8.31.2008

"Into the wild" parte III. El Valle de las Rocas (Bolivia)

DO DIA 18 AO DIA 28, UYUNI.

Por entre dias solarengos à conversa com o Antonio Queirós nas esplanadas da praça principal, noites gélidas no quarto do Hotel Avenida cuja canalização congelada deixava fios de gelo pendurados nas torneiras, ou entretidos em passeios pelo cemitério de comboios ou mercados da cidade, o tempo foi passando sem que nos déssemos conta. Estivemos 10 dias nesta cidade campesina, fria e desolada do altiplano boliviano, talvez porque os nossos corpos estivessem a implorar por descanso, ou talvez pelas incertezas dos dias que se anteviam para a próxima etapa.
Visitem o site do Antonio que viaja pelo continente americano por tempo ou destino indeterminado: Aqui.

Aqui passamos a noite de São João na companhia de novos amigos, celebrações cujas semelhanças com o nosso São João se limitam ás fogueiras de rua. Passamos uma noite animada mantendo o corpo e os ânimos quentes na noite fria que se sentia com uns shots de “singani”, aguardente local.


Aqui no altiplano o São João assinala a noite mais fria do ano, as temperaturas durante a noite podem atingir os 30 graus negativos. Era-me difícil imaginar que esta cidade em tempos passados foi um local prospero cheio de vida e com uma grande população de aventureiros internacionais e caçadores de fortunas em busca de minerais, uma época bem retratada no filme boliviano “Los Andes no creen em Dios”.

Apesar das ganâncias humanas não terem esgotado os subsolos da região, estes são agora explorados por multinacionais estrangeiras e a população de Uyuni virou-se para uma nova riqueza: o turismo. Dezenas de agencias de turismo oferecem os mais diversos pacotes de aventura através de passeios na maior e mais alta salina do planeta ou pelas lagoas vermelhas povoadas por flamingos raros do vasto e desolado sudoeste do altiplano Boliviano, uma região que iríamos explorar na nossa próxima etapa.
Estava na altura de partir, novas aventuras e dificuldades nos aguardavam.

DIA 29
De Uyuni a (antes de) Ramaditas.
48.8km
Altitude máxima 3695m
Altitude de acampamento 3675m




Finalmente de novo “on the road”!
A estrada entre Uyuni e San Cristobal esta em surpreendentemente boas condições e é completamente plana e sem trafego. A paisagem é muito monótona e desinteressante. Acampamos na pampa ventosa onde passamos uma noite muito fria com 15 graus negativos registados.

DIA 30
De (antes de) Ramaditas até San Cristobal.
48.3km
Altitude máxima 3821m
Altitude de acampamento 3790m


Hoje de manhã estava tanto frio que não conseguimos sair antes das 11.30 horas. Mais um dia monótono e desinteressante. Começo a questionar se vale a pena esta etapa com tanto frio, a pedalar e, provavelmente empurrar, por mais estradas arenosas. Chegamos á aldeia de San Cristobal, decidimos não acampar e procurar um hotel. San Cristobal é uma aldeia que foi trasladada do seu local original para dar lugar a uma mina de prata e zinco, da qual quase toda a população subsiste. A estrada ao chegar á aldeia estava em tão boas condições que quase que parecia alcatroada, mais um dos vários projectos que a empresa canadiana que explora a mina fez na região.



DIA 31
De San Cristobal até Villa Alota.
60.5km
Altitude máxima 3895m
Altitude de acampamento 3840m


Tomamos o pequeno almoço de sandes de mortadela e café no mercado municipal e seguimos caminho. 15 km depois chegamos á aldeia de Kulpina K, uma das quatro aldeias na região escolhidas e intituladas pela mineira Canadense San Cristobal como “pueblos autênticos”. Esta empresa investiu em projectos de turismo rural sustentado com o objectivo de criar estruturas economicas paras as povoações quando a mineira deixar de funcionar dentro de 17 anos e como forma de compensar a população local pela presença da mina. Sem duvida um projecto bastante interessante e único na Bolívia, pais que sempre teve forte tradição mineira e nem sempre explorada da melhor forma. Na altura colonial as minas bolivianas eram o principal alimento da coroa espanhola e isso ás custas de milhares de vidas perdidas dentro de minas precárias.

Aldeia de Kulpina K

Na pequena praça da aldeia falamos com um jovem que nos conta um pouco acerca da maior mina de prata e zinco da America do Sul e do maior projecto mineiro da Bolívia das ultimas décadas. Quando começaram as obras a mina dava trabalho a 6 mil pessoas, agora existem cerca de 1500 trabalhadores. “Os Canadianos trouxeram muitas maquinas modernas e já não necessitam de tanta mão de obra”, contou-nos. A maquinaria pesada revolve 100 mil toneladas de terra todos os dias, o José trabalha com uma delas durante 16 dias consecutivos, seguidos por uma semana de folga.

Á saída de Kulpina K uma subida curta mas acentuada leva-nos a outro vale desolado. Pedalamos toda a tarde nesta pampa ventosa chegando a Villa Alota ao entardecer. Mais um dia de paisagens monótonas com vento de frente que não nos deixava avançar a bom ritmo, mas mesmo assim em 3 dias tínhamos feito 150 km, algo inesperado nesta parte do altiplano onde esperávamos encontrar das piores estradas da etapa. A paisagem monótona deixava muito a desejar e mais uma vez questiono se valia a pena esta rota recomendada por outros viajantes.
Hoje decidimos alterar a rota e subir o vulcão Uturunco primeiro e seguir depois para a Laguna Colorada.

Villa Alota

DIA 32
DE Villa Alota ao Valle de las Rocas.
22.7km
Altitude máxima 4117m
Altitude de acampamento 4076m


Bom, parece que depois de 3 dias de monotonia, o sudoeste do altiplano boliviano começou a revelar a sua beleza. A 2.6 km de Vila Alota um sinal velho e gasto pelo tempo assinalava a estrada que nos levaria a Quentena Chico. Terminavam aqui as estradas mantidas pela mineira San Cristobal e começavam, mais uma vez, as nossas estradas “pesadelo”. Depois de uma inicial encruzilhada de caminhos e rios a estrada começa a subir a um planalto acima dos 4000m e entramos no Valle de las Rocas. Pedalávamos directamente para sul e o vento forte de noroeste ajudava as pedaladas, mas o progresso foi lento devido á areia e lavadouros na estrada.






Acampamos numa “floresta” de rochas com formações fantásticas criadas pela erosão do vento que as golpeia incessantemente. Procuramos um lugar abrigado do forte vento (que nos iria acompanhar ao longo das próximas semanas) montamos acampamento e cozinhamos ao lume. Mais uma noite muito fria de 17 graus negativos.



DIA 33
Do Valle de las Rocas a Villa Mar.
31.1km
Altitude máxima 4083m
Altitude de acampamento 3998m


Rodeados por esta paisagem fantástica e pouco comum, tivemos um amanhecer mais preguiçoso do habitual. Foi sem duvida um dos lugares mais bonitos onde havíamos acampado.





Mas não andavamos sós por estas bandas. Dezenas de jipes com turistas percorrem esta parte do altiplano e, para alem de levantarem uma enorme poeira com a sua passagem retiram de certa forma a magia de pedalar por esta parte tão inóspita do planeta. Cozinhamos o pequeno almoço ao lume e saímos do acampamento ao meio dia, com a chegada do primeiro jipe.


Pedalamos apenas 4 km e aproximamo-nos de uma enorme formação rochosa que se estende por toda a encosta Oeste do vale. Deixamos as burras e fomos dar um passeio de um par de horas. As formações rochosas trouxeram-me à memória Wadi Rum na Jordânia pela sua similaridade.

Chegamos a Villa Mar ao final da tarde, um Oasis humano no meio desta vasta paisagem selvagem. Uma pequena aldeia, com 900 habitantes de etnia quéchua, construída em blocos de cimento por pintar, atravessada por um pequeno rio congelado e protegida dos ventos do altiplano por uma parede natural de rocha, parte das formações rochosas que temos vindo a observar desde Villa Alota.
Alojamo-nos numa pequena e rústica hospedagem onde estava também alojado um tour cujo guia nos deu informação valiosa em relação á nossa rota.
Chegada a Villa Mar

Por do sol em Vila Mar


Algo que nos intrigou nesta pequena comunidade Andina era a origem do seu nome Villa Mar. Estávamos rodeados por desertos de rocha vulcânica e pampa arenosa a 4000m de altitude e a centenas de quilômetros da costa. Originalmente chamada de Mallku, o nome de Villa Mar provem da perda do litoral Boliviano na guerra do pacifico com o Chile e Peru que afectou os sentimentos da comunidade e que lhe mudaram o nome em honra do mar perdido. Esse sentimento ainda esta bem vivo e presente nos dias de hoje.

DIA 34
De Villa Mar a algures na pampa
33.8km
Altitude máxima 4129m
Altitude de acampamento 4044m


A simpática dona da hospedagem desenha na areia do pátio a nossa prevista rota até Quentena Chico. No seu desenho havia um desvio e uma ponte, mas como viemos a saber (alias, já estamos habituados) havia uma ponte e, não um, mas vários desvios! Seguir sempre o caminho mais demarcado pelas rodadas dos carros é algo que já aprendemos nas nossas pedaladas pelo altiplano, isso tornou-se na nossa regra numero um de orientação. No altiplano grande parte dos caminhos não são obras publicas senão caminhos construídos pelas sucessivas rodadas dos carros de quem sabe, de quem conhece. Mapas são praticamente inúteis.

Pouco depois, a ponte desenhada na areia pela senhora aparece diante dos nossos olhos, a paisagem agora é fabulosa e não há tours! A estrada aproxima-se do cerro Zoniquera com o seu pico rochoso e sem neve de 6000m e começa o sobe e desce por um caminho sinuoso e arenoso. Procuramos abrigo do forte vento por detrás de umas rochas e montamos acampamento.


Depois do jantar observamos os mapas e consideramos pela primeira vez sair da Bolívia e do altiplano pela laguna verde e entrar no Chile por San Pedro de Atacama. Estávamos a ficar fartos destas estradas horríveis, ventos frios e ansiosos por uma alimentação mais adequada... E vinho chileno!
Depois de San Pedro seguiríamos para a Argentina através do Paso de Jama, quebrada de Humahuaca e regressaríamos á Bolívia por Villazon. Um loop com 600 km mais do que inicialmente planeado, mas por estradas alcatroadas!
Acampamento de hoje:

DIA 35
De algures ás margens do rio Lipez Grande
32.1km
Altitude máxima 4393m
Altitude de acampamento 4170m


Mais uma noite fria com o termómetro a descer aos 12 graus negativos. Depois das desastrosas estradas são as noites que eu mais temo. Assim que o sol se poe no horizonte iniciamos outra viagem. A viagem ás noites geladas do altiplano boliviano onde somos obrigados a cozinhar dentro da tenda e tomar refugio dentro dos sacos de cama instantes depois de comer. O simples acto de fazer as necessidades fisiológicas é um verdadeiro sacrifício. Como consolo os fantásticos céus estrelados e a companhia da Joana. Teria sido muito difícil enfrentar a dureza do altiplano sozinho.

Continuamos viagem por um caminho sinuoso e bastante arenoso que com a subida a um cole de 4393 metros se foi tornado num caminho pedregoso. No topo do cole a recompensa: vistas do vulcão Uturunco em grande plano.

No downhill um pequeno riacho semi-congelado para atravessar. Mais um, das dezenas de rios que atravessamos nas ultimas semanas, pontes são uma raridade. A Joana atravessa primeiro e num lapso de desequilíbrio, fica com a bicicleta pendurada nas mãos quase a cair na água. Numa reacção espontânea , saio da minha bicicleta para a tentar ajudar, mas desiquilibro-me e caio deixando cair também a minha bicicleta no chão. A queda foi tal que arranhei o peito, as mãos (um dedo inchou de imediato tipo ET), e o queixo bateu com toda a forca no solo rochoso. O que inicialmente aparentava ser apenas uns arranhoes revelou ser um pouco mais grave. Seguimos viagem.
A Joana diz-me que tenho sangue a escorrer pela barba.

Paramos para o nosso almoço volante (apenas bolachas de água e sal com doce, não tínhamos fome porque passamos todo o caminho a mascar coca). A Joana desinfecta as feridas e diz-me que tenho o queixo aberto até ao osso. Provavelmente terei que levar pontos, mas onde? O próximo hospital deve ser em Uyuni ou Potosi, a vários dias de viagem, ou então em San Pedro de Atacama no Chile, provavelmente também a vários dias de viagem. Sigo de queixo aberto, mas desinfectado, em Quetena Chico reavaliaria a situação.

O downhill levou-nos a outro vale e aos 4200 metros de altitude. Neste vale estreito situa-se o “sol de La manana”, a entrada para o parque natural Eduardo Avaroa”, onde pagamos 30 bolivianos de entrada cada um. O guarda do parque indica-nos que há um medico em Quentena Chico mas que ainda são 2 horas de viagem. Tínhamos apenas 1.30 horas de luz e o caminho piora bastante.


O nosso progresso é muito lento, sentia-mo-nos fracos por não ter almoçado. Mais uma forte e tortuosa subida e chegamos a outro vale e mais um rio para atravessar. O sol já se tinha posto por detrás das montanhas e começava a escurecer. Momentos de decisão, atravessar as águas geladas e continuar de noite, ou acampar?

Não sabíamos a distancia que nos separava de Quentena Chico e continuar pela noite dentro com os pés gelados poderia ter consequências que comprometer iam a nossa ascensão ao vulcão Uturunco. Afinal de contas era para subir a estrada mais alta do mundo que viajávamos há vários dias por estas estradas desastrosas. Decidimos acampar. Apesar de ter o corpo dorido, este não me doía, talvez fosse devido ao frio, talvez fosse devido ao cansaço, talvez os dois - não sei, mas adormeço num sono profundo.

DIA 36
Das margens do rio Lipez Grande a Quentena Chico
5.7km
Altitude máxima 4170m
Altitude de acampamento 4150m


Sabíamos que tínhamos pela frente um dia curto de ciclismo e para aproveitar a altura mais quente do dia para atravessar o rio, ficamos no acampamento até tarde a absorver a beleza da paisagem que nos rodeava. Estava um dia lindo, cheio de sol, sem vento e o silencio era absoluto. Já eram 3 da tarde quando atravessamos o rio e pedalamos os restantes 5 km até Quentena Chico.




Quentena Chico foi uma enorme decepção. Esperávamos que fosse pelo menos do tamanho de Villa Mar uma vez que era a aldeia mais importante nesta parte do sudoeste do altiplano, mas deparamo-nos com um pequeno aglomerado de casas de adobe abrigadas por uma montanha com uma pequena e poeirenta praça, uma escola, um campo militar e varias lojas de prateleiras quase vazias.

A única loja que parecia estar mais recheada estava fechada, a dona estava em Potosi. O único medico da aldeia também tinha viajado a essa cidade mineira. Alojamo-nos na simples hospedagem Condor cuja simpática dona nos informa que em dois dias chega uma “flota” que vem de Uyuni e que vende vegetais, fruta e outras mercearias. A flota é o único autocarro semanal que passa pela aldeia e que alem de transportar passageiros é também o mercado ambulante desta desolada região e a única forma que a população tem para comprar vegetais frescos - as áridas terras do sudoeste do altiplano não são férteis para o cultivo. Sem comida para continuar, não temos alternativa senão esperar 2 dias pela dita “flota”.

A Joana corta-me um pouco a barba e desinfecta-me o queixo mais uma vez. Viajar no altiplano boliviano em bicicleta é de facto uma experiência maravilhosa, mas se as coisas correm mal não há muito onde ou a quem recorrer. As hostilidades dos elementos são algo que não devem ser subestimados. Mas não me senti muito preocupado, no máximo ficarei com uma cicatriz que me irá recordar para toda a vida esta etapa de ciclo-turismo de adrenalina pura.

No próximo e ultimo blogue desta árdua etapa de 47 dias sem ver alcatrão e a pedalar em altitudes que variaram entre os 3600m e os 5800m entramos numa zona ainda mais inóspita cuja desolação da paisagem faz lembrar o planeta Marte. Será que conseguimos “conquistar” o Uturunco com as nossas burras carregadas? Será que conseguimos terminar esta etapa sem maiores percalços? Já ficarão a saber nos relatos da próxima cronica.

Vulcao Uturunco(6020m). Notem a estrada no "cone" do vulcao. Essa estrada sobe aos 5800m e sera o grande desafio da proxima etapa.


Nuno Brilhante Pedrosa

1 comment:

Anonymous said...

Abraços de Portugal. Não será difícil um dia voltar à viver aqui em Portugal? Ter um dia normal de ir para o trabalho e ao fim do dia voltar para casa, jantar e ir para a net ou ver uma série no canal 2?

Abraços da Marinha Grande,

João