12.23.2007

Latitude 0... (Equador)


Pico do vulcão Chimborazo(6310m), o ponto mais alto do Equador visto do nosso acampamento.


Encheu-me de conforto passar o passaporte pela pequena janela de vidro e ouvir o som do carimbo. Estava de volta às formalidades legais de fronteiras. "Bem vindo ao Equador", esperava eu ouvir do oficial da alfândega. Mas da sua boca saíu apenas algo incompreensível que me pareceu reflectir os muitos anos atrás da secretária a carimbar passaportes.
Mais um pelintra de bicicleta, deveria ter pensado ao olhar para o indivíduo vestido de maneira insólita, de calções sujos desgastados pelo tempo, barba por fazer e despenteado. Não importa. O visto de 3 meses foi de borla.

Sigo viagem.
Não tenho mapa ou guia do Equador (a Joana tem-os no Quito) e apesar de me sentir um pouco despido sem eles, não era muito relevante. Afinal de contas, da fronteira até ao Quito só há uma estrada principal, a panamericana. Viajo já há 10 dias sem descanso, tentando chegar a Quito a tempo de ir receber a Sereia do Tamisa ao aeroporto.

Em Manizales pensei em apanhar um autocarro, mas depois da eficiência do Dr. Fernando e da minha ineficiência em fazer cálculos de viagem, convenci-me de que chegaria ao Quito antes do dia 4 de Dezembro. Entro no equador no dia 6 e ainda tenho algo entre 200 e 300 km pela frente até à capital. Números que variam de acordo com a informação local e os meus cálculos abstractos, pois a sinalização na estrada é pouca e errática.

A fronteira Ipiales-Tulcan fica a cerca de 3000 metros de altitude. Quito fica a 2850m. Bom sinal. Mas como eu estou a começar a descobrir nas minhas pedaladas andinas, a estrada tanto sobe aos 4000m, como baixa aos 1000m.
Penetro pelo Equador adentro terminando o dia na agradável cidade de San Gabriel, onde passo a minha primeira noite no país.

Equador. O nome só por si é inspirador. Uma linha imaginária a quem uma nação inteira lhe dedica o nome. Muitas vezes pensei neste momento, de como seria....
E aqui estou eu no Equador com o conta quilómetros a marcar quase 25.000 km. Mas não era suposto estar já na Patagónia?

Adormeço com as 10 batidas do sino da igreja e a divagar por linhas imaginárias. Dia 5, Dempster Highway Canada, circulo polar Árctico. Dia 171, Mazatlan México, Trópico de Câncer. Amanhâ dia 498, algures na panamericana: linha do Equador.

Os andes equatorianos são como uma gigantesca escada na horizontal. A cordilheira ocidental é o corrimão da direita e a cordilheira oriental o corrimão da esquerda. Os degraus da escada são os cumes entre as cadeias de montanhas. Por entre degraus, no fundo dos vales, situam-se grandes cidades como Ambato, Riobamba ou Cuenca.

À saída de San Gabriel, faltou um degrau e a estrada depois de subir aos 3350 metros, cai vertiginosamente num canyon, ziguezagueia pelo Valle de Chotra, a 1600 metros de altitude - uma zona muito pobre do país, onde habitam uma boa parte dos 4% de afro-equatorianos - e serpenteia montanha acima até á cidade de Otovalo (2540m), onde termino o dia exausto com 114 km e perto de 2000 de desnível.





Estava apenas a um dia do Quito, mas tiro um dia livre para visitar o mercado de sábado e para descansar. O mercado de artesanato de Otavalo não deixa de ser interessante e colorido, mas como comprar "recuerdos" não faz parte das minhas prioridades de viagem, na verdade para mim, não passou de um grande circo turístico com centenas de turistas, metade deles a comprar "recuerdos" que simbolizam as suas "aventuras" de viagem ,e a outra metade a dar ao dedo nas suas máquinas digitais fotografando a tudo e a todos.

A 2850 metros de altitude, Quito é a segunda capital mais alta do continente depois de La Paz , na Bolívia. Situada num vale alto e rodeada de vulcões, estende-se como um gigantesco Lego de cimento rectangular. A Panamericana entra pela parte norte, atravessando a cidade ao longo de 23 kms até ao seu centro histórico onde procuro alojamento.



Mais uma cidade colonial espanhola, um labirinto de esplendor arquitectónico com bonitas igrejas e edifícios coloniais. Mas excepto para o centro histórico, património da UNESCO, Quito é uma mais uma grande metrópole latina de trânsito caótico, poluída e desinteressante, onde o fumo dos escapes dos autocarros urbanos envolvem o ciclista numa nuvem de fumo preta e dificultam a respiração.


De facto, o ponto alto da minha passagem no Quito foi o meu reencontro com a Joana Oliveira de Leiria. Amiga, e companheira de viagens em várias partes do globo, incluindo na panamericana ( ver crónicas de Março de 2007). Junto iremos pedalar para sul por tempo indeterminado.

Passei 4 dias na capital, mais para arranjar peças novas para a burra do que para explorar a cidade. Estava na altura de deixar as revisões do "desenrasca" e dar um novo "look" à minha fiel companheira de viagem. Em apenas 2 dias consegui juntar as peças necessárias (importadas da Colômbia!).
Pedaleira Shimano Alívio (a segunda na viagem, a primeira foi trocada no km 13.610 em Cancun). Corrente e cassete Shimano 11-30, com 2 dentes menos que a anterior, que se sentirá nas subidas ( terceira na viagem. A primeira trocada no km 4167 e a segunda no km 13.610). Dois pares de V-Brakes Shimano Deore. As molas dos anteriores já só funcionavam presas por Zip-Ties e arames, e finalmente, dois suportes novos.



Os que tinha (ambos com 25.000 kms) depois de inúmeras soldaduras, já andavam presos por Zip-ties, tape, pedaços de corrente, espias da tenda e tudo o que a minha imaginação, ou a dos mecânicos locais conseguisse resolver. A Joana trouxe consigo um suporte traseiro, e para os alforges da frente, coloquei um Tubus, oferecido pelo cota radical,o Bruno Huber, meu companheiro de pedaladas no Canadá (ver crónicas de Agosto e Setembro de 2006), e que tive o prazer de reencontrar no Quito.

Ao quinto dia deixamos a cidade dando início às nossas primeiras pedaladas no hemisfério sul. A saída da cidade foi tão caótica como a entrada, com tráfego intenso e desordenado.
A Panamericana serpenteia por entre as duas cordilheiras atravessando enormes vales no seu caminho para sul. Os locais chamam esta região pelo simples nome de "La Sierra". Turistas e viajantes preferem identifica-la por um nome mais romântico: A avenida dos vulcões. Nome dado pelo explorador alemão Alexander Von Humbeldt, quando viajou pelos vales centrais dos Andes em 1802.

Teria sido uma etapa espectacular se não fosse pelo tráfego intenso (e condução arrepiante dos motoristas) e pelo céu constantemente enublado que não permitiu as antecipadas vistas dos vulcões. Chegamos a Ambato a tempo de visitar o mercado semanal de segunda-feira, um dos maiores da região.


Os mercados andinos, à semelhança dos mercados de Chiapas e Guatemala, são um evento cheio de vida e cor. "El dia del mercado" faz parte do manifesto cultural das tradições andinas. Pessoas de casarios de montanhas e aldeias vizinhas, descem à cidade nos seus trajes tradicionais para vender, trocar, comprar, algo, qualquer coisa, mantendo a sua identidade e cultura ancestral.







De Ambato para sul, a Panamericana deixa de ser a única via alternativa, e o leque de opções aumenta, aumentando também as indecisões de rota. Directamente para sul , a panamericana leva quase todo o tráfego com ela, tornando-a a escolha menos apelativa. Para leste, outra via desce as terras mais temperadas em redor de Baños, que por ser um dos lugares mais turísticos do país, a torna pouco convidativa. Além de que a recente erupção do vulcão Tungurahua criou um desabamento cortando a estrada entre Baños e Riobamba.

Resta-nos a terceira opção de seguir pela estrada EN50 que sobe até perto do vulcão Chimborazo, onde uma estrada secundária nos levaria a Riobamba, o nosso próximo destino. A opção mais dura, mas sem dúvida a mais apelativa e também o primeiro desafio andino para a Joana.

Os 10 kms iniciais com acentuadas inclinações que por vezes ultrapassavam os 10%, foram os mais duros. Depois de Santa Rosa (3000m) as inclinações diminuem aos 5%-7% com partes de "descanso" de 3% e 4%. Aos 3500 metros de altitude demos como concluído o dia, acampando no topo de uma montanha com vista para uma ravina com cultivo de inclinações impossíveis e já perto da zona do "pàramo andino".





O Pàramo e um ecossistema extremamente especializado de alta montanha, caracterizado por clima hostil, altos níveis de luz ultravioleta e vegetação rasteira, pequenas plantas e ervas que se adaptaram as condições hostis dos elementos.
No dia seguinte seguimos montanha acima, entrando no Pàramo e fazendo um curto dia de 32 km, montando acampamento a 4040 metros, na encosta oeste do vulcão Chimborazo.

Aqui a 4000 metros de altitude, rodeado por esta vasta paisagem, sinto-me reduzido à minha insignificância. Apenas mais um minúsculo animal à mercê dos elementos nesta poderosa e inóspita paisagem. São momentos da viagem como este que sublimam todos os prazeres de viajar em bicicleta..


Não consigo imaginar outra forma de viajar onde haja um contacto tão íntimo com a terra e as pessoas que dela vivem neste ambiente hostil. Cada pedalada traduz-se numa consciencialização imediata.
Aqui nos Andes, distâncias entre destinos são reduzidas a proporções mais humanas. 50 km não é meia hora de carro. 50 km são 50 kms! São horas. Um dia ou mesmo dois. O tempo tem uma definição e importância diferente, e a bicicleta promove um conjunto de emoções físicas e mentais que se envolvem lentamente em experiências sensoriais.

O Chimborazo desperta com o amanhecer, afastando as nuvens e revelando, por breves momentos, todo o seu esplendor, voltando pouco depois, a envolver-se num manto de neblina. A 6310 metros de altitude, o seu pico é o mais alto no Equador. E para desilusão dos aficionados do K2, e devido à sua localização equatorial, é também o ponto mais afastado do centro da terra e mais próximo do sol.



Seguimos viagem. As patas de galinha do jantar da noite anterior, compradas a um vendedor ambulante de frugueneta, não forneceram os hidratos suficientes, e apesar da suave inclinação da estrada, a altitude obrigava a pedaladas mais ofegantes.

A 4250m um cruzamento com uma pequena casa abandonada, assinalava o ponto mais alto da EN50. Paramos para a foto da praxe sob o olhar atento (e incrédulo) de uma patrulha da polícia. No cruzamento desviamos para leste por uma outra estrada que circunda o vulcão Chimborazo antes de descer para San Juan , e posteriormente para Riobamba. Antecipavamos um downhill. Mas a estrada recusa-se a descer e continua por mais 8 km, dirigindo-se a um outro passe.

A paisagem, neste lado do vulcão é mais agreste. Dunas de areia vulcânica com alguma vegetação rasteira e o ocasional bando de "Vicuñas". Primas afastadas das ovelhas com pescoso longo e elegante e que fazem uns ruídos semelhantes a uma ave de rapina. Aos 4200 metros entramos na linha da neve e pouco antes do corte para o Base Camp do Chimborazo, atingimos o ponto mais alto desta etapa a 4390 metros de altitude.Depois, foi o merecido downhill de 50 km até Riobamba.





Segue-se a etapa festiva de natal e ano novo, por lugares incógnitos,rumo a sul, perseguindo o sol. Um abraço andino cheio de desejos de boas festas e próspero ano novo para todos. Obrigado pelo vosso apoio, nesta viagem, e as crianças especiais da APPC-Leiria.

A partir de agora, e por tempo indefinido, ponderam acompanhar as minhas pedaladas para sul, também através do site da Joana em Movimentos constantes.

Nuno Brilhante
Em Riobamba, Equador

12.08.2007

"À la orden...!" (Colômbia)



Manizales

Parece-me injusto deixar a Colômbia sem me despedir deste país que tanto adorei, com uma última crónica de viagem. Estou em Ipiales, cidade fronteiriça desinteressante, que deve a sua existência ao tráfico e comércio com o país vizinho.
Talvez a única razão que coloca Ipiales nos roteiros turísticos é o fantástico Santuário de las Lajas a 7 km, a sul da cidade


O santuário em estilo neo-gótico dedicado à virgem Maria foi construído sobre uma ponte de pedra que atravessa um estreito desfiladeiro. È uma visão estranha mas espectacular que faz lembrar um pouco os castelos medievais da Europa de leste. A fronteira com o equador fica apenas a 3 kms daqui, mas já a algum tempo que me "sinto" no equador.

Esta última etapa de 775 kms na Colômbia foi - apesar de apressada - bastante diversa, não só em paisagem natural como também humana.
Mas retrocedamos ao início da etapa e a Manizales. Manizales é a capital do departamento de Caldas e uma das 3 cidades do chamado "eixo cafeteiro". Nesta zona montanhosa é produzido o melhor café da Colômbia (e dos melhores do mundo), uma economia que emprega cerca de 2 milhões de colombianos. Estima-se que um número idêntico trabalha no cultivo e produção da coca.

Manizales com cerca de 400.000 habitantes, é uma cidade moderna sofisticada mas com poucos atractivos para o visitante. Nos 11 dias que por ali passei, a parte da cidade que melhor fiquei a conhecer foi a cadeira do consultório do Dr Fernando Rodriguez Gomes. Mas não foi por acaso, nem tão pouco pelo excesso de doces e guloseimas que tenho consumido ao longo da viagem (por necessidade!), ou por ter partido um dente a roer cana de açúcar nas Honduras, meses atrás.

Não, uma visita a um dentista na Colômbia fazia parte dos planos da Panamericana desde o esboço da viagem. Anos atrás, em Londres, a minha então namorada colombiana (e que visito em Manizales) convenceu-me de que se havia duas coisas que os médicos colombianos eram bons, e em cirugias plásticas e reconstrução dentaria.

O Dr Fernando reconhecendo a minha urgência, ou talvez a oportunidade de um trabalho lucrativo, assegura-me que numa semana colocaria uma "dentuça nova". 8 dias depois, e muitas horas na cadeira, o Dr Fernando cumpria a sua promessa com um excelente trabalho que incluíu, entre outras coisas , uma cirurgia às gengivas e 10 novas coroas.

Praca Bolivar em Manizales


Lina,o ciclista, Andres e Andrea


Mariapaz

Por entre visitas ao dentista usufruo da companhia da Andrea, dos seus amigos e da sua adorável filha Mariapaz, aproveito para arranjar a minha maquina fotográfica e dar uns "ajustes" na burra. Trabalho gratuito da loja "especialized" em Manizales -gracias!. De notar que em 4 vezes que levei a burra a uma oficina na Colômbia apenas uma vez tive que pagar pelas reparações!
Aproveito também o tempo livre para fazer uma visita a uma amiga em Medellin.

Medellin

Deixo a bicicleta em casa da Andrea e sigo de "buseta" a Medellin. À minha espera na moderna estação de autocarros estava a Marcela Pimiento. Amiga de tempos londrinos e agora directora de marketing do museu de Antioquia. Um dos melhores museus do país, com uma extensa colecção de arte comtemporânea onde se destacam 2 artistas locais; Fernando Botero e Juan Camilo Uribe, uma espécie de andy warhol colombiano.

Não há muito tempo atrás, Medellin era considerada uma das cidades mais perigosas do mundo. A morte nas mãos dos "sicarios" valia poucos pesos. Rivalidades entres cartéis enchiam as ruas de sangue, e a cidade de Pablo Escobar era um lugar a evitar. Mas todas essas notícias de violência que faziam as páginas dos jornais mundiais, fazem parte do passado.




Actualmente, Medellin é uma das metrópoles da América latina mais seguras, com um excelente sistema de transportes, moderna e sofisticada.
O Flávio e Catalina, amigos da Marcela, convidam-me a um passeio de carro pelo chamado "circuito do oriente", com as suas luxuosas "haciendas" e bonitos "pueblos paisas". Uma zona "play" para os mais afortunados de Medellin com bonitas paisagens e áreas de lazer e segura pela forte presença militar.

Seguimos por uma estrada secundária que sobe as montanhas a leste da cidade. "esta estrada foi em tempos uma das estradas privadas de acesso às terras de Pablo Escobar", contou-me o Flávio continuando: " ali do outro lado da montanha foi o luxuoso rancho-prisão onde Pablo esteve preso antes da fuga".

"A fuga" ficou marcada na história dos narcotráficos colombianos como a maior operação policial realizada no país. Durante 500 dias, cerca de 2000 agentes especiais das forcas policiais colombianas com a ajudas de agentes do FBI, CIA, DEA, assassinos contactados pelos cartéis rivais de Cali, militares colombianos entre outros agentes, formaram uma equipa e buscaram incessantemente um dos traficantes mais ricos do planeta, que -alegadamente - se ofereceu para pagar toda a dívida pública externa do país para poder seguir com os seus negócios ilícitos. Os pormenores da "caça ao homem" podem ser vistos em detalhe no museu da polícia em Bogotá.

Dirigiamo-nos para o que é agora um "condomínio campestre" onde Flávio esta a construir a sua "simples" casa de meio bilião de pesos (170.000 euros) Uma quantia astronómica num país onde 57% da população vive abaixo do limiar da pobreza. Termino a minha visita relâmpago de 24 horas a Medellin com um almoço de tradicional,"Bandeja paisa" , um prato típico da região com sabores que me transportaram à velha Lusitânia: chouriço, morcela de arroz e sangue e longaniça, entre outras iguarias.

Regresso a Manizales.

Nos dias que passei em Manizales conheço a Lina, uma pessoa de coracao grande que por breves momentos me deixou a questionar os planos de viagem.

As criancas especiais

A Lina trabalha como coordenadora para a ONG "Girasol" de Pereira. Uma associação de profissionais de saúde e educação que lida com crianças especiais, jovens e adultos com dificuldades de aprendizagem.
Deixo com eles Cd`s do "pequeno trevo",folhetos e outras pequenas coisas da APPC que viajam nos meus alforges desde o início da viagem.




Aproveito para relembrar que esta viagem não é só minha, mas também das crianças especiais da APPC-Leiria (associação portuguesa de paralisia cerebral) e gostava de agradecer a todos vos que, até ao momento , tem colaborado com a APPC através desta viagem.

Ajude as crianças especiais apoiando-as no seu desenvolvimento e crescimento., com o seu donativo directo para a APPC ou para o fundo online instalado neste site (detalhes na página da caridade)

Aproveito para estender um agradecimento especial à Lynn Pilgrim e a "las Chivas Coffee roasters" nos EUA que para além de estar a patrocinar esta viagem com um generoso donativo para a APPC por cada quilómetro que eu pedale, recentemente lançou uma campanha de angariação de fundos para as crianças especiais da APPC-Leiria na sua cidade natal de Santa Fé, New México, nos Estados Unidos.


O Vale de Cauca

Saio de Manizales tarde. Eram 11.30 da manhã. A Andrea escolta-me de carro ate à saída da cidade. Um downhill acentuado leva-me ao fundo do vale onde me encontro - pela primeira vez na Colômbia - com a estrada Panamericana, a EN25.
Depois de 11 dias parado, e talvez pelas várias garrafas de vinho consumidas em jeito de despedida na noite anterior, com a Andrea, Lina e Andrès, sentia-me débil e sem energias e faço um curto dia de 59 km até Pereira.

Chego , já de noite, e procuro um lugar para passar a noite, dando várias voltas pelo centro da cidade olhando para a entrada de vários hotéis. Todos com escadas. Certo tipo de viajantes procuram certo tipo de hotéis. Ciclistas procuram hotéis sem escadas. Nada mais doloroso depois de um dia duro a pedalar que subir um ou dois pisos (3 está fora de questão) fazendo 2 viagens com os 4 alforges, tenda e saco cama, mais uma viagem para a bicicleta. Depois de várias voltas, encontro o hotel Tucan onde passo a noite.

Os 2 dias que se seguiram através do vale de Cauca, conhecido apenas como "el valle", foram absolutamente planos. O vale (1000 metros de altitude) está "entalado" entre as cordilheiras central e ocidental. É a zona mais fértil na Colômbia onde predomina o cultivo da cana de açúcar. Passo por várias comunidades negras, descendentes dos escravos que trabalhavam no cultivo da cana de açúcar, e que séculos depois ainda se dedicam a esse duro trabalho. Na excelente estrada de 2 vias sou ultrapassado com frequência por "trens cañeros", uma mini-versão colombiana dos "road trains" australianos, ou pela ocasional "chiva", um transporte publico típico colombiano.




Cali

Estava indeciso se deveria entrar ou passar ao lado da cidade de Cali - a terceira maior cidade colombiana com 2.3 milhões de habitantes - pois tinham-me informado que o trânsito estava num absoluto caos devido às construções do novo metro-bus.
Depois do sucesso do Transmilenio de Bogotá, uma rede de transportes de autocarros mascarada como metro, com vias e estações próprias, várias cidades colombianas, incluindo Cali optaram pelo mesmo sistema.

Um comentário no meu guia de viagens ajuda-me a decidir e entro na cidade: " Cali remains sulty 12 months of the year, and that`s why the third largest city in colombia wears less and parties more. In Juancito district you can dance until dawn seven night a week, no questions asked!".

Para além da melhor "rumba" do país, Cali também é conhecida como a capital colombiana de cirurgias plásticas. Bastou-me um passeio pelas "salsatecas" da avenida sexta, para ver o resultado dos médicos cirurgiões. Os seios podem não ser reais, mas são com certeza grandes. Entro numa "salsoteca" e peç o uma Club Colômbia. Por momentos pensei que tinha entrado nalgum concurso da miss universo. Depois de várias club Colômbia, questiono-me se também eu não deveria pedir ajuda ao "Dr lookgood". Depois de quase 25 mil km com o rabo no selim, este já ganhou como que a forma alongada da sela da burra. Mas depois do golpe no orçamento da viagem com os gastos no novo sorriso, decido seguir viagem...

A saída do país

O "el valle" termina em Santander de Quilichao a cerca de 40 km a sul de Cali, e a Panamericana inicia o seu sobe e desce por entre as montanhas das duas cordilheiras que se unem cerca de Popayan. Passo uma noite em Popayan, a cidade branca, com a sua bonita arquitectura colonial e habitantes de descendência andina. Notam-se os primeiros traços da cultura inca na qual viajarei nos próximos meses.





De popayan até à fronteira do Equador a Panamericana "brindou-me" com as paisagens mais bonitas desde as rocky mountains no canada. Um show da natureza, particularmente espectacular entre El Bordo e Ipiales. Uma despedida da Colômbia tão grandiosa como a entrada, num pais tão cheio de contrastares mas ao mesmo tempo uniformizado pela calorosa hospitalidade do povo colombiano. Muitos momentos e historias ficaram por contar e pela primeira vez na viagem sinto-me sem vontade de atravessar uma fronteira..


Nos 3145 km pedalados no país em quase 3 meses de viagem, a Colômbia transformou-se num dos países favoritos da Panamericana. Amanhã entro no Equador e sigo a minha ciclo-deambulação pelo continente, levando comigo uma certeza: A este país quero regressar.
Como diria qualquer colombiano orgulhoso do seu país, usando uma expressão popular ouvida constantemente por todo o lado: "Aqui estamos....À la orden!"

Nuno Brilhante
Em Ipiales, Colombia