Dia 80
Km 5544
O Yellowstone national park, foi o primeiro parque a ser estabelecido no mundo em 1872, e provavelmente uma das grandes contribuições dos americanos para a cultura mundial; a criação do conceito de parque nacional. Eles existem agora em praticamente todos os países do mundo, e protegem ecossistemas, que de outra forma seriam destruídos pelo maior predador do mundo animal: o próprio homem.
Yellwstone divide-se em 4 partes distintas. As zonas termais do noroeste (mamoth hot springs), a zona remota e montanhosa do nordeste (rosevelt), o lago alpino de yellowstone a sudeste e a zona das "gyesers" a sudoeste.
As 4 zonas estão ligadas por uma estrada de cerca de 300 km numa forma de 8.
As facilidades do parque já estavam praticamente todas fechadas, o que me obrigou a carregar alimentos para vários dias. Nos primeiros 2 dias ainda apanhai o final de uma alta pressão, com bastante sol. Mas foi sol de pouca dura.
O parque, e todo ele acima dos 2300 metros e com desníveis acentuados. Registrei a maior altitude ate ao momento (2583 metros), e nem tão pouco foi um passe, mas sim numa das elevacoes da estrada, ao bordear a grand caldera, uma das maiores crateras do planeta.
Já ia na estrada para sul, com Direcção ao adjacente parque nacional grand teton, conhecido pelas gigantescas montanhas vulcânicas, quando vejo pelo meu novo retrovisor da bicicleta, as nuvens escuras e pesadas a norte, no horizonte. Estava a 160 km de Jackson Hole, a ate la todos os parques de campismo, restaurante e resorts já estavam fechados.
Numa situação normal, não me preocuparia em arranjar 10 metros quadrados para montar a minha casa, mas viajava em alta montanha, onde sei por experiência, que o tempo pode se tornar bastante adverso em espaço de minutos. Decidi pedalar ate ao parque de campismo de Bridge Bay, que apesar de fechado, me oferecia abrigo para cozinhar e talvez ate fazer uma fogueira. Assim que anoiteceu, a escuridão era total.
Montei a tenda e encontrei uma das casas de duches aberta que usei como cozinha. Estavam 4 graus negativos e a escuridão era absoluta. Depois de jantar enfiei-me no meu saco de cama, e liguei o meu fogão a gasolina para servir de aquecimento central, como já tinha feito noutras situações.
Comecei a escrever no meu diário mas estava demasiado frio, desfolhei as paginas, e a minha atenção focou-se no que tinha escrito há mais de um a semana atrás:
"...Com cada dia que passa, a vida parece ser menos complicada, sem ter que pensar no que se passa no mundo fora. Mas talvez eu deva pensar mais acerca do mundo verdadeiro, e qual o meu papel nele.
Apesar da carga na "burra", viajo Tao leve, que não penso muito nisso.
E a escola? porque a deixei tão cedo? Desisti porque pensei que poderia aprender mais por mim próprio. Queria viver a vida do momento em vez do futuro. Mas viver cada momento e difícil. Significa pedalar sem destino, sem saber ao certo qual a próxima estrada a tomar. Mas pelo menos tenho um tecto....a minha tenda.
A minha tenda, quase 3 meses depois, já a sinto como a minha casa. Um ninho, um forte, uma caverna.
O desejo humano de viver numa caverna deve ser por instinto. Seres humanos devem ter um instinto básico de arranjar locais acolhedores, privados, onde pernoitar, e onde são livres de ser eles mesmos, de se esconderem do mundo.
Eu tenho a minha tenda, o meu ninho, forte, a minha caverna, mas mais importante do que isso tenho-me a mim mesmo dentro dela. Horas após horas do meu ser a viver nesta caverna que e a minha tenda.
Passando tanto tempo só, começo a descobrir-me a mim próprio.....e estou a gostar! Quando estas rodeado de outras pessoas o tempo todo e constantemente distraído, acabas por te esquecer do que e feito da alma que habita o corpo onde vives. Vivendo assim, parece-me evidente que a verdadeira alegria vive sobre camadas no corpo, camadas de conveniência,de conforto e compromissos. Removendo essas camadas Trás-nos mais próximo da razão fundamental da alegria de viver.
Aqui dentro da minha tenda caverna, a vida e simples, no entanto não há nada no mundo criado pelo homem, que possa ser tão complexo como um pequeno fóssil que encontrei na berma da estrada esta tarde.
Quanto mais pedalo nesta estrada solitária rumo a terra do fogo mais estas paisagens crescem dentro de mim. De facto estou a adorar viajar assim, solitário, vivendo uma vida elementar com a natureza selvagem.
Isso deve ser a nossa carência quase religiosa, de viver uma vida entrelaçada com os cosmos, com as montanhas, com o ar, a agua o sol.
Conseguirei adaptar-me de novo no mundo onde nasci depois desta viagem? Esse mundo que me parece Tao distante? pertenço a ele?
Viajar assim, solitário, dia após dia, transpôs-me a parte desse mundo. A vida parece-me tão mais simples assim...tão básica!
As noites e o que eu temo.
O sol e a minha consolação. Depois de uma noite fria, aquece-me o corpo e a alma durante todo o dia. E faz coisas espetaculares nos céus e nas rochas ao final do dia. Com casa entardecer uma pintura diferente..."
No dia seguinte acordo , não com sol, mas sim com o acampamento coberto de neve. A uns 50 metros da tenda, um lobo passeava pela neve fresca em busca da sua presa. Tomo um pequeno almoço reforçado, 4 pacotes de cereais com 2 bananas, 2 chocolates quentes, 6 fatias de pão barrado com nutella, e para terminar um café e 2 danish (bolos), um comprimido multi-vitaminas e um cigarro.E incrível o apetite de um ciclista!
Arrumo tudo apressadamente, não por ter pressa de ir a algum lado, mas por talvez pensar que os movimentos rápidos me mantenham aquecido. Quando estava pronto para partir começou a nevar de novo.
Não tinha alternativa senão continuar. Se o tempo piorasse havia a hipótese de cortarem a estrada, o que me deixaria numa situação pouco desejável. Nevou todo o dia, por vezes em grandes flocos, alguns ficavam pendurados na barba. Lembrei-me que, se existissem óculos com para-brisas, seriam úteis nesse dia. Vestia tudo a dobrar, 2 pares de meias grossas, 2 calcas, 4 camadas, poncho,2 pares de luvas, mais sacos de plástico nas mãos e nos pés. De facto as malas dianteiras, onde guardo toda a roupa, estavam quase vazias.
Mais uma noite de acampamento sobre a neve....
O parque de grand Teton e cerca de 500 metros mais baixo do que o vizinho Yellowstone, e na descida notou-se logo uma grande diferença de clima. Estava apenas frio, escuro, húmido e a chover...
Aqui em jackson Hole, encontrei um hostel (não são muito comuns nos Estados Unidos) onde partilho as 20 e tal camas e a sala de estar aquecida, apenas com um outro turista, uma californiana, e os empregados mexicanos.
Assim que tiver as energias restabelecidas, irei para oeste ate encontrar o mar. Fica encontro marcado para as aguas amenas do pacifico...
Nuno Brilhante Pedrosa
em Jackson Hole, Wyoming, USA
10.20.2006
10.19.2006
Montana....por terras de indios e cowboys (EUA)
Dia 74
Km 5213
Viajando de bicicleta uma pessoa vê as cenas de uma forma completamente diferente dos outros meios de transporte. Num carro estas sempre num compartimento, e porque estas habituado ao carro não te apercebes que tudo o que vez e apenas "mais televisão". És um observador passivo,e a paisagem passa pela janela como se a estivesses a ver num écran. Numa bicicleta o écran desaparece! Estas completamente em contacto com o que te rodeia.tu estas na paisagem, não apenas a observa-la, e a sensação de presença e fascinante. A estrada passa apenas a alguns Cm dos teus pés e `e de verdade.esta mesmo ali,tão distorcida que nem a consegues focar. no entanto podes parar, tocar com o pé no chão e senti-la a qualquer instante e a cena toda, toda a experiência nunca esta longe da consciencialização imediata.
Já ia no meu 6 dia de viagem pelos estados unidos. A paisagem que me rodeava, fazia-me lembrar os filmes de cowboys que via quando era miúdo, no écran a preto e branco aos domingos a tarde.O trafico na estrada 200, conhecida pelos índios "black foot" como Cokahlarishkit, ou " river of the road to the buffalo", era ligeiro.
O dia estava um pouco escuro, um cinzento outonal, e a brisa ligeira refrescava-me a cara. Deixei-me absorver pelas imagens imortalizadas por Hollywood e passei a tarde toda num sonho pedalante, onde eu e a minha "burra" de ferro, invadia-mos território índio.Esta era a estrada para sul e não podia evita-lo. Atravessava os vales de Black Foot e Seeley-swan a este de Missoula, locais de conflitos passados entre índios e colonos europeus no inicio desta jovem nação americana.
Sentia-os a observar-me desde o topo das colinas, num desfiladeiro, a espera do momento certo da embuscada.
Ouço o uivar de um coiote, ou seria o chefe da tribo?
Observo-os a descerem desfiladeiros abaixo, nos seu trajes de guerra, aos gritos, deixando um rasto de pó no horizonte.Combates furiosos contra as invasões dos cara-pálidas.Mais uma derrota, numa guerra nunca ganha. Foram dizimados que nem os bisontes.
Começou a arrefecer e o Céu escureceu um pouco, sinal de que estava na altura de procurar um local para armar a tenda. Cortei por uma estrada ensaibrada, e subi um pouco uma colina, num pequeno vale abrigado encontrei o local ideal para essa noite. Ainda tinha a memoria fresca dos acontecimentos do dia anterior, e de como acabei por passar a noite de lua cheia numa ti pi, em Rattle Snake, na periferia da cidade de Missoula.
Conheci o Gordon Opel no centro da lindissima cidade ( a minha favorita na viagem ate ao momento). Andava a procura de uma oficina de bicicletas, pois umas noites mal dormidas com dores de costas e mãos dormentes durante longas horas na estrada, levaram-me a pensar que algo estava mal na minha relação com a "burra". E como uma visita ao medico, estava fora de questão por ser um arrombo no orçamento de viagem. Antes de conhecer o medico, provavelmente teria que deixar 200 ou 300 dólares com a sua secretaria, mais exames, etc..Optei por um auto diagnostico, que revelou que não havia nada de mal comigo, mas sim com a bicicleta.
O Gordon indicou-me uma oficina ironicamente chamada "doctor bike" a 3 quadras dali e convidou-me para passar a noite em sua casa, ou melhor, na sua ti pi.
Pus um canhão mais curto e articulável, levantando o guiador para uma posição mais confortável e com a coluna mais direita, aproveitei para (perdoem-me o grosseirismo), por uns cornos novos na "burra". A casa da família Opel ficava no estreito vale de Rattle Snake, a 15 minutos do centro da cidade. Missoula e a cidade onde se encontra o núcleo da "Adventure bycicle association" americana, e actividades de ciclismo de lazer ou competição são fortes na agenda da cidade.
A noite fomos dar um passeio pela cidade e ver uma dessas provas.
Levou-me bastante tempo a adormecer nessa noite, a olhar a viagem das estrelas pelo buraco da ti pi. A lua iluminava a noite com os seus raios frios revelando-me toda a historia dos índios americanos e do seu universo.
No dia seguinte continuei a minha ciclonavegacao sobre a curvatura da terra.
Dirigia-me de novo para a cadeia montanhosa das "rocky mountains". Mais um passe sobre o "continental divide", o cole de Mac Donald, acima dos 2000 metros e já coberto de neve.
Dia após dia as temperaturas estavam a descer e as estradas a subir...
O "downhill" do passe deixou-me com os dedos dormentes de tanto frio e a estrada já não baixou dos 1300 metros. O primeiro de vários vales que iria atravessar, cujas altitudes subiam com a passagem de cada passe, ate chegar a entrada do parque de Yellowstone, na pequena aldeia de West Yellostone, a 2295 metros, onde me encontro. Nesses vales passei por rancho após rancho, populados por manadas de gado, milhares deles. O ratio de animais domésticos por pessoa em Montana e de 12 para 1, num estado que e o quarto maior da nação mas tem apenas um milhão de habitantes.
Num desses vales, a confluencia dos rios Jefferson, Madison e Gallatin formam o caudal do rio Missouri (o maior nos estados unidos, com mais de 3800 km de extensão), encontra-se a pequena aldeia de Manhattan, com tantos habitantes como Monte-Redondo (aldeia onde nasci, em Portugal) e que tinha passado despercebida no mapa, senão fosse pela hospitalidade da família Mack, que me convidou para passar a noite em sua casa(num contacto articulado de Portugal via Novo México).
Estou a adorar esta parte da América, a que não e contada pelos media em Portugal ou por esse mundo fora. A verdadeira, rural, simples e hospitaleira América. A sem as cidades com edifícios que chegam aos céus, a sem armas, violência ou guerras, a dos americanos comuns, nos seus afazeres diários.
Cheguei cedo a aldeia de Manhattan, e como combinei telefonar apenas depois das 5, procurei a biblioteca ( a internet e de borla nas bibliotecas!!), que se encontrava na escola local. Uma conversa com um dos professores indicou-me o caminho para noticia da família e amigos.
Observava o site da viagem quando uma jovem e tímida estudante se aproxima e me pede um autografo. De inicio não entendi. Um autografo? Porque?
Obviamente o professor deve ter exagerado no conteúdo da nossa conversa. Mostrei-lhe o itinerário da viagem no site, o que aumentou o numero de curiosos e de papeis sobre a mesa para assinar. Achei a situação um pouco inconfortável, e terminei a minha sessão de Internet e sai da escola.
A família Mac convidou-me para jantar num restaurante da aldeia, onde provei uma das especialidades locais, Cowboy burger com batata frita e molho de tomate, a maior contribuição Americana para a gastronomia mundial, e mais vulgarmente conhecido por Ketchup!
Na manha seguinte despedi-me da simpática e hospitaleira família Mack e segui viagem com um sol que lentamente derretia o orvalho e aquecia a fria manha outonal.
2 dias depois estava as portas do parque nacional de Yellowstone, nesta pequena aldeia de montanha, um autentico circo turístico a boa moda Americana. O parque recebe 30.000 visitantes por dia no Verão.
Viajar fora de estação, por vezes abaixo de zero graus, tem os seus desconfortos, mas pelo menos irei ter a paz necessaria para usufruir da beleza deste parque, que e considerado por alguns como um ícone na beleza natural da América do norte.
Nuno Brilhante Pedrosa
escrito em West Yellowstone, Montana, USA
Km 5213
Viajando de bicicleta uma pessoa vê as cenas de uma forma completamente diferente dos outros meios de transporte. Num carro estas sempre num compartimento, e porque estas habituado ao carro não te apercebes que tudo o que vez e apenas "mais televisão". És um observador passivo,e a paisagem passa pela janela como se a estivesses a ver num écran. Numa bicicleta o écran desaparece! Estas completamente em contacto com o que te rodeia.tu estas na paisagem, não apenas a observa-la, e a sensação de presença e fascinante. A estrada passa apenas a alguns Cm dos teus pés e `e de verdade.esta mesmo ali,tão distorcida que nem a consegues focar. no entanto podes parar, tocar com o pé no chão e senti-la a qualquer instante e a cena toda, toda a experiência nunca esta longe da consciencialização imediata.
Já ia no meu 6 dia de viagem pelos estados unidos. A paisagem que me rodeava, fazia-me lembrar os filmes de cowboys que via quando era miúdo, no écran a preto e branco aos domingos a tarde.O trafico na estrada 200, conhecida pelos índios "black foot" como Cokahlarishkit, ou " river of the road to the buffalo", era ligeiro.
O dia estava um pouco escuro, um cinzento outonal, e a brisa ligeira refrescava-me a cara. Deixei-me absorver pelas imagens imortalizadas por Hollywood e passei a tarde toda num sonho pedalante, onde eu e a minha "burra" de ferro, invadia-mos território índio.Esta era a estrada para sul e não podia evita-lo. Atravessava os vales de Black Foot e Seeley-swan a este de Missoula, locais de conflitos passados entre índios e colonos europeus no inicio desta jovem nação americana.
Sentia-os a observar-me desde o topo das colinas, num desfiladeiro, a espera do momento certo da embuscada.
Ouço o uivar de um coiote, ou seria o chefe da tribo?
Observo-os a descerem desfiladeiros abaixo, nos seu trajes de guerra, aos gritos, deixando um rasto de pó no horizonte.Combates furiosos contra as invasões dos cara-pálidas.Mais uma derrota, numa guerra nunca ganha. Foram dizimados que nem os bisontes.
Começou a arrefecer e o Céu escureceu um pouco, sinal de que estava na altura de procurar um local para armar a tenda. Cortei por uma estrada ensaibrada, e subi um pouco uma colina, num pequeno vale abrigado encontrei o local ideal para essa noite. Ainda tinha a memoria fresca dos acontecimentos do dia anterior, e de como acabei por passar a noite de lua cheia numa ti pi, em Rattle Snake, na periferia da cidade de Missoula.
Conheci o Gordon Opel no centro da lindissima cidade ( a minha favorita na viagem ate ao momento). Andava a procura de uma oficina de bicicletas, pois umas noites mal dormidas com dores de costas e mãos dormentes durante longas horas na estrada, levaram-me a pensar que algo estava mal na minha relação com a "burra". E como uma visita ao medico, estava fora de questão por ser um arrombo no orçamento de viagem. Antes de conhecer o medico, provavelmente teria que deixar 200 ou 300 dólares com a sua secretaria, mais exames, etc..Optei por um auto diagnostico, que revelou que não havia nada de mal comigo, mas sim com a bicicleta.
O Gordon indicou-me uma oficina ironicamente chamada "doctor bike" a 3 quadras dali e convidou-me para passar a noite em sua casa, ou melhor, na sua ti pi.
Pus um canhão mais curto e articulável, levantando o guiador para uma posição mais confortável e com a coluna mais direita, aproveitei para (perdoem-me o grosseirismo), por uns cornos novos na "burra". A casa da família Opel ficava no estreito vale de Rattle Snake, a 15 minutos do centro da cidade. Missoula e a cidade onde se encontra o núcleo da "Adventure bycicle association" americana, e actividades de ciclismo de lazer ou competição são fortes na agenda da cidade.
A noite fomos dar um passeio pela cidade e ver uma dessas provas.
Levou-me bastante tempo a adormecer nessa noite, a olhar a viagem das estrelas pelo buraco da ti pi. A lua iluminava a noite com os seus raios frios revelando-me toda a historia dos índios americanos e do seu universo.
No dia seguinte continuei a minha ciclonavegacao sobre a curvatura da terra.
Dirigia-me de novo para a cadeia montanhosa das "rocky mountains". Mais um passe sobre o "continental divide", o cole de Mac Donald, acima dos 2000 metros e já coberto de neve.
Dia após dia as temperaturas estavam a descer e as estradas a subir...
O "downhill" do passe deixou-me com os dedos dormentes de tanto frio e a estrada já não baixou dos 1300 metros. O primeiro de vários vales que iria atravessar, cujas altitudes subiam com a passagem de cada passe, ate chegar a entrada do parque de Yellowstone, na pequena aldeia de West Yellostone, a 2295 metros, onde me encontro. Nesses vales passei por rancho após rancho, populados por manadas de gado, milhares deles. O ratio de animais domésticos por pessoa em Montana e de 12 para 1, num estado que e o quarto maior da nação mas tem apenas um milhão de habitantes.
Num desses vales, a confluencia dos rios Jefferson, Madison e Gallatin formam o caudal do rio Missouri (o maior nos estados unidos, com mais de 3800 km de extensão), encontra-se a pequena aldeia de Manhattan, com tantos habitantes como Monte-Redondo (aldeia onde nasci, em Portugal) e que tinha passado despercebida no mapa, senão fosse pela hospitalidade da família Mack, que me convidou para passar a noite em sua casa(num contacto articulado de Portugal via Novo México).
Estou a adorar esta parte da América, a que não e contada pelos media em Portugal ou por esse mundo fora. A verdadeira, rural, simples e hospitaleira América. A sem as cidades com edifícios que chegam aos céus, a sem armas, violência ou guerras, a dos americanos comuns, nos seus afazeres diários.
Cheguei cedo a aldeia de Manhattan, e como combinei telefonar apenas depois das 5, procurei a biblioteca ( a internet e de borla nas bibliotecas!!), que se encontrava na escola local. Uma conversa com um dos professores indicou-me o caminho para noticia da família e amigos.
Observava o site da viagem quando uma jovem e tímida estudante se aproxima e me pede um autografo. De inicio não entendi. Um autografo? Porque?
Obviamente o professor deve ter exagerado no conteúdo da nossa conversa. Mostrei-lhe o itinerário da viagem no site, o que aumentou o numero de curiosos e de papeis sobre a mesa para assinar. Achei a situação um pouco inconfortável, e terminei a minha sessão de Internet e sai da escola.
A família Mac convidou-me para jantar num restaurante da aldeia, onde provei uma das especialidades locais, Cowboy burger com batata frita e molho de tomate, a maior contribuição Americana para a gastronomia mundial, e mais vulgarmente conhecido por Ketchup!
Na manha seguinte despedi-me da simpática e hospitaleira família Mack e segui viagem com um sol que lentamente derretia o orvalho e aquecia a fria manha outonal.
2 dias depois estava as portas do parque nacional de Yellowstone, nesta pequena aldeia de montanha, um autentico circo turístico a boa moda Americana. O parque recebe 30.000 visitantes por dia no Verão.
Viajar fora de estação, por vezes abaixo de zero graus, tem os seus desconfortos, mas pelo menos irei ter a paz necessaria para usufruir da beleza deste parque, que e considerado por alguns como um ícone na beleza natural da América do norte.
Nuno Brilhante Pedrosa
escrito em West Yellowstone, Montana, USA
10.03.2006
A chegada ao Alentejo (Canada&EUA)
Dia 64
km 4369
Essa manha tinha acordado, indeciso, sinal de que o dia me iria correr mal. Não conseguia decidir se devia continuar , ou esperar mais um dia, a ver se o tempo melhorava. Olho pela janela do quarto com 44 camas (sim, 44!) do Whistlers Hostel,
situado na encosta de uma das montanhas que rodeia Jasper, a uns tortuosos 7 km "uphill" da cidade. O dia estava escuro e chuvoso, com nuvens baixas e espessas, criando uma humidade incomfortável. O tempo não deixava ver montanhas nenhumas, mas já estava em Jasper há 4 dias e alem disso a Danina tinha arranjado uma boleia nesse dia com 2 turistas canadenses, até Banff. Local onde tinha-mos combinado nos encontrar de novo, dai a 3 dias. Pus o equipamento de chuva e parti meio contrariado, pela Icefield Parkway Road (highway 93), que as brochuras turísticas reclamam ser a estrada mais bonita de toda a América do norte. Os 44 dólares que me cobraram de portagem a entrada da estrada, ( 8 dólares por dia, incluindo os 4 que passei em Jasper, mais a famosa taxa canadense), deixaram-me ainda mais desanimado. Com aquele tempo a estrada era igual a qualquer estrada canadense num dia de chuva. A tarde a chuva intensificou-se e decidi acampar fazendo apenas uma etapa de 70 km.
Na manha seguinte acordei com um sol radiante que iria durar o resto dos dias que iria passar no Canada. A diferença da paisagem com o Céu limpo, era abismal. Gigantescas montanhas de ambos os lados, cobertas de neve e glaciares, lagos alpinos, cujos tons de verde iam variando ao longo do dia. A paisagem era demasiado bonita para descrever. Cada curva mostrava uma paisagem mais bonita do que a anterior. Foram 300 km de um gigantesco desfile de beleza natural. A Icefields Parkway Road atravessa o coração das Rocky Mountains, onde quase se sente o seu pulsar, levando-me o mais próximo possível dos seus cúmes sem sair do conforto da estrada. São 300 km consecutivos de património mundial declarado pela UNESCO. Fiz 3 passes consideráveis neste percurso. Um a 1890m, outro 2049m, e outro a 2092m. O ataque ao primeiro passe foi bastante progressivo, começando em Jasper a 1000 metros de altitude e subindo lentamente 500 metros em 70 km. Fiz a subida ao passe no dia
seguinte com um ataque final de 10 km a 8%. O Downhill e muito mais acentuado e espetacular, permitindo ver a estrada entrelaçada pelo enorme vale. Mais um passe no mesmo dia, o Sunwapta passe,acumulando 1290 metros de desnivel, e fazendo 110 km em 6.11h a uma media de 17.8 km/h, montando acampamento a 1608 metros, junto ao rio Mistaya com uma das melhores vistas da viagem ate ao momento.
O terceiro dia foi o mais duro desta etapa, apesar de ter feito apenas 897 metros de desnivel acumulado, fiz 134 km em 6.44h e com o ataque ao ultimo passe (Bow), o mais alto ate ao momento a 2092 metros. Os últimos 63 km desde Lake Louise a Banff foram feitos em apenas 2.15h a uma media superior a 30 km/h, com a ajuda de um fantástico vento forte e uma excelente estrada com um Downhill bastante ligeiro. Cheguei a Banff, sábado a noite, como combinado com a Danina, a tempo de ir celebrar a vida nocturna da cidade, que e conhecida em todas as Rocky Mountains. Começando o jantar com um aceitável vinho canadense e terminado pela noite dentro com shots de bebidas
'desconhecidas' no "Hoo Doo's", uma das discos locais. 4 dias depois, completamente curado da ressaca ( foi a primeira noite que exagerei no consumo de álcool, desde que sai de Portugal), parti de novo pela estrada nacional 93, despedindo-me da Danina com a promessa de nos voltar-mos a ver algures nos Estados Unidos. A estrada 93 segue para sul atravessando o parque nacional de Kootney, parte dele destruído por um fogo recente. Fiz uma etapa pequena nesse dia, apenas 57.6 km, acampando de borla num parque de campismo já fechado ( uma das vantagens de viajar fora de estação), pouco depois do passe de Vermillion (1651 metros), um das dezenas de passes que atravessa o "Continental Divide", a linha de separação das águas do continente americano.
As águas originando a oeste desta cadeia de montanhas vão desaguar ao pacifico, e as originadas a este vão desaguar ao Atlântico. Irei atravessar essa "linha" inúmeras vezes ao longo da minha viagem. A primeira passagem foi logo no inicio, no árctico, nas 'Richardson Mountains', na 'Dempster highway'. Parte do canada e nos Estados Unidos, o continental divide e feito através das Rocky Mountains. E para os mais aventureiros e aficcionados a BTT, e possível seguir o "continental divide", quase sempre "Off Road", desde Banff, no Canada, ate El Paso, na fronteira Mexicana. Um bom programa para a A2Z !
No dia seguinte a EN93 tinha uma surpresa para mim. O Downhill do Sinclar pass (1486) revelou uma paisagem bastante diferente, pequenas colinas com floresta mista, exibindo as bonitas corres do outono, desci cerca de 600 metros e as temperaturas subiram para uns agradáveis 20/25 graus ao sol do meio dia. Tinha entrado nos vales populosos junto as Rocky Mountains com um micro clima onde os outonos amenos são mais prolongados. Neste vasto pais, o segundo maior do mundo, a seguir a Rússia, mas com pouco mais habitantes do que a cidade do México, 90% da população vive num "cinturão" de cerca de 300 km a norte do paralelo 49, isto e , a fronteira dos estados unidos. Desde Vancouver no pacifico ate as províncias francofonas do Atlântico. Era este 'cinturão' humano que eu iria atravessar nos próximo 4 dias ate a fronteira Americana. Estava cerca de 180 km da fronteira, quando a corrente rebentou, e obrigou-me a deslocar-me a pouco agradável cidade de Cranbrooks. Aproveitei para das uma revisão a bicicleta, mudando os calços dos travões de traz,
alinhando as rodas, e mudando a corrente e a cassete.
2 dias depois estava na estrada 93 com Direcção fronteira...
Com a aproximação da fronteira, aumentaram os pensamentos negativos; e se não me deixassem entrar? teria que ir ate Vancouver em bicicleta, e apanhar um avião para o México, arruinado todos os planos de viagem. Tinha começado por decidir no dia anterior, qual seria o melhor visual a usar. Desde o 11 de Setembro o governo americano tinha-se empenhado na construção de um pais fortaleza, imune a qualquer tipo de penetração suspeita, incluindo extra-terrentres e ciclistas. E tinha ouvido as mais variadas historias de situações com os guardas fronteiriços, os quais ,
independentemente do tipo de visto no passaporte, tinham a autoridade absoluta de fazer o que lhes der na gana.. Eu tinha escolhido uma fronteira junto as Rocky Mountains pouco movimentada, mas o pouco trafico por vezes, faz com que os oficiais tenham mais tempo para implicar com casa individuo.A minha preocupação era a barba.
tinha 3 opções: ou deixava a barba como estava, mas poderia ser suspeito de pertencer a algum grupo terrorista árabe. Outra opção seria cortar a barba, mas deixar o bigode, possibilidade que pus logo de parte por dar indícios de relatividade ao Sr Bashar. A ultima opção, seria fazer a barba, mas isso expunha a minha cara alongada e magra, que eu toda a vida me confrontei com a existência, das minhas fortes descendências mouras. Provavelmente seria confundido com algum terrorista marroquino a viajar com passaporte português falso.
Optei pela ultima, pois pelo menos tinha a garantia de que o passaporte não era falso. Tinha-o tirado dias antes de partir no governo civil de Leiria, exclusivamente para a minha passagem pelos estados unidos. O anterior ainda era valido ate 2009, mas como foi escrito a mão por uma funcionaria do cônsul português em Atenas, na Grécia, numa situação de urgência, anos atrás, e não seria valido ao abrigo do novo "waiver program" americano. O "waiver program" oferece vistos gratuitos por 90 dias aos membros de um "clube de elite" de países amigos e 'bonzinhos', ao qual Portugal ingressou recentemente. Todos os outros cidadãos deste planeta, tem que fazer bicha num dos locais de maior risco a atentados terroristas: as embaixadasamericanas.
O trafico nesta parte da EN 93 era muito semelhante a Klondike highway, apenas com algum trafico local e os ocasionais grupos de motards em "road trips", nas suas barulhentas Harleys. O edifício da duana era novinho em folha, havia 3 carros a minha frente que atravessaram com relativa facilidade.
Chegou a minha vez:
-Hi
-Hi, respondi.
-How are you today?
-I'm fine.And how are you?
"how are you" e "have a nice day" são duas expressões no inglês americano que me irritam um pouco pela falta de genuinidade das pessoas quando as prenunciam. Ouso-as a todo o momento em qualquer situação, dezenas de vezes por dia. Imagino o numero de vezes que cada americano as pronunciam por dia, multiplicando por 300 milhões e em uni soro, seria o suficiente para criar uma avalanche numa montanha.
-So, where are you going today?
Apeteceu-me responder que "today", de bicicleta, não ia mais longe do que a próxima floresta e montar a tenda. Mas o oficial, que ate era bastante cordial, informou-me que por já ter estado nos estados unidos (Seattle, no inicio da viagem), e de ter saído sem levar carimbo, estava a reentrar com o mesmo visto que expirava daqui a 25 dias, o que não seria o suficiente para atravessar os estados unidos em bicicleta.
-por favor, encoste a bicicleta, e dirija-se aquele escritório.
-Eu sabia!!!
nunca devia ter feito a barba...
Vão começar os interrogatório e as revisões das malas, sem comer, beber, ou poder telefonar ao consulado português, a explicar que são apenas um cidadão português, a fazer 25000 quilómetros em bicicleta pelo continente americano.
E a garrafa de gasolina do fogão? e o spay anti-ursos? e os painéis solares que o meu primo pedro me ofereceu? e a bandeira portuguesa que a minha irmã pôs nas malas?
sei la! qualquer coisa pode ser suspeito....
Ainda tenho recordações frescas da minha travessia para Israel em bicicleta no ano 2000, pela "King Hussein Bridge" aonde me deixaram apenas em cuecas e t-shirt durante tempos num compartimento fechado ate que as autoridades se convencessem que a única razão porque andava no médio oriente de bicicleta era por puro turismo de lazer. Mas isto não era o médio oriente, Tao pouco guantanamo bay.
Dentro do moderno edifício com decorações um pouco bizarras ( alem da foto de George Bush, tinham também uma membrana de baleia embalsamada e a pele de um animal que não consegui identificar),onde o numero de computadores era de longe superior ao do numero de funcionarios. Um deles, o que não estava a ler o jornal, bombardeou-me com as habituais perguntas de alfandega, e mais algumas que eu achei um pouco fora de contexto, como: há montanhas em Portugal? e como intencionáva atravessar o canal do Panamá? Explicou-me que o "waiver program" não permitia extenções de vistos, mas que
devido a minha situação, iria fazer uma excepção, mais uma vez provando a sua autoridade.
Pede-me 7 dólares, que eu fiquei sem saber se eram para o papel que eu preenchi ou para a tinta do carimbo, e disse:- have a nice day A partir daquele momento fiquei a pensar que a razão pela qual os americanos repetem desnecessariamente e de uma forma quase religiosa, "have a nice day", e por acreditarem que a repetição da frase a transforma em realidade; para mim, nesse dia, funcionou.
Peguei na "burra" e zarpei para sul, pedalando ate ao anoitecer. Tinha entrado nos estados unidos da América. Mas o engraçado foi que pareceu-me que entrei no Alentejo....
A estrada deslisava por entre colinas de feno amareladas, calor e ar seco, e bastava trocar os pinheiros por chaparros e estava a entrar no Alentejo... observo o mapa e reparo que tinha feito mal os cálculos. Ainda faltavam 30 km ate Whitefish. Claro, a partir de hoje as distancias são em milhas. Montana tem nomes engraçados, a começar pela cidade fronteiriça de 'Eureka', 'Yaak', 'Paradise', Pleasant Valley', 'Pompey's Pillar',etc... mas o meu favorito e: 'going to the sun road' que de facto não vai para o sol, mas sim, para o 'International peace park'. Amanha vou dar um passeio por la, a ver se sinto alguma "paz" do trafico da cidade...
Nuno Brilhante Pedrosa
em Whitefish, Montana, EUA.
km 4369
Essa manha tinha acordado, indeciso, sinal de que o dia me iria correr mal. Não conseguia decidir se devia continuar , ou esperar mais um dia, a ver se o tempo melhorava. Olho pela janela do quarto com 44 camas (sim, 44!) do Whistlers Hostel,
situado na encosta de uma das montanhas que rodeia Jasper, a uns tortuosos 7 km "uphill" da cidade. O dia estava escuro e chuvoso, com nuvens baixas e espessas, criando uma humidade incomfortável. O tempo não deixava ver montanhas nenhumas, mas já estava em Jasper há 4 dias e alem disso a Danina tinha arranjado uma boleia nesse dia com 2 turistas canadenses, até Banff. Local onde tinha-mos combinado nos encontrar de novo, dai a 3 dias. Pus o equipamento de chuva e parti meio contrariado, pela Icefield Parkway Road (highway 93), que as brochuras turísticas reclamam ser a estrada mais bonita de toda a América do norte. Os 44 dólares que me cobraram de portagem a entrada da estrada, ( 8 dólares por dia, incluindo os 4 que passei em Jasper, mais a famosa taxa canadense), deixaram-me ainda mais desanimado. Com aquele tempo a estrada era igual a qualquer estrada canadense num dia de chuva. A tarde a chuva intensificou-se e decidi acampar fazendo apenas uma etapa de 70 km.
Na manha seguinte acordei com um sol radiante que iria durar o resto dos dias que iria passar no Canada. A diferença da paisagem com o Céu limpo, era abismal. Gigantescas montanhas de ambos os lados, cobertas de neve e glaciares, lagos alpinos, cujos tons de verde iam variando ao longo do dia. A paisagem era demasiado bonita para descrever. Cada curva mostrava uma paisagem mais bonita do que a anterior. Foram 300 km de um gigantesco desfile de beleza natural. A Icefields Parkway Road atravessa o coração das Rocky Mountains, onde quase se sente o seu pulsar, levando-me o mais próximo possível dos seus cúmes sem sair do conforto da estrada. São 300 km consecutivos de património mundial declarado pela UNESCO. Fiz 3 passes consideráveis neste percurso. Um a 1890m, outro 2049m, e outro a 2092m. O ataque ao primeiro passe foi bastante progressivo, começando em Jasper a 1000 metros de altitude e subindo lentamente 500 metros em 70 km. Fiz a subida ao passe no dia
seguinte com um ataque final de 10 km a 8%. O Downhill e muito mais acentuado e espetacular, permitindo ver a estrada entrelaçada pelo enorme vale. Mais um passe no mesmo dia, o Sunwapta passe,acumulando 1290 metros de desnivel, e fazendo 110 km em 6.11h a uma media de 17.8 km/h, montando acampamento a 1608 metros, junto ao rio Mistaya com uma das melhores vistas da viagem ate ao momento.
O terceiro dia foi o mais duro desta etapa, apesar de ter feito apenas 897 metros de desnivel acumulado, fiz 134 km em 6.44h e com o ataque ao ultimo passe (Bow), o mais alto ate ao momento a 2092 metros. Os últimos 63 km desde Lake Louise a Banff foram feitos em apenas 2.15h a uma media superior a 30 km/h, com a ajuda de um fantástico vento forte e uma excelente estrada com um Downhill bastante ligeiro. Cheguei a Banff, sábado a noite, como combinado com a Danina, a tempo de ir celebrar a vida nocturna da cidade, que e conhecida em todas as Rocky Mountains. Começando o jantar com um aceitável vinho canadense e terminado pela noite dentro com shots de bebidas
'desconhecidas' no "Hoo Doo's", uma das discos locais. 4 dias depois, completamente curado da ressaca ( foi a primeira noite que exagerei no consumo de álcool, desde que sai de Portugal), parti de novo pela estrada nacional 93, despedindo-me da Danina com a promessa de nos voltar-mos a ver algures nos Estados Unidos. A estrada 93 segue para sul atravessando o parque nacional de Kootney, parte dele destruído por um fogo recente. Fiz uma etapa pequena nesse dia, apenas 57.6 km, acampando de borla num parque de campismo já fechado ( uma das vantagens de viajar fora de estação), pouco depois do passe de Vermillion (1651 metros), um das dezenas de passes que atravessa o "Continental Divide", a linha de separação das águas do continente americano.
As águas originando a oeste desta cadeia de montanhas vão desaguar ao pacifico, e as originadas a este vão desaguar ao Atlântico. Irei atravessar essa "linha" inúmeras vezes ao longo da minha viagem. A primeira passagem foi logo no inicio, no árctico, nas 'Richardson Mountains', na 'Dempster highway'. Parte do canada e nos Estados Unidos, o continental divide e feito através das Rocky Mountains. E para os mais aventureiros e aficcionados a BTT, e possível seguir o "continental divide", quase sempre "Off Road", desde Banff, no Canada, ate El Paso, na fronteira Mexicana. Um bom programa para a A2Z !
No dia seguinte a EN93 tinha uma surpresa para mim. O Downhill do Sinclar pass (1486) revelou uma paisagem bastante diferente, pequenas colinas com floresta mista, exibindo as bonitas corres do outono, desci cerca de 600 metros e as temperaturas subiram para uns agradáveis 20/25 graus ao sol do meio dia. Tinha entrado nos vales populosos junto as Rocky Mountains com um micro clima onde os outonos amenos são mais prolongados. Neste vasto pais, o segundo maior do mundo, a seguir a Rússia, mas com pouco mais habitantes do que a cidade do México, 90% da população vive num "cinturão" de cerca de 300 km a norte do paralelo 49, isto e , a fronteira dos estados unidos. Desde Vancouver no pacifico ate as províncias francofonas do Atlântico. Era este 'cinturão' humano que eu iria atravessar nos próximo 4 dias ate a fronteira Americana. Estava cerca de 180 km da fronteira, quando a corrente rebentou, e obrigou-me a deslocar-me a pouco agradável cidade de Cranbrooks. Aproveitei para das uma revisão a bicicleta, mudando os calços dos travões de traz,
alinhando as rodas, e mudando a corrente e a cassete.
2 dias depois estava na estrada 93 com Direcção fronteira...
Com a aproximação da fronteira, aumentaram os pensamentos negativos; e se não me deixassem entrar? teria que ir ate Vancouver em bicicleta, e apanhar um avião para o México, arruinado todos os planos de viagem. Tinha começado por decidir no dia anterior, qual seria o melhor visual a usar. Desde o 11 de Setembro o governo americano tinha-se empenhado na construção de um pais fortaleza, imune a qualquer tipo de penetração suspeita, incluindo extra-terrentres e ciclistas. E tinha ouvido as mais variadas historias de situações com os guardas fronteiriços, os quais ,
independentemente do tipo de visto no passaporte, tinham a autoridade absoluta de fazer o que lhes der na gana.. Eu tinha escolhido uma fronteira junto as Rocky Mountains pouco movimentada, mas o pouco trafico por vezes, faz com que os oficiais tenham mais tempo para implicar com casa individuo.A minha preocupação era a barba.
tinha 3 opções: ou deixava a barba como estava, mas poderia ser suspeito de pertencer a algum grupo terrorista árabe. Outra opção seria cortar a barba, mas deixar o bigode, possibilidade que pus logo de parte por dar indícios de relatividade ao Sr Bashar. A ultima opção, seria fazer a barba, mas isso expunha a minha cara alongada e magra, que eu toda a vida me confrontei com a existência, das minhas fortes descendências mouras. Provavelmente seria confundido com algum terrorista marroquino a viajar com passaporte português falso.
Optei pela ultima, pois pelo menos tinha a garantia de que o passaporte não era falso. Tinha-o tirado dias antes de partir no governo civil de Leiria, exclusivamente para a minha passagem pelos estados unidos. O anterior ainda era valido ate 2009, mas como foi escrito a mão por uma funcionaria do cônsul português em Atenas, na Grécia, numa situação de urgência, anos atrás, e não seria valido ao abrigo do novo "waiver program" americano. O "waiver program" oferece vistos gratuitos por 90 dias aos membros de um "clube de elite" de países amigos e 'bonzinhos', ao qual Portugal ingressou recentemente. Todos os outros cidadãos deste planeta, tem que fazer bicha num dos locais de maior risco a atentados terroristas: as embaixadasamericanas.
O trafico nesta parte da EN 93 era muito semelhante a Klondike highway, apenas com algum trafico local e os ocasionais grupos de motards em "road trips", nas suas barulhentas Harleys. O edifício da duana era novinho em folha, havia 3 carros a minha frente que atravessaram com relativa facilidade.
Chegou a minha vez:
-Hi
-Hi, respondi.
-How are you today?
-I'm fine.And how are you?
"how are you" e "have a nice day" são duas expressões no inglês americano que me irritam um pouco pela falta de genuinidade das pessoas quando as prenunciam. Ouso-as a todo o momento em qualquer situação, dezenas de vezes por dia. Imagino o numero de vezes que cada americano as pronunciam por dia, multiplicando por 300 milhões e em uni soro, seria o suficiente para criar uma avalanche numa montanha.
-So, where are you going today?
Apeteceu-me responder que "today", de bicicleta, não ia mais longe do que a próxima floresta e montar a tenda. Mas o oficial, que ate era bastante cordial, informou-me que por já ter estado nos estados unidos (Seattle, no inicio da viagem), e de ter saído sem levar carimbo, estava a reentrar com o mesmo visto que expirava daqui a 25 dias, o que não seria o suficiente para atravessar os estados unidos em bicicleta.
-por favor, encoste a bicicleta, e dirija-se aquele escritório.
-Eu sabia!!!
nunca devia ter feito a barba...
Vão começar os interrogatório e as revisões das malas, sem comer, beber, ou poder telefonar ao consulado português, a explicar que são apenas um cidadão português, a fazer 25000 quilómetros em bicicleta pelo continente americano.
E a garrafa de gasolina do fogão? e o spay anti-ursos? e os painéis solares que o meu primo pedro me ofereceu? e a bandeira portuguesa que a minha irmã pôs nas malas?
sei la! qualquer coisa pode ser suspeito....
Ainda tenho recordações frescas da minha travessia para Israel em bicicleta no ano 2000, pela "King Hussein Bridge" aonde me deixaram apenas em cuecas e t-shirt durante tempos num compartimento fechado ate que as autoridades se convencessem que a única razão porque andava no médio oriente de bicicleta era por puro turismo de lazer. Mas isto não era o médio oriente, Tao pouco guantanamo bay.
Dentro do moderno edifício com decorações um pouco bizarras ( alem da foto de George Bush, tinham também uma membrana de baleia embalsamada e a pele de um animal que não consegui identificar),onde o numero de computadores era de longe superior ao do numero de funcionarios. Um deles, o que não estava a ler o jornal, bombardeou-me com as habituais perguntas de alfandega, e mais algumas que eu achei um pouco fora de contexto, como: há montanhas em Portugal? e como intencionáva atravessar o canal do Panamá? Explicou-me que o "waiver program" não permitia extenções de vistos, mas que
devido a minha situação, iria fazer uma excepção, mais uma vez provando a sua autoridade.
Pede-me 7 dólares, que eu fiquei sem saber se eram para o papel que eu preenchi ou para a tinta do carimbo, e disse:- have a nice day A partir daquele momento fiquei a pensar que a razão pela qual os americanos repetem desnecessariamente e de uma forma quase religiosa, "have a nice day", e por acreditarem que a repetição da frase a transforma em realidade; para mim, nesse dia, funcionou.
Peguei na "burra" e zarpei para sul, pedalando ate ao anoitecer. Tinha entrado nos estados unidos da América. Mas o engraçado foi que pareceu-me que entrei no Alentejo....
A estrada deslisava por entre colinas de feno amareladas, calor e ar seco, e bastava trocar os pinheiros por chaparros e estava a entrar no Alentejo... observo o mapa e reparo que tinha feito mal os cálculos. Ainda faltavam 30 km ate Whitefish. Claro, a partir de hoje as distancias são em milhas. Montana tem nomes engraçados, a começar pela cidade fronteiriça de 'Eureka', 'Yaak', 'Paradise', Pleasant Valley', 'Pompey's Pillar',etc... mas o meu favorito e: 'going to the sun road' que de facto não vai para o sol, mas sim, para o 'International peace park'. Amanha vou dar um passeio por la, a ver se sinto alguma "paz" do trafico da cidade...
Nuno Brilhante Pedrosa
em Whitefish, Montana, EUA.
Subscribe to:
Posts (Atom)