7.01.2007

Lago Atitlan e Antigua (Guatemala)

Dia 334
Km 18392


são Pedro è um daqueles lugares que uma pessoa visita e não apetece partir. Uma pequena aldeia de pequenas casas construídas na encosta de um monte com vista para o lago de Atitlan com os vulcões a reflectir nas suas águas cor de platina. Pescadores lançam as suas redes desde pequenas barcas, e bem alto nas encostas dos vulcões pode se observar as figuras minúsculas de agricultores a plantar milho em campos de cultivo de ângulos impossíveis.
Depois de adiar a minha partida varias vezes, ao sexto dia fiz-me de novo à estrada. Pensei que ao apanhar um barco para Santiago de Atitlan, no outro lado do lago - evitando os 18 km de estrada que circundavam o vulcão de Atitlan e que me foram desaconselhados a fazer por ser considerado uma das "zonas rojas" do mapa de segurança publica do pais - talvez conseguisse chegar a Antigua no mesmo dia, a cerca de 100 km dali. Mas não tomei em conta que estava no fundo da caldeira vulcânica que forma o lago de Atitlan, e que para sair dela teria que subir. E não era pouco. Em apenas 32 km acumulei um desnível em altitude de 1050 metros. Foi uma subida dura, mas as vistas do lago e vulcões circundantes, ofereciam-me uma desculpa para parar cada quilometro para recuperar o folgo. Tinha feio apenas 35 km quando cheguei a pequena aldeia de Godinez e começou a chover. estava exausto. Alojei-me na única hospedagem da aldeia , que por estar ainda em construção, obtive um excelente desconto para passar a noite num quarto tipo cela de cimento sem janelas, e cujo urinol era apenas um buraco no cimento à espera de uma eventual sanita, num compartimento ao fundo do corredor numa secção da casa ainda à espera de um tecto. Mas não me queixei. as fortes chuvadas não penetravam quarto adentro e a cama era confortável, alem de que a lucy,dona da hospedagem, preparou-me um delicioso e reconfortante "caldo de rez", sopa de vaca.

No dia seguinte fiz um atalho por uma estrada secundaria que ligava Godinez a Chimaltenango e à CA1 (pan-Americana na Guatemala) evitando ter que pedalar para norte (e para cima) até ao cruzamento de Los Encontros. tinha sido avisado pelos donos da "semi-hospedagem" que essa rota era um pouco perigosa pela quantidade de bandidos na região, mas o único que encontrei foi um jovem rapaz junto à estrada no mercado de Potzun , que me vendeu um sumo de laranja por 12 quetzais em vez dos habituais 5 ou 6. Ao final da tarde, depois de um "Downhill", acentuado, cheguei à cidade de Antigua Guatemala.
Procurei a praça principal, como já è habitual cada vez que chego a um novo lugar, para obter uma ideia do centro da mesma e obter alojamento central. A cidade tinha uma atmosfera um pouco diferente do que eu estava habituado nas minhas ultimas duas semanas a pedalar por território indígena nas altas montanhas do México e norte de Guatemala. As ruas estavam cheias de turistas maravilhados com o charme colonial da cidade e pareciam observar-me montado na bicicleta como se eu fizesse parte de algum mercado de artesanato ambulante. O único que não estava maravilhado era eu, que tive que pedalar por entre as pedras da calcada aos solavancos à espera do momento em que um raio da roda se partisse. Depois de vários quarteirões aos solavancos, encostei a "burra" junto ao hotel Guatemala.

Antigua situa-se no vale de Panchoy perto da base de 3 vulcões. O vulcão Agua, vulcão Fuego e vulcão Acatenango que adicionam um inquestionável charme à pitoresca cidade colonial. O centro do colonialismo espanhol durante 230 anos. Tem que ser dito que os espanhóis não foram muito afortunados com a escolha da sua capital, pois foi rara a década que a cidade não foi afectada por um tremor de terra, por uma erupção vulcânica, ou por ambos.
De certa forma Antigua è a cidade de Praga da América central. Escapou ao desenvolvimento urbano característico de outras cidades guatemaltecas e ressurgiu dos escombros de terramotos e erupções como a jóia do passado. Tal como Praga. esta cheia de turistas sentados em pátios pitorescos a saborear um capuchinho ou à procura da peca de artesanato perfeita. Alguns divagam pelas ruas de calcada romana onde parece haver a cada esquina uma igreja. Os picos dos vulcões estão sempre em vista assim como as pequenas torres cilíndricas sobre os telhados de velha telha ibérica.
Outros tiram fotos a locais ao mesmo tempo que os seus sapatos são engraxados por algum garoto indígena de 6 ou 7 anos, na praça principal da cidade. Uma bonita praça arborizada e rodeada de edifícios coloniais antigos pintados em cor pastel ou alaranjado e com um "característico" fontanário no seu centro feito com varias estátuas de mulheres nuas a apertar os seios com as mãos e a jorrar agua pelos mamilos - tento imaginar as discussões dos dirigentes camarários quando decidiram fazer tal coisa.

O parque è também um habitat para mulheres maias vestidas com coloridas vestes a vender artesanato aos turistas. Trabalham em grupos de 3 ou 4. Avistam um turista sentado num banco do jardim, dão-lhe algum tempo para relaxar , para depois o atreparem rodeando-o com T-shirts, toalhas de mesa, esculturas de madeira, bordados etc. Os garotos engraxadores de sapatos, sabendo que a sua vitima esta atrepada num monte de "recuerdos", aproveitam a oportunidade para demonstrar as suas habilidades polidoras. Eventualmente o turista abandona a praça de sapato engraxado e com uma camisa Maia que jamais irá vestir, e o garoto polidor de sapatos contente por ter ganho com um único turista o equivalente a engraxar 20 pares de sapatos guatemaltecos.
Apesar do ambiente demasiado turístico a cidade ao deixa de ter o seu charme e fiquei vários dias a relaxar. Tinha combinado com o Jeff que esperava por ele ali, para depois seguir-mos juntos para El Salvador. O Jeff è do Canada e outro ciclista nómada a divagar pelas estradas do continente americano. Curiosamente o Jeff saiu de Inuvik no árctico canadense - o local de partida desta minha aventura - 2 dias depois de mim. Durante vários meses pedalamos por itinerários diferentes. As casualidades do destino juntaram as nossas rotas 5 meses depois na baía de las Angeles, norte do México, por altura do ano novo. Desde então que mantivemos contacto.

6 meses, 8000 km e 3 países depois do nosso breve encontro em Baja Califórnia, os nossos destinos voltaram a encontrar-se na Guatemala. Mas por maior coincidência que pareça, viajar por tempo indeterminado fora dos habituais pacotes turísticos de 2 semanas este tipo de situações não sao incumuns. Recordo-me por exemplo, entre outras situações nesta viagem, do Iarum e do david, dois Israelitas que conheci na Playa del carmen no México e voltei encontrar nas ruas de Trinidad em cuba tempos depois. Divagamos todos de sitio em sitio em busca do mesmo...

Celebramos o reencontro com uma garrafa de "Venado especial", aguardente de cana de açúcar, e com uma longa conversa onde exausta-mos as nossas historias de ciclo- deambulação pelas estradas do continente, sentados no terraço da pousada El Pasaje. Dias depois fizemos-se à estrada rumo a El Salvador.
Depois de muitas semanas solitárias era bom estar a pedalar de novo em companhia. 3 dias depois estávamos às portas do sétimo pais desta aventura pela estrada pan- americana: El Salvador.


Nuno Brilhante Pedrosa
Em Santa Ana, El Salvador.

PS Podem acompanhar quase diariamente as minhas pedaladas durante as próximas semanas através do web site do jeff

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