12.26.2008

Pantanal e a serra de bodoquena (Brasil)


São apenas 20 os quilómetros que separam a cidade fronteiriça de Puerto Suarez na Bolívia e Corumbá no Brasil mas as diferenças separam-nas a anos luz, em particular para os nossos olhos, habituados à singeleza e inércia tropical das aldeias remotas do oriente boliviano, Corumbá parecia-nos uma cidade moderna ordenada e próspera. No entanto alguns edifícios coloniais em estado de decadência testemunhavam os tempos em que a cidade era um importante porto comercial no rio Paraguai.

Alojámo-nos num desses edifícios, o Hotel Angola, cuja simpática e faladora dona nos conta que pertenceu a um senhor de "lá de Portugal de África". Ficamos um pouco à conversa. Tínhamos deixado o mundo hispânico para trás e pela primeira vez na viagem podíamos falar sem barreiras idiomáticas, contudo, não podia deixar de me sentir um pouco estúpido a tentar imitar a suave cadencia melódica do brasileiro.

Passamos um dia em Corumbá a absorver os novos ritmos do país e a ajustar a nossa fonética. E um dia de descanso numa cidade topical, começa com um avantajado café da manhã seguido por um passeio pelas ruas da cidade até ao meio dia quando o calor sufocante obrigava a uma paragem para almoço seguida pela sesta sagrada, debaixo do ventilador, é claro. Quando o sol deixa de ser uma verdadeira ameaça, esta na hora do 5 duche de água fria do dia e o regresso à actividade: um passeio junto ao porto da cidade para ver o pôr do sol e uma(s) cerveja Brahma num dos bares junto ao cais.

No dia seguinte partimos com direcção à Estrada Parque, para conhecer um pouco da "jóia da coroa" ecológica Brasileira, o Pantanal. O Brasil nunca tinha figurado nos nossos planos de viagem. É um pais demasiado grande e com uma misogenia social e paisagística tão ampla que implicaria uma viagem por si só, além de que estava muito longe da Cordilheira Andina. As várias historias que íamos ouvindo ao longo dos meses através de relatos de outros viajantes fizeram-nos mudar de ideias. E ainda bem que o fizemos.



A Estrada Parque é um caminho de saibro e barro vermelho que atravessa uma pequena parte do pantanal no estado do Mato Grosso do Sul. Começa a cerca de 15 quilómetros de Corumbá e termina 140 quilómetros depois em Buraco das Piranhas. Durante o seu percurso atravessa dezenas de pontes de madeira sobre os vazantes dos rios Areião e Paraguai, parte do vasto delta do pantanal. Levamos 3 dias a pedalar esses 140 km, não porque o caminho fosse mau (também não era muito bom) mas porque as razões para parar eram muitas. É simplesmente incrível a quantidade de animais que se podem observar ao longo do percurso, desde jacarés (estima-se que haja entre 10 a 30 milhões desses bichos no pantanal), capivaras, veados, macacos, papas-formigas. Mas o que mais chama a atenção é a passarada, uma amálgama infinita de tamanhos, cores, formas de voar, ninhos e chilreadas, que nos obrigavam a desmontar inúmeras vezes e observá-los por longos momentos. Entre muitos o emblemático pássaro do pantanal com mais de um metro de altura, o jabiru.














Estávamos no inicio de Outubro e as primeiras chuvas da temporada já se começavam a sentir e em breve esta estrada iria estar intransitável durante vários meses. Ao final da tarde chegamos a Curva do Leque, um aglomerado de 5 ou 6 casas e um restaurante, aproximava-se uma tempestade mas decidimos continuar. O caminho agora era arenoso e com algum barro, mas dava para pedalar. Poucos quilómetros depois começam a cair as primeiras gotas, tínhamos que montar acampamento com rapidez, mas o único local seco que havia sem termos que partilhar o espaço com uma família de jacarés ou capivaras era na própria estrada. A Joana parecia preocupada com a ideia de ter as rodas dos carros a passar a pouco mais de um metro da sua cabeça e junta umas ramas de árvores em redor da tenda para servir de protecção. Mais tarde quando a chuva e relâmpagos se intensificaram, o tráfego era o menos das nossas preocupações. Apesar de eu não o ter admitido na altura (para não preocupar ainda mais a Joana), essa noite assisti ao que foi provavelmente a maior tempestade eléctrica que jamais alguma vez vi dentro da minha tenda. A proximidade dos relâmpagos e o seu som em stereo eram assustadores.

Na manhã seguinte, depois de uma noite quase sem pregar olho, seguimos viagem por um caminho bastante enlameado que nos obrigava a empurrar as bicicletas por pequenos troços. Em poucas horas o sol forte e o calor inclemente secaram a estrada e pudemos seguir sem grandes dificuldades.


O calor acompanhou-nos durante as 3 semanas que pedalámos no Brasil e fazia-nos transpirar como rios em época de chuvas. Mas pior que o suor era o fastio de beber água a 30 graus, que apesar de evitar a desidratação não retirava a sede, essa água maldita com sabor a sopa insípida!

O Brasil foi o pais das sestas na rede...

Qualquer sitio era um bom sitio



De volta ao alcatrão continuamos viagem rumo a Miranda, mais uma cidade Brasileira relativamente limpa moderna e organizada. A ausência de lixo nas ruas das cidades e estradas do Brasil foi algo que me impressionou bastante, pelo menos comparado com outros países em vias de desenvolvimento na América Latina como o México e Argentina onde o lixo é simplesmente deitado janela fora e os desperdícios do consumismo são parte da paisagem urbana e rural. No Brasil (ou pelo menos em Mato grosso do Sul), parece haver um pouco mais de civismo e preocupação pela preservação da natureza. Sim, o Amazonas, eu sei, mas isso é tema para outro blogue, de uma outra viagem!


Miranda marcou a mudança de cenário na nossa curta viagem de 735 km pelo Brasil. Deixámos para trás a zona do pantanal e começamos lentamente a entrar na Serra de Bodoquena onde iríamos pedalar nos próximos dias. Esta zona é território de peões de boiadero a conduzir as boiadas, ou manadas de bois, pelas vastas pastagens. O solo é de um vermelho ocre, o céu enorme, a paisagem ondulante que nesta altura do ano está coberta por um vívido manto de verde onde milhares de ninhos de térmitas, construídos na terra brotam do solo como feridas da natureza.



Os solos calcários da Serra de Bodoquena com as suas inúmeras grutas, lagos e nascentes subterrâneas alimentam e filtram as águas dos vários rios que descem as serranias deixando-os livres de sedimentos e com a água cristalina. A inquestionável beleza natural desses lugares (infelizmente quase todos dentro das terras dos fazendeiros que cobram bem caro para visitá-los) tornou a região num dos principais destinos de eco-turismo do Brasil, sendo a cidade de Bonito a base para exploração desses atractivos naturais.

Montámos acampamento num parque de campismo junto ao Rio Formoso a 8 km da cidade de Bonito e aí passámos uma semana a descansar. Os elevados preços a pagar para visitar esses ditos lugares eco-turísticos dissiparam o já escasso desejo em fazer qualquer tipo de excursão organizada, e dedicamos uma semana a fazer os que cicloturistas mais gostam de fazer quando não estão na estrada: comer e descansar as pernas!
Espetada na espia...nova especialidade dos ciclituristas..
O descanso em Bonito servio tambem para algumas revisoes nas burras...
Este pneu trocado em Bonito, ja rodava pelas estrdas do continente ha quase 20.ooo km, desde o Yucatan no Mexico.
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Durante a viagem ja tinha `passado por situacoes bastante cariatas com a minha tenda, desde levantar voo com a aterragem forcada de um helicopetro, tarantulas e ate mesmo ser alvo da ira de uma vaca com diareia, mas esta nunca me tinha acontecedo: esta cadela deu a luz 6 cachorinhos dentro da tenda enquanto dormiamos!


Outubro é época baixa em Bonito o que significou que tivemos o parque de campismo quase só para nós, e que implicou ter para nosso quase exclusivo uso um dos lugares mais bonitos de toda a travessia do Brasil: uma da cascátas do Rio Formoso adjacente ao campismo e o paradisíaco Poço da Sucuri, uma piscina natural com um tronco de uma arvore caída a servir como trampolim onde passamos horas a mergulhar nas águas cristalinas do rio.

Buraco da Sucuri...




Facilmente teríamos passado mais uma ou duas semanas naquele lugar, mas tínhamos que seguir viagem. Planeávamos 4 semanas para chegar às Cataratas de Iguaçu, mas pelo caminho queríamos conhecer um pouco mais de um outro pais: o Paraguai.

Depois de 4 dias de ciclismo desinteressante passando por Bela Vista e Antonio João chegávamos finalmente à cidade fronteiriça de Ponta Porã, e à cidade gémea de San Juan Caballero no lado Paraguaio.
Tem mesmo que colocar sinais a indicar comunidades indigenas? Porque???

As duas cidades estão juntas, separadas apenas pela avenida internacional, e as pessoas circulam livremente entre as duas cidades sem qualquer tipo de controle. Um contexto que apesar de não ser único a nível de fronteiras, não deixa de ser peculiar. Procuramos a emigração brasileira situada no edifício da policia federal e entramos no Paraguai, cuja decadência evidente fez lembrar que o Brasil já há muito que ganhou aos seus adversários latino-americanos a corrida do desenvolvimento. Tivemos alguma dificuldade em encontrar a emigração paraguaia situada num velho edifico junto ao terminal de autocarros, mas as formalidades foram rápidas e eficientes e poucos minutos depois saiamos com um visto gratuito de 3 meses.

Depois das árduas etapas de ciclismo na Bolívia, o Brasil foi um pouco como se estivéssemos a fazer cicloturismo de lazer, o que eu prefiro chamar de passeio no parque. O calor forte e as largas distâncias entre pontos de interesse acrescidos aos elevados preços provocados por um Real (moeda brasileira) muito forte, foram dos pouco factores negativos da nossa visita. Por outro lado a surpreendente sensação de segurança e honestidade das pessoas que encontramos nas zonas rurais, a melhor comida da região sempre acompanhada por um excelente serviço profissional, a natural simpatia dos brasileiros, e a inquestionável beleza do Pantanal, deixou-nos com a sensação que a nossa passagem pelo país fora muito curta e deixou um forte desejo de um dia regressar.

Por do sol na estrada parque..

Nuno Brilhante Pedrosa

3 comments:

Michel Schanuel Girardi said...

Impressionante! Admiro a coragem de se aventurar pedalando por essas terras.
Belas fotos, parabéns.

Robson Jaborá/SC said...

Excelente viagem, parabéns!

Anima! said...

Olá Nuno! Não sei o quanto você entende o português falado/escrito no Brasil mas para a gente, você é o cara!
Que incrível! Estamos fazendo as Américas de carro, estava atrás de informações sobre a Guatemala e cai no seu blog...
Parabéns pelo feito!
Caso queira, visite nosso blog/site
www.projetoanima.com
Um abraço, Marina e Mauro