a minha caverna, mas mais importante do que isso tenho-me a mim mesmo dentro dela. Horas após horas do meu ser a viver nesta caverna que e a minha tenda.

Passando tanto tempo só, começo a descobrir-me a mim próprio.....e estou a gostar! Quando estas rodeado de outras pessoas o tempo todo e constantemente distraído, acabas por te esquecer do que e feito da alma que habita o corpo onde vives. Vivendo assim, parece-me evidente que a verdadeira alegria vive sobre camadas no corpo, camadas de conveniência,de conforto e compromissos. Removendo essas camadas Trás-nos mais próximo da razão fundamental da alegria de viver.
Aqui dentro da minha tenda caverna, a vida e simples, no entanto não há nada no mundo criado pelo homem, que possa ser tão complexo como um pequeno fóssil que encontrei na berma da estrada esta tarde.
Quanto mais pedalo nesta estrada solitária rumo a terra do fogo mais estas paisagens crescem dentro de mim. De facto estou a adorar viajar assim, solitário, vivendo uma vida elementar com a natureza selvagem.
Isso deve ser a nossa carência quase religiosa, de viver uma vida entrelaçada com os cosmos, com as montanhas, com o ar, a agua o sol.
Conseguirei adaptar-me de novo no mundo onde nasci depois desta viagem? Esse mundo que me parece Tao distante? pertenço a ele?

Viajar assim, solitário, dia após dia, transpôs-me a parte desse mundo. A vida parece-me tão mais simples assim...tão básica!
As noites e o que eu temo.
O sol e a minha consolação. Depois de uma noite fria, aquece-me o corpo e a alma durante todo o dia. E faz coisas espetaculares nos céus e nas rochas ao final do dia. Com casa entardecer uma pintura diferente..."

No dia seguinte acordo , não com sol, mas sim com o acampamento coberto de neve. A uns 50 metros da tenda, um lobo passeava pela neve fresca em busca da sua presa. Tomo um pequeno almoço reforçado, 4 pacotes de cereais com 2 bananas, 2 chocolates quentes, 6 fatias de pão barrado com nutella, e para terminar um café e 2 danish (bolos), um comprimido multi-vitaminas e um cigarro.E incrível o apetite de um ciclista!
Arrumo tudo apressadamente, não por ter pressa de ir a algum lado, mas por talvez pensar que os movimentos rápidos me mantenham aquecido. Quando estava pronto para partir começou a nevar de novo.

Não tinha alternativa senão continuar. Se o tempo piorasse havia a hipótese de cortarem a estrada, o que me deixaria numa situação pouco desejável. Nevou todo o dia, por vezes em grandes flocos, alguns ficavam pendurados na barba. Lembrei-me que, se existissem óculos com para-brisas, seriam úteis nesse dia. Vestia tudo a dobrar, 2 pares de meias grossas, 2 calcas, 4 camadas, poncho,2 pares de luvas, mais sacos de plástico nas mãos e nos pés. De facto as malas dianteiras, onde guardo toda a roupa, estavam quase vazias.
Mais uma noite de acampamento sobre a neve....
O parque de grand Teton e cerca de 500 metros mais baixo do que o vizinho Yellowstone, e na descida notou-se logo uma grande diferença de clima. Estava apenas frio, escuro, húmido e a chover...
Aqui em jackson Hole, encontrei um hostel (não são muito comuns nos Estados Unidos) onde partilho as 20 e tal camas e a sala de estar aquecida, apenas com um outro turista, uma californiana, e os empregados mexicanos.
Assim que tiver as energias restabelecidas, irei para oeste ate encontrar o mar. Fica encontro marcado para as aguas amenas do pacifico...

Nuno Brilhante Pedrosa
em Jackson Hole, Wyoming, USA

10.19.2006

Montana....por terras de indios e cowboys (EUA)

Dia 74
Km 5213


Viajando de bicicleta uma pessoa vê as cenas de uma forma completamente diferente dos outros meios de transporte. Num carro estas sempre num compartimento, e porque estas habituado ao carro não te apercebes que tudo o que vez e apenas "mais televisão". És um observador passivo,e a paisagem passa pela janela como se a estivesses a ver num écran. Numa bicicleta o écran desaparece! Estas completamente em contacto com o que te rodeia.tu estas na paisagem, não apenas a observa-la, e a sensação de presença e fascinante. A estrada passa apenas a alguns Cm dos teus pés e `e de verdade.esta mesmo ali,tão distorcida que nem a consegues focar. no entanto podes parar, tocar com o pé no chão e senti-la a qualquer instante e a cena toda, toda a experiência nunca esta longe da consciencialização imediata.

Já ia no meu 6 dia de viagem pelos estados unidos. A paisagem que me rodeava, fazia-me lembrar os filmes de cowboys que via quando era miúdo, no écran a preto e branco aos domingos a tarde.O trafico na estrada 200, conhecida pelos índios "black foot" como Cokahlarishkit, ou " river of the road to the buffalo", era ligeiro.
O dia estava um pouco escuro, um cinzento outonal, e a brisa ligeira refrescava-me a cara. Deixei-me absorver pelas imagens imortalizadas por Hollywood e passei a tarde toda num sonho pedalante, onde eu e a minha "burra" de ferro, invadia-mos território índio.Esta era a estrada para sul e não podia evita-lo. Atravessava os vales de Black Foot e Seeley-swan a este de Missoula, locais de conflitos passados entre índios e colonos europeus no inicio desta jovem nação americana.
Sentia-os a observar-me desde o topo das colinas, num desfiladeiro, a espera do momento certo da embuscada.

Ouço o uivar de um coiote, ou seria o chefe da tribo?
Observo-os a descerem desfiladeiros abaixo, nos seu trajes de guerra, aos gritos, deixando um rasto de pó no horizonte.Combates furiosos contra as invasões dos cara-pálidas.Mais uma derrota, numa guerra nunca ganha. Foram dizimados que nem os bisontes.
Começou a arrefecer e o Céu escureceu um pouco, sinal de que estava na altura de procurar um local para armar a tenda. Cortei por uma estrada ensaibrada, e subi um pouco uma colina, num pequeno vale abrigado encontrei o local ideal para essa noite. Ainda tinha a memoria fresca dos acontecimentos do dia anterior, e de como acabei por passar a noite de lua cheia numa ti pi, em Rattle Snake, na periferia da cidade de Missoula.
Conheci o Gordon Opel no centro da lindissima cidade ( a minha favorita na viagem ate ao momento). Andava a procura de uma oficina de bicicletas, pois umas noites mal dormidas com dores de costas e mãos dormentes durante longas horas na estrada, levaram-me a pensar que algo estava mal na minha relação com a "burra". E como uma visita ao medico, estava fora de questão por ser um arrombo no orçamento de viagem. Antes de conhecer o medico, provavelmente teria que deixar 200 ou 300 dólares com a sua secretaria, mais exames, etc..Optei por um auto diagnostico, que revelou que não havia nada de mal comigo, mas sim com a bicicleta.
O Gordon indicou-me uma oficina ironicamente chamada "doctor bike" a 3 quadras dali e convidou-me para passar a noite em sua casa, ou melhor, na sua ti pi.
Pus um canhão mais curto e articulável, levantando o guiador para uma posição mais confortável e com a coluna mais direita, aproveitei para (perdoem-me o grosseirismo), por uns cornos novos na "burra". A casa da família Opel ficava no estreito vale de Rattle Snake, a 15 minutos do centro da cidade. Missoula e a cidade onde se encontra o núcleo da "Adventure bycicle association" americana, e actividades de ciclismo de lazer ou competição são fortes na agenda da cidade.
A noite fomos dar um passeio pela cidade e ver uma dessas provas.
Levou-me bastante tempo a adormecer nessa noite, a olhar a viagem das estrelas pelo buraco da ti pi. A lua iluminava a noite com os seus raios frios revelando-me toda a historia dos índios americanos e do seu universo.

No dia seguinte continuei a minha ciclonavegacao sobre a curvatura da terra.
Dirigia-me de novo para a cadeia montanhosa das "rocky mountains". Mais um passe sobre o "continental divide", o cole de Mac Donald, acima dos 2000 metros e já coberto de neve.
Dia após dia as temperaturas estavam a descer e as estradas a subir...
O "downhill" do passe deixou-me com os dedos dormentes de tanto frio e a estrada já não baixou dos 1300 metros. O primeiro de vários vales que iria atravessar, cujas altitudes subiam com a passagem de cada passe, ate chegar a entrada do parque de Yellowstone, na pequena aldeia de West Yellostone, a 2295 metros, onde me encontro. Nesses vales passei por rancho após rancho, populados por manadas de gado, milhares deles. O ratio de animais domésticos por pessoa em Montana e de 12 para 1, num estado que e o quarto maior da nação mas tem apenas um milhão de habitantes.
Num desses vales, a confluencia dos rios Jefferson, Madison e Gallatin formam o caudal do rio Missouri (o maior nos estados unidos, com mais de 3800 km de extensão), encontra-se a pequena aldeia de Manhattan, com tantos habitantes como Monte-Redondo (aldeia onde nasci, em Portugal) e que tinha passado despercebida no mapa, senão fosse pela hospitalidade da família Mack, que me convidou para passar a noite em sua casa(num contacto articulado de Portugal via Novo México).
Estou a adorar esta parte da América, a que não e contada pelos media em Portugal ou por esse mundo fora. A verdadeira, rural, simples e hospitaleira América. A sem as cidades com edifícios que chegam aos céus, a sem armas, violência ou guerras, a dos americanos comuns, nos seus afazeres diários.
Cheguei cedo a aldeia de Manhattan, e como combinei telefonar apenas depois das 5, procurei a biblioteca ( a internet e de borla nas bibliotecas!!), que se encontrava na escola local. Uma conversa com um dos professores indicou-me o caminho para noticia da família e amigos.
Observava o site da viagem quando uma jovem e tímida estudante se aproxima e me pede um autografo. De inicio não entendi. Um autografo? Porque?
Obviamente o professor deve ter exagerado no conteúdo da nossa conversa. Mostrei-lhe o itinerário da viagem no site, o que aumentou o numero de curiosos e de papeis sobre a mesa para assinar. Achei a situação um pouco inconfortável, e terminei a minha sessão de Internet e sai da escola.
A família Mac convidou-me para jantar num restaurante da aldeia, onde provei uma das especialidades locais, Cowboy burger com batata frita e molho de tomate, a maior contribuição Americana para a gastronomia mundial, e mais vulgarmente conhecido por Ketchup!

Na manha seguinte despedi-me da simpática e hospitaleira família Mack e segui viagem com um sol que lentamente derretia o orvalho e aquecia a fria manha outonal.
2 dias depois estava as portas do parque nacional de Yellowstone, nesta pequena aldeia de montanha, um autentico circo turístico a boa moda Americana. O parque recebe 30.000 visitantes por dia no Verão.
Viajar fora de estação, por vezes abaixo de zero graus, tem os seus desconfortos, mas pelo menos irei ter a paz necessaria para usufruir da beleza deste parque, que e considerado por alguns como um ícone na beleza natural da América do norte.


Nuno Brilhante Pedrosa
escrito em West Yellowstone, Montana, USA

10.03.2006

A chegada ao Alentejo (Canada&EUA)

Dia 64
km 4369


Essa manha tinha acordado, indeciso, sinal de que o dia me iria correr mal. Não conseguia decidir se devia continuar , ou esperar mais um dia, a ver se o tempo melhorava. Olho pela janela do quarto com 44 camas (sim, 44!) do Whistlers Hostel,
situado na encosta de uma das montanhas que rodeia Jasper, a uns tortuosos 7 km "uphill" da cidade. O dia estava escuro e chuvoso, com nuvens baixas e espessas, criando uma humidade incomfortável. O tempo não deixava ver montanhas nenhumas, mas já estava em Jasper há 4 dias e alem disso a Danina tinha arranjado uma boleia nesse dia com 2 turistas canadenses, até Banff. Local onde tinha-mos combinado nos encontrar de novo, dai a 3 dias. Pus o equipamento de chuva e parti meio contrariado, pela Icefield Parkway Road (highway 93), que as brochuras turísticas reclamam ser a estrada mais bonita de toda a América do norte. Os 44 dólares que me cobraram de portagem a entrada da estrada, ( 8 dólares por dia, incluindo os 4 que passei em Jasper, mais a famosa taxa canadense), deixaram-me ainda mais desanimado. Com aquele tempo a estrada era igual a qualquer estrada canadense num dia de chuva. A tarde a chuva intensificou-se e decidi acampar fazendo apenas uma etapa de 70 km.

Na manha seguinte acordei com um sol radiante que iria durar o resto dos dias que iria passar no Canada. A diferença da paisagem com o Céu limpo, era abismal. Gigantescas montanhas de ambos os lados, cobertas de neve e glaciares, lagos alpinos, cujos tons de verde iam variando ao longo do dia. A paisagem era demasiado bonita para descrever. Cada curva mostrava uma paisagem mais bonita do que a anterior. Foram 300 km de um gigantesco desfile de beleza natural. A Icefields Parkway Road atravessa o coração das Rocky Mountains, onde quase se sente o seu pulsar, levando-me o mais próximo possível dos seus cúmes sem sair do conforto da estrada. São 300 km consecutivos de património mundial declarado pela UNESCO. Fiz 3 passes consideráveis neste percurso. Um a 1890m, outro 2049m, e outro a 2092m. O ataque ao primeiro passe foi bastante progressivo, começando em Jasper a 1000 metros de altitude e subindo lentamente 500 metros em 70 km. Fiz a subida ao passe no dia
seguinte com um ataque final de 10 km a 8%. O Downhill e muito mais acentuado e espetacular, permitindo ver a estrada entrelaçada pelo enorme vale. Mais um passe no mesmo dia, o Sunwapta passe,acumulando 1290 metros de desnivel, e fazendo 110 km em 6.11h a uma media de 17.8 km/h, montando acampamento a 1608 metros, junto ao rio Mistaya com uma das melhores vistas da viagem ate ao momento.

O terceiro dia foi o mais duro desta etapa, apesar de ter feito apenas 897 metros de desnivel acumulado, fiz 134 km em 6.44h e com o ataque ao ultimo passe (Bow), o mais alto ate ao momento a 2092 metros. Os últimos 63 km desde Lake Louise a Banff foram feitos em apenas 2.15h a uma media superior a 30 km/h, com a ajuda de um fantástico vento forte e uma excelente estrada com um Downhill bastante ligeiro. Cheguei a Banff, sábado a noite, como combinado com a Danina, a tempo de ir celebrar a vida nocturna da cidade, que e conhecida em todas as Rocky Mountains. Começando o jantar com um aceitável vinho canadense e terminado pela noite dentro com shots de bebidas
'desconhecidas' no "Hoo Doo's", uma das discos locais. 4 dias depois, completamente curado da ressaca ( foi a primeira noite que exagerei no consumo de álcool, desde que sai de Portugal), parti de novo pela estrada nacional 93, despedindo-me da Danina com a promessa de nos voltar-mos a ver algures nos Estados Unidos. A estrada 93 segue para sul atravessando o parque nacional de Kootney, parte dele destruído por um fogo recente. Fiz uma etapa pequena nesse dia, apenas 57.6 km, acampando de borla num parque de campismo já fechado ( uma das vantagens de viajar fora de estação), pouco depois do passe de Vermillion (1651 metros), um das dezenas de passes que atravessa o "Continental Divide", a linha de separação das águas do continente americano.

As águas originando a oeste desta cadeia de montanhas vão desaguar ao pacifico, e as originadas a este vão desaguar ao Atlântico. Irei atravessar essa "linha" inúmeras vezes ao longo da minha viagem. A primeira passagem foi logo no inicio, no árctico, nas 'Richardson Mountains', na 'Dempster highway'. Parte do canada e nos Estados Unidos, o continental divide e feito através das Rocky Mountains. E para os mais aventureiros e aficcionados a BTT, e possível seguir o "continental divide", quase sempre "Off Road", desde Banff, no Canada, ate El Paso, na fronteira Mexicana. Um bom programa para a A2Z !
No dia seguinte a EN93 tinha uma surpresa para mim. O Downhill do Sinclar pass (1486) revelou uma paisagem bastante diferente, pequenas colinas com floresta mista, exibindo as bonitas corres do outono, desci cerca de 600 metros e as temperaturas subiram para uns agradáveis 20/25 graus ao sol do meio dia. Tinha entrado nos vales populosos junto as Rocky Mountains com um micro clima onde os outonos amenos são mais prolongados. Neste vasto pais, o segundo maior do mundo, a seguir a Rússia, mas com pouco mais habitantes do que a cidade do México, 90% da população vive num "cinturão" de cerca de 300 km a norte do paralelo 49, isto e , a fronteira dos estados unidos. Desde Vancouver no pacifico ate as províncias francofonas do Atlântico. Era este 'cinturão' humano que eu iria atravessar nos próximo 4 dias ate a fronteira Americana. Estava cerca de 180 km da fronteira, quando a corrente rebentou, e obrigou-me a deslocar-me a pouco agradável cidade de Cranbrooks. Aproveitei para das uma revisão a bicicleta, mudando os calços dos travões de traz,
alinhando as rodas, e mudando a corrente e a cassete.
2 dias depois estava na estrada 93 com Direcção fronteira...

Com a aproximação da fronteira, aumentaram os pensamentos negativos; e se não me deixassem entrar? teria que ir ate Vancouver em bicicleta, e apanhar um avião para o México, arruinado todos os planos de viagem. Tinha começado por decidir no dia anterior, qual seria o melhor visual a usar. Desde o 11 de Setembro o governo americano tinha-se empenhado na construção de um pais fortaleza, imune a qualquer tipo de penetração suspeita, incluindo extra-terrentres e ciclistas. E tinha ouvido as mais variadas historias de situações com os guardas fronteiriços, os quais ,
independentemente do tipo de visto no passaporte, tinham a autoridade absoluta de fazer o que lhes der na gana.. Eu tinha escolhido uma fronteira junto as Rocky Mountains pouco movimentada, mas o pouco trafico por vezes, faz com que os oficiais tenham mais tempo para implicar com casa individuo.A minha preocupação era a barba.
tinha 3 opções: ou deixava a barba como estava, mas poderia ser suspeito de pertencer a algum grupo terrorista árabe. Outra opção seria cortar a barba, mas deixar o bigode, possibilidade que pus logo de parte por dar indícios de relatividade ao Sr Bashar. A ultima opção, seria fazer a barba, mas isso expunha a minha cara alongada e magra, que eu toda a vida me confrontei com a existência, das minhas fortes descendências mouras. Provavelmente seria confundido com algum terrorista marroquino a viajar com passaporte português falso.
Optei pela ultima, pois pelo menos tinha a garantia de que o passaporte não era falso. Tinha-o tirado dias antes de partir no governo civil de Leiria, exclusivamente para a minha passagem pelos estados unidos. O anterior ainda era valido ate 2009, mas como foi escrito a mão por uma funcionaria do cônsul português em Atenas, na Grécia, numa situação de urgência, anos atrás, e não seria valido ao abrigo do novo "waiver program" americano. O "waiver program" oferece vistos gratuitos por 90 dias aos membros de um "clube de elite" de países amigos e 'bonzinhos', ao qual Portugal ingressou recentemente. Todos os outros cidadãos deste planeta, tem que fazer bicha num dos locais de maior risco a atentados terroristas: as embaixadasamericanas.
O trafico nesta parte da EN 93 era muito semelhante a Klondike highway, apenas com algum trafico local e os ocasionais grupos de motards em "road trips", nas suas barulhentas Harleys. O edifício da duana era novinho em folha, havia 3 carros a minha frente que atravessaram com relativa facilidade.

Chegou a minha vez:
-Hi
-Hi, respondi.
-How are you today?
-I'm fine.And how are you?
"how are you" e "have a nice day" são duas expressões no inglês americano que me irritam um pouco pela falta de genuinidade das pessoas quando as prenunciam. Ouso-as a todo o momento em qualquer situação, dezenas de vezes por dia. Imagino o numero de vezes que cada americano as pronunciam por dia, multiplicando por 300 milhões e em uni soro, seria o suficiente para criar uma avalanche numa montanha.
-So, where are you going today?
Apeteceu-me responder que "today", de bicicleta, não ia mais longe do que a próxima floresta e montar a tenda. Mas o oficial, que ate era bastante cordial, informou-me que por já ter estado nos estados unidos (Seattle, no inicio da viagem), e de ter saído sem levar carimbo, estava a reentrar com o mesmo visto que expirava daqui a 25 dias, o que não seria o suficiente para atravessar os estados unidos em bicicleta.
-por favor, encoste a bicicleta, e dirija-se aquele escritório.
-Eu sabia!!!
nunca devia ter feito a barba...
Vão começar os interrogatório e as revisões das malas, sem comer, beber, ou poder telefonar ao consulado português, a explicar que são apenas um cidadão português, a fazer 25000 quilómetros em bicicleta pelo continente americano.
E a garrafa de gasolina do fogão? e o spay anti-ursos? e os painéis solares que o meu primo pedro me ofereceu? e a bandeira portuguesa que a minha irmã pôs nas malas?
sei la! qualquer coisa pode ser suspeito....
Ainda tenho recordações frescas da minha travessia para Israel em bicicleta no ano 2000, pela "King Hussein Bridge" aonde me deixaram apenas em cuecas e t-shirt durante tempos num compartimento fechado ate que as autoridades se convencessem que a única razão porque andava no médio oriente de bicicleta era por puro turismo de lazer. Mas isto não era o médio oriente, Tao pouco guantanamo bay.
Dentro do moderno edifício com decorações um pouco bizarras ( alem da foto de George Bush, tinham também uma membrana de baleia embalsamada e a pele de um animal que não consegui identificar),onde o numero de computadores era de longe superior ao do numero de funcionarios. Um deles, o que não estava a ler o jornal, bombardeou-me com as habituais perguntas de alfandega, e mais algumas que eu achei um pouco fora de contexto, como: há montanhas em Portugal? e como intencionáva atravessar o canal do Panamá? Explicou-me que o "waiver program" não permitia extenções de vistos, mas que
devido a minha situação, iria fazer uma excepção, mais uma vez provando a sua autoridade.
Pede-me 7 dólares, que eu fiquei sem saber se eram para o papel que eu preenchi ou para a tinta do carimbo, e disse:- have a nice day A partir daquele momento fiquei a pensar que a razão pela qual os americanos repetem desnecessariamente e de uma forma quase religiosa, "have a nice day", e por acreditarem que a repetição da frase a transforma em realidade; para mim, nesse dia, funcionou.
Peguei na "burra" e zarpei para sul, pedalando ate ao anoitecer. Tinha entrado nos estados unidos da América. Mas o engraçado foi que pareceu-me que entrei no Alentejo....

A estrada deslisava por entre colinas de feno amareladas, calor e ar seco, e bastava trocar os pinheiros por chaparros e estava a entrar no Alentejo... observo o mapa e reparo que tinha feito mal os cálculos. Ainda faltavam 30 km ate Whitefish. Claro, a partir de hoje as distancias são em milhas. Montana tem nomes engraçados, a começar pela cidade fronteiriça de 'Eureka', 'Yaak', 'Paradise', Pleasant Valley', 'Pompey's Pillar',etc... mas o meu favorito e: 'going to the sun road' que de facto não vai para o sol, mas sim, para o 'International peace park'. Amanha vou dar um passeio por la, a ver se sinto alguma "paz" do trafico da cidade...

Nuno Brilhante Pedrosa
em Whitefish, Montana, EUA.

9.26.2006

Festa pelas criancas especiais (Canada)

Ola amigos lusos,

Acabei de fazer a "icefield parkway road". A etapa mais espetacular ate ao momento, como podem ver nas fotos do ultimo album, se e que fazem alguma justica a lindissima paizagem das "rocky mountains".

Foram mais 280 kms pedalados pelas criancas da APPC.

Um dos patrocionadores desta viagem, a discoteca Alibi, em colaboracao com a APPC, vai realizar uma festa de apoio as criancas especiais do centro da APPC de leiria, ja nesta proxima sexta feira, dia 29 de setembro.
Uma boa opoturnidade para voces poderem colaborar para esta nobre causa e ao mesmo tempo divertirem-se.Parte da receita da noite vai directamente para a associacao.
A discoteca encontra-se no centro comercial maringa, no centro da cidade.

Bebam um copo por mim.....

Hi guys,
just finnished the icefields parkway road. The most spetacular road until now, as you can see in the new album in the photo gallery,if the photos make it any justice....

another 280 km ride for the special chldren of the "APPC"

Just in case you are in Portugal this week, and around Leiria, my home town, one of this trip sponsors, the Alibi club, is putting up a night dedicated to them. Its already this friday the 29th of september and part of the evening revenue goes straight to the association.
The club is located inside the "maringa" shopping center,in downtown Leiria.
A good oputurnity to help the "special children" and have fun at the same time.

Have a drink on me....
Nuno Brilhante Pdrosa
algures na pan-americana

9.19.2006

A chegada as Rocky Mountains (Canada)

Dia 50
Km 3486


Ao viajar de bicicleta tudo e imprevisível, nunca se sabe o que esta para acontecer ao virar uma curva. Uma paisagem lindissima, um furo, um encontro inesperado..
O que me aconteceu no dia em que sai de Smithers, foi de facto, inesperado. Tinha saído tarde, eram cerca de 11 horas da manha. O dia estava lindo, com nuvens altas, sol e uma pequena brisa de noroeste. Tinha acabado de falar com os meus pais, e isso, encheu-me o dia de uma energia radiante.
A Yellowhead Highway que liga a costa do pacifico as província do interior do Canada, atravessava vastas zonas florestadas. Junto a estrada haviam alguns ranchos com pastagens vacas e cavalos, os primeiros que via desde que a viagem começou. Passei por 2 ou 3 aldeias de Mennonites, onde rapazes e raparigas da escola brincavam em lugares separados, e vestidos com as suas roupas tradicionais. Foi uma visão bonita, como, se por momentos ,tivesse entrado num passado longinquo. Existem apenas cerca de 1 milhão e meio de Mennonites espalhados pelo mundo. Uma religião adepta a não-violência, não-resistência e pacifismo.

A paizagem mudou desde que deixei a Cassiar, a presença humana e mais evidente.
Tinha feito cerca de 40 kms quando uma carrinha me ultrapassa e para a minha frente. Dela saiu um homem alto e forte, em calções e camisa estampada, e com um largo sorriso. Por momentos pensei que fosse o empregado do parque de campismo municipal de Smithers, que ao descobrir que sai sem pagar a ultima noite veio a minha procura. Já tinha uma desculpa formulada, que, de facto, era a verdade: Tinha-o procurado no dia anterior e essa manha também, com a intenção de lhe pagar, como nao o encontrei deixei-lhe uma mensagem na porta da sua casa:" I've looked for you everywhere. I'm on the Yellowhead'n east. The portuguese cyclist."

Afinal o homem alto e forte era o Paul, um dentista de huston, a próxima aldeia a cerca de 30 kms dali. Depois de um pouco de conversa, convidou-me para passar a noite em sua casa, deu-me o seu cartão, com um numero para o chamar quando chega-se a Huston. 3 horas depois estava no armazém da sua casa, que mais parecia uma oficina de bicicletas, a lavar a minha fiel companheira de viagem: a Kona fire mountain.).
O Paul soltou uma enorme gargalhada enquanto me limpava a corrente, quando lhe disse que andava a usar azeite. Expliquei-lhe que o azeite, um pouco a semelhança do arroz na Índia, ou o coco nas Caraíbas, e um ingrediente multi-funções bastante usado no Meriterrâneo. Essa noite a mesa de jantar com a Gheri, a sua esposa, a Alli, a Dani e a Jo, as suas 3 filhas, falamos com entusiasmo acerca de zonas que eu deveria visitar, e em viagens em bicicleta em geral, um tipo de ferias que toda a família era accionada. Pela altura da sobremesa, o Paul divergiu a conversa para a historia do escaravelho...
Outro dos efeitos do aquecimento global, que e tema de conversa, desde jantares de família, ate debates parlamentares. Os escaravelhos atacam apenas os pinheiros alpinos, cortando o fluxo de agua e nutrientes , tornando as folhas vermelhas, e posteriormente causando a sua morte. São necessarias temperaturas de inverno com cerca de -20 graus para matar a lava dos escaravelhos.

Os invernos amenos dos últimos 4/5 anos permitiram taxas de mortalidade de 10% em vez dos normais 80%. Resultado: uma explosão massiva da população de escaravelhos. Nos dias que se seguiram, observei com mais atenção as florestas, realizando que as suas enormes manchas vermelhas, não são parte das cores do outono, como pensava, mas sim, resultado desta epidemia, que afecta principalmente as províncias do Yukon e British Colúmbia, e que ameaça expandir-se a Este das rocky mountains. Algumas das formas de combate do governo, e o corte de florestas, o fogo posto controlado, e a replantação de floresta mista.
O resto da noite passamos a ver mapas da América do norte e a ver qual seria o melhor itinerário que deveria tomar nos Estados Unidos. Todos foram unânimes, incluindo a Jo, a filha mais nova, que com cerca de 10 anos, já viaja com a sua própria bicicleta, que deveria seguir a rota do pacifico por já estar demasiado frio nas rocky mountains americanas, na altura em que la chegar.
Na manha seguinte, a Gheri preparou-me um lanche para levar, e o Paul um pequeno frasco com óleo para a corrente da bicicleta, que garantiu ser mais adequado ao frio das montanhas Canadenses do que azeite.
Despedi-me da família Comparelii, e desta inesperada situação, com a foto da praxe,e segui viagem....
Tinha feito apenas cerca de 10 kms quando conheci a Kathy e o David, os únicos ciclistas que vi nesta etapa de 807 kms, entre Smithers e Jasper. Sempre pela Hellowhead Highway, atravessando a British Colúmbia de Oeste para Este. A Kathy e o David são de Seattle, deixaram os filhos com alguém e decidiram tirar um mês de ferias a andar de bicicleta pela British Colúmbia, e como andavam a um speed maior do que o meu (cerca de 150 kms dia!)passamos apenas esse dia juntos. Mal eles sabiam que o destino ia mudar os seus planos de viagem.

Os 2 dias que se seguiram ate a cidade de Prince George, tive um vento forte a favor, aproveitei para somar kms. 127 kms e 146 kms, montando acampamento,as 5h e 5.30h, respectivamente.
Prince George e uma grande cidade, moderna e um pouco industrial, a planta nuclear a saída da cidade, espalhava os seus vapores um pouco por todo o lado. Decidi não ficar e seguir viagem. Mas antes fui comprar um saco-cama, deixando o velho com um casal de nativos bêbados que estavam sentados num banco do jardim da biblioteca municipal. O alcoolismo e um problema grave das comunidades nativas. Tenho-o observado desde Inuvik. Presos entre duas sociedades, nas quais não se identificam por completo. Vivem com a nostalgia do passado, e não são aceites por completo na sociedade moderna Canadense, resultando em problemas sociais como o alcoolismo, drogas e desemprego.
O meu novo saco cama e bem mais volumoso do que o outro e não cabe nas malas. Tenho que o transportar junto a tenda em cima do suporte. Mas apenas com pouco mais de um kilo e temperatura conforto de -7 graus, e exactamente o que necessito para as Rocky mountains. Valeu cada um dos 79 dólares que me custou, logo no segundo dia quando as temperaturas no acampamento junto ao rio Holmes baixaram aos -2.
Nessa tarde antes de começar a procurar um local para acampar, um outro carro ultrapassa-me e para um pouco mais adiante. Teria sido uma grande supresa, quando vi que eram a Cathy e o David, se não tivesse dado uma olhadela no meu site na pequena aldeia de Mc Bride no dia anterior, e tivesse visto a mensagem que me deixaram no meu livro de visitas.
A Cathy teve um acidente sozinha, num 'downhill', um problema inexplicavel com a corrente fez com que voasse pelo ar aterrando com o capacete que se partiu em 3 lados e impediu fracturas graves. Depois de uma visita ao hospital de Prince George, dicidiram alugar um carro e arrumar as biclas no porta bagagens.
O David fez questão em me oferecer o seu capacete.
O chapéu 'a fidel passou, de momento, para as malas, e de facto ate me sinto melhor a viajar com capacete.
Nesta ultima etapa de 807 kms pelaYellowhead highway, atravessei toda a British Colúmbia de Oeste para Este, subindo parte das rocky mountains pelo seu passe mais baixo, o Hellowhead passe (1159 metros), e cheguei ontem a esta pequena cidade de montanha ja na província de Alberta.
Estou no Parque nacional de Jasper e Bannf, e por qualquer lado que me vire, tenho montanhas com cúmes de 3000 metros, e acima.
A jóia na coroa das montanhas canadense, as rocky mountains, essa cadeia de montanhas gigantesca que se estende desde do norte do canada quase ate ao sul dos estados unidos..

Estou a espera da Danina,uma amiga australiana que vive perto de vancouver e que chega a Jasper amanha pela manha. Uma amiga de longa data, cujas nossas vidas se tem cruzado ao longo dos anos. Primeiro em Portugal, numas ferias de Verão quando a conheci. Anos depois em Londres, quando a reencontrei na brixton academy numa festa de hard house music awards que ela gostava de frequentar. O ano passado em Whistler, aqui no canada, quando tive as minhas primeiras lições de snowboarding numas curtas ferias de inverno. E de novo amanha, aqui no coração das rocky mountains.
Daqui vou seguir para sul sempre em cima das 'rockies' ate onde o clima o permitir....
Primeiro percorrendo a " Icefields Parkway road" ate Bannf, e depois por estradas ainda não definidas ate Yellowstone, já nos Estados Unidos.
Ai, abandonarei as montanhas (altas!), e seguirei para a costa do pacifico, em busca de temperaturas mais amenas, mas onde provavelmente irei encontrar muita chuva...
'E a forca dos elementos, sempre presente, na construção do itinerário desta aventura rumo a terra do fogo....

Nuno Brilhante Pedrosa
em Jasper, Alberta, Canada.

9.09.2006

Stewart & Cassiar Highway (Canada)


Dia 41 de viagem Kms 2679
Atravessar o paralelo 60 que passa por "cima" de Watson Lake, por alguma razao, fez-me sentir que ja estou "mais a sul", apesar de ainda estar na zona remota do norte da provincia da British columbia.
Desarma-mos as tendas montadas junto a casa da senhora que trabalhava no posto de imformacao turistica de Watson Lake, que muito cordialmente, nos tinha oferecido o seu jardin, quando no posto de imformacao, lhe pedi-mos a recomendacao de um sitio para pernoitar, e parti-mos pela Cassiar Highway.


A Cassiar Highway e uma estrada remota que liga o centro litoral da provincia da british Columbia com o Yukon. Atravessa vales lindissimos com cadeias de montanhas com cumes cobertos de neve. A primeira parte da viagem foi um pouco...humida!
Comecou a chover logo no segundo dia pela tarde.Estava quase a alcancar o km 2000. Para-mos para por o material impermiavel; casaco gore-tex com o capucho sobre o chapeu e oculos de sol para dar visibilidade, poncho por cima e calcas impremiaveis e um par de protectores de chuva descartaveis para as sapatilhas; 2 sacos do pao de forma.
"country harvest", e uma marca que eu gosto de comprar.Pao de aveia com passas de uva e sabor a canela, que alem de nao ser mau no paladar, tem 70 calorias cada fatia e vem num saco tamanha 43 (c.e.) que encaixa prefeitamente na minha sapatilha. Enfiados pela abertura, dobrados por entre a meia,e a calca impermiavel por cima. Sao leves, descartaveis e de borla.
Outro dia duro e molhado. A meio do dia tive um furo, alias um estouro. O primeiro da viagem depois de 2208 kms pedalados. troquei a camera d'ar e pus 2 remendos no pneu que se tinha descozido lateralmente, e segui viagem.

Choveu todo o dia e o vento forte vindo de sul nao parava de soprar. A humidade entranhava-se nos ossos.. O nosso objectivo nesse dia era alcancar a casa do john no acampamento de trabalhandores de manutencao da estrada , em Bob Quinn. Seria uma etapa de 100 kms.Nao tinha-mos alternativa, pois acampar com aquele tempo era sinonimo de uma noite miseravel.
O vento soprava de frente, com rajadas e a chuva fria impedia-me de observar a linda paizagem da Cassiar highway, os meus olhos estavam focados apenas num triangulo de 5 metros de alcatrao. A minha mente viajava um pouco mais a sul, nas praias quentes de areia fina de um mexico com sol radiante. A casa do john estava apenas a poucos kms de distancia, quando de repente um outro estouro tras o meu pensamento de volta a estrada fria humida e ventosa da British Columbia.
BANG!
Numa fracao de segundo o aro da roda traseira roca no chao. Nem precisei de travar, a velocidade que ia estagnei na berma da estrada. Gritei ao bruno mas o vento devolveu-me o grito.
Que dia! Nao um furo, nem dois, mas sim 2 estouros, vento chuva e frio tudo a mistura como se fosse a reacao de um mau karma duma das minhas vidas anteriores. A primeira coisa que me veio a mente foi acender um cigarro. Tirei as malas virei a bicicleta ao contrario e saquei a roda fora. O pneu tinha descozido num sitio diferente. Ao longe vinha um carro. Fiz-lhe sinal para parar. Alem de nao parar, jorou um jacto de agua lamacenta nas minhas calcas. Pela primeira vez na viagem senti-me sem forcas.
Algum tempo depois apareceu o bruno, passou outro carro, este, parando voluntariamente, ofereceu-nos ajuda. Puse-mos as biclas no jeep e alcanca-mos o acampamento em menos de 5 minutos. A casa do john era uma das 6 ou 7 casas pre fabricadas oferecidas pelo governo canadiano aos trabalhadores da estrada. Alem do alojamento tinham servicos de saude gratuitos ( em caso de emergencia,transporte de helicoptero para a proxima aldeia) e 27 dolares por hora. Nao estava ninguem em casa. O John estava a gozar as suas ferias anuais a trabalhar no seu negocio. Um motel em Iskut, onde a chuva nos obrigou a parar por dois dias. Tinha-o comprado por 150 mil dolares, barato, mas com o pouco trafico mal lhe dava para os gastos, contou-nos. Depois do excelente banho e jantar, observei o pneu com mais atencao.

Estava a descozer-se por todo o lado. Nao havia nada a fazer. Arrependido por ter deixado o meu pneu suplente com a Susie, uma canadiana, em Boya Lake dias atraz, dicidi que iria a boleia ate a proxima aldeia Smithers ou terrace a mais de 300 kms dali, comprar outro pneu e regressar. Com sorte levaria 2 dias. Na manha seguinte dei um passeio pelo acampamento numa ultima tentativa de encontrar uma solucao.
Numa das casas estava uma senhora com cerca de 50 anos e com a pela da cara envelhecida dos muitos cigarros e cafes solitarios tomados em frente a televisao. Expliquei o meu problema. Disse-me para tentar a minha sorte no quintal das traseiras da casa. No meio da lixeira de pneus de camiao, pecas de imobiliario e eletrodomesticos ferrugentos encontro um pneu roda 26 !
2 cafes depois e um pouco de conversa, deixei-lhe 15 dolares de agradecimento e segui viagem.
Nada como um dia miseravel para dar valor a luz e calor de um sol radiante.

A minha sorte estava a mudar e a paizagem tambem. Desce-mos de altitude, as temperaturas eram mais amenas e as montanhas com os cumes cobertos com as pimeiras neves da estacao, acompanharam-nos o dia todo. Antes de comecar a descida para os vales ajusto o meu altimetro com um sinal de um cole da estrada. Tinha 120 metros de diferenca. Boas noticias, aproximava-se uma alta pressao atmosferica.
No dia seguinte fui acordado pelo Bruno a chamar-me:
Nuno, vem aqui!, gritou. Quero que conhecas alguem.
Alguem?. Pensei que tinha-mos acampado no meio do nada!
E tinha-mos. So que junto a estrada.
As lindissimas paizagens da Cassiar Highway, o trafico quase inexistente e a isolacao da estrada sao ingredientes com sabor a aventura para ciclistas, nao e de estranhar que seja bastante popular com eles, e nao passou um dia que nao tenha-mos conhecido um. Mas este era especial. Tao especial que ja tinha ouvido falar dele dias atras em jade city ( 10 habitantes) atravez da dona da loja de jade que nos tinha oferecido um cafe e nos contou como por aquelas bandas se extraiam blocos de jade de alta qualidade, que eram exportados para paises como a China Tailandia ou India, onde a mao d'obra barata dos excelentes artesoes locais os transformavam em pequenas obras de arte. Parte para o mercado local, mas a maioria importado de novo para o canada ou para os mercados mundiais.
Quem diria que , secalhar, aquele souvenir de ferias comprado em Phuket veio das montanhas do canada e nao das zonas tribais de Chang Mai?
O Bruno estava a falar com outro ciclista. Randolph e um alemao que ja vai na sua quarta volta ao mundo em bicicleta, creio que me disse serem 14 anos na estrada. Anos atras teve um acidente na Argentina. Foi atropelado por um camiao que o abandonou no meio da valeta inconsciente. Passou 4 anos no hospital, perdeu parte da sua memoria. A policia encontrou o camionista, o processo criminal ja decorre ha mais de 10 anos, e disse-me ja ter gasto mais de 60 mil dolares no processo.
Mas a sua historia nao termina aqui.
Rudolph, recuperado de um cancro e tambem detentor de um titulo no guiness book of records, como o ciclista que pedalou mais dias consecutivos em temperaturas abaixo de 0. Disse-me ter pedalado a -30 graus! Nos iamos rumo a sul para fuguir ao inverno e este maluco ia para norte ao encontro dele. Queria quebrar o seu proprio record, e desta vez tinha o auxilio de 4 skies construidos por ele proprio, e montados lateralmente na bicicleta.Trazia nas malas pneus Schwalbe com bicos, para pedalar no gelo e caso nao tenha forca suficiente transportava consigo um atrelado com 3 caes husky para o puxar.
Tencionava pedalar pelos rios Mckenzie e Yukon quando estes congelarem.
A volta ao mundo dentro do seu proprio e em busca da sua memoria.....
Chegamos a Meziadin junction onde acampamos junto ao lindissimo lago.

A floresta inteira observava a sua propria belesa no reflexo das aguas turquesas.
Em meziadin entrei num postal de paizagem paradisiaca, para so sair 65 kms depois na aldeia de stewart, junto a fronteira com o Alaska.
Deus devia estar muito bem disposto quando criou esta parte do planeta. Montanhas verdejantes com glaciares que quase chegavam a estrada, rios furiosos a descer montanhas. Cascatas descendo penhascos, e e claro:ursos. Ja vou em 11 na minha contagem desde Inuvik. Chegamos a Stewart onde acampamos no parque municipal.
As comunidades fronteiricas de Stewart ( 600 habitantes ), e Hyder ( Alaska, 90 habitantes), estao localizadas no final do canal maritimo de 'Portland', um das dezanas de canais maritimos que fazem parte das "misty fjords" do Alaska. As comuniaddes estao tambem rodeadas de magesticas montanhas costeiras e de glaciares, que fazem parte dos " Cambria ice fields". A principal razao por que vim aqui foi para observar de perto a desova do salmao. Uma das muitas maravilhas da natureza. O culminar de um ciclo de vida de 4 a 5 anos, que termina com a morte dos peixes no lugar certo na altura certa.Depois de divagarem pela vastidao dos oceanos durante a sua vida adulta, iniciam a ardua viagem rios acima ate encontrarem o lugar exacto onde nasceram, libertando milhoes de ovos e morrendo de exautão. O salmao rico em gorduras e a base da dieta dos ursos, que nesta altura do ano estao na fase da engorda, entes de entrarem no periodo de ibernacao.
Com certeza que ficara na memoria por uns tempos o cheiro intenso a peixe podre, os milhares de salmoes mortos na agua, aguias e gaivotas a alimentarem-se deles, e os ursos a alimentarem-se dos que ainda vivem. Com tanta abundancia tornao-se selectivos e comem apenas as femeas e os seus ovos.

No dia seguinte seguimos viagem, percorrendo de novo os lindissimos 65 kms ate 'Meziadin junction', onde cortamos para sul pela Cassiar.
Mais um dia de viagem, e o pneu que encontrei na lixeira em Bob Qinn, comeca a dar ares de cansaco; mais um furo e uns remendos no pneu. Desta vez uma luva de plastico cortada e enrrolada na camera d'ar. Passo os livros e outras cenas pesadas para as malas da frente e o Bruno carrega-me a tenda ( em cima da sua, ja enorme carga!), mas a meio do dia o pneu envelhecido decide nao suportar mais o meu peso. Este era o ultimo dia que viajava-mos juntos. No final da cassiar o Bruno iria para oeste, para a costa onde um ferry o levaria a Vancouver numa viagem de 2 dias. Eu seguiria para este, para o interior da British Columbia e em direccao as Rocky mountains. Com a proxima casa a 70 kms de distancia, no acampamento nativo de Kitwanga, nao tinha alternativa senao fazer "batota" e pedir boleia ate a loja de bicicletas mais proxima. Despedimos-se ali no meio da estrada trocando direccoes, o Bruno deu-me algumas pecas de equipamento, uma navalha suica, um impremiavel para a chuva comprimidos de purificacao d'agua entre outras coisas, e prometeu 60 dolares para as criancas da APPC Leiria. O guarda florestal que me deu boleia, deixou-me mesmo em frente a loja de bicicletas em Smithers, onde comprei um pneu Schwalbe marathon plus.O melhor pneu que havia na loja.
Foram duas semanas de excelente camaradagem e amizade.O Bruno foi grande companheiro de viagem e fonte inspiradora para a minha odisseia rumo ao sul....
Nuno Pedrosa em Smithers, B. C. , Canada