10.19.2006

Montana....por terras de indios e cowboys (EUA)

Dia 74
Km 5213


Viajando de bicicleta uma pessoa vê as cenas de uma forma completamente diferente dos outros meios de transporte. Num carro estas sempre num compartimento, e porque estas habituado ao carro não te apercebes que tudo o que vez e apenas "mais televisão". És um observador passivo,e a paisagem passa pela janela como se a estivesses a ver num écran. Numa bicicleta o écran desaparece! Estas completamente em contacto com o que te rodeia.tu estas na paisagem, não apenas a observa-la, e a sensação de presença e fascinante. A estrada passa apenas a alguns Cm dos teus pés e `e de verdade.esta mesmo ali,tão distorcida que nem a consegues focar. no entanto podes parar, tocar com o pé no chão e senti-la a qualquer instante e a cena toda, toda a experiência nunca esta longe da consciencialização imediata.

Já ia no meu 6 dia de viagem pelos estados unidos. A paisagem que me rodeava, fazia-me lembrar os filmes de cowboys que via quando era miúdo, no écran a preto e branco aos domingos a tarde.O trafico na estrada 200, conhecida pelos índios "black foot" como Cokahlarishkit, ou " river of the road to the buffalo", era ligeiro.
O dia estava um pouco escuro, um cinzento outonal, e a brisa ligeira refrescava-me a cara. Deixei-me absorver pelas imagens imortalizadas por Hollywood e passei a tarde toda num sonho pedalante, onde eu e a minha "burra" de ferro, invadia-mos território índio.Esta era a estrada para sul e não podia evita-lo. Atravessava os vales de Black Foot e Seeley-swan a este de Missoula, locais de conflitos passados entre índios e colonos europeus no inicio desta jovem nação americana.
Sentia-os a observar-me desde o topo das colinas, num desfiladeiro, a espera do momento certo da embuscada.

Ouço o uivar de um coiote, ou seria o chefe da tribo?
Observo-os a descerem desfiladeiros abaixo, nos seu trajes de guerra, aos gritos, deixando um rasto de pó no horizonte.Combates furiosos contra as invasões dos cara-pálidas.Mais uma derrota, numa guerra nunca ganha. Foram dizimados que nem os bisontes.
Começou a arrefecer e o Céu escureceu um pouco, sinal de que estava na altura de procurar um local para armar a tenda. Cortei por uma estrada ensaibrada, e subi um pouco uma colina, num pequeno vale abrigado encontrei o local ideal para essa noite. Ainda tinha a memoria fresca dos acontecimentos do dia anterior, e de como acabei por passar a noite de lua cheia numa ti pi, em Rattle Snake, na periferia da cidade de Missoula.
Conheci o Gordon Opel no centro da lindissima cidade ( a minha favorita na viagem ate ao momento). Andava a procura de uma oficina de bicicletas, pois umas noites mal dormidas com dores de costas e mãos dormentes durante longas horas na estrada, levaram-me a pensar que algo estava mal na minha relação com a "burra". E como uma visita ao medico, estava fora de questão por ser um arrombo no orçamento de viagem. Antes de conhecer o medico, provavelmente teria que deixar 200 ou 300 dólares com a sua secretaria, mais exames, etc..Optei por um auto diagnostico, que revelou que não havia nada de mal comigo, mas sim com a bicicleta.
O Gordon indicou-me uma oficina ironicamente chamada "doctor bike" a 3 quadras dali e convidou-me para passar a noite em sua casa, ou melhor, na sua ti pi.
Pus um canhão mais curto e articulável, levantando o guiador para uma posição mais confortável e com a coluna mais direita, aproveitei para (perdoem-me o grosseirismo), por uns cornos novos na "burra". A casa da família Opel ficava no estreito vale de Rattle Snake, a 15 minutos do centro da cidade. Missoula e a cidade onde se encontra o núcleo da "Adventure bycicle association" americana, e actividades de ciclismo de lazer ou competição são fortes na agenda da cidade.
A noite fomos dar um passeio pela cidade e ver uma dessas provas.
Levou-me bastante tempo a adormecer nessa noite, a olhar a viagem das estrelas pelo buraco da ti pi. A lua iluminava a noite com os seus raios frios revelando-me toda a historia dos índios americanos e do seu universo.

No dia seguinte continuei a minha ciclonavegacao sobre a curvatura da terra.
Dirigia-me de novo para a cadeia montanhosa das "rocky mountains". Mais um passe sobre o "continental divide", o cole de Mac Donald, acima dos 2000 metros e já coberto de neve.
Dia após dia as temperaturas estavam a descer e as estradas a subir...
O "downhill" do passe deixou-me com os dedos dormentes de tanto frio e a estrada já não baixou dos 1300 metros. O primeiro de vários vales que iria atravessar, cujas altitudes subiam com a passagem de cada passe, ate chegar a entrada do parque de Yellowstone, na pequena aldeia de West Yellostone, a 2295 metros, onde me encontro. Nesses vales passei por rancho após rancho, populados por manadas de gado, milhares deles. O ratio de animais domésticos por pessoa em Montana e de 12 para 1, num estado que e o quarto maior da nação mas tem apenas um milhão de habitantes.
Num desses vales, a confluencia dos rios Jefferson, Madison e Gallatin formam o caudal do rio Missouri (o maior nos estados unidos, com mais de 3800 km de extensão), encontra-se a pequena aldeia de Manhattan, com tantos habitantes como Monte-Redondo (aldeia onde nasci, em Portugal) e que tinha passado despercebida no mapa, senão fosse pela hospitalidade da família Mack, que me convidou para passar a noite em sua casa(num contacto articulado de Portugal via Novo México).
Estou a adorar esta parte da América, a que não e contada pelos media em Portugal ou por esse mundo fora. A verdadeira, rural, simples e hospitaleira América. A sem as cidades com edifícios que chegam aos céus, a sem armas, violência ou guerras, a dos americanos comuns, nos seus afazeres diários.
Cheguei cedo a aldeia de Manhattan, e como combinei telefonar apenas depois das 5, procurei a biblioteca ( a internet e de borla nas bibliotecas!!), que se encontrava na escola local. Uma conversa com um dos professores indicou-me o caminho para noticia da família e amigos.
Observava o site da viagem quando uma jovem e tímida estudante se aproxima e me pede um autografo. De inicio não entendi. Um autografo? Porque?
Obviamente o professor deve ter exagerado no conteúdo da nossa conversa. Mostrei-lhe o itinerário da viagem no site, o que aumentou o numero de curiosos e de papeis sobre a mesa para assinar. Achei a situação um pouco inconfortável, e terminei a minha sessão de Internet e sai da escola.
A família Mac convidou-me para jantar num restaurante da aldeia, onde provei uma das especialidades locais, Cowboy burger com batata frita e molho de tomate, a maior contribuição Americana para a gastronomia mundial, e mais vulgarmente conhecido por Ketchup!

Na manha seguinte despedi-me da simpática e hospitaleira família Mack e segui viagem com um sol que lentamente derretia o orvalho e aquecia a fria manha outonal.
2 dias depois estava as portas do parque nacional de Yellowstone, nesta pequena aldeia de montanha, um autentico circo turístico a boa moda Americana. O parque recebe 30.000 visitantes por dia no Verão.
Viajar fora de estação, por vezes abaixo de zero graus, tem os seus desconfortos, mas pelo menos irei ter a paz necessaria para usufruir da beleza deste parque, que e considerado por alguns como um ícone na beleza natural da América do norte.


Nuno Brilhante Pedrosa
escrito em West Yellowstone, Montana, USA

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