Nunca è boa ideia atravessar uma fronteira num domingo. Os horários são mais relaxados e a fronteira pode fechar mais cedo do que o costume sem aviso prévio, e se tiver trafico suficiente para ter um banco, provavelmente estará fechado, alem de que os oficiais da alfandega estarão chateados por ter que trabalhar ao fim de semana e com menor tendência para acreditar na minha historia de que ando a pedalar pelas crianças da APPC-Leiria.
Mas já estava em El Salvador há 9 dias e apesar de parecer pouco tempo era mais do que suficiente para aquele pequeno e pouco atractivo pais.
Com as primeiras pedaladas nas Honduras, o pais pareceu-me de imediato diferente de El Salvador. As casas eram mais velhas e simples mas bem cuidadas, a estrada em boas condições e sem trafico, os vales mais abertos e as montanhas mais altas. Ao inicio a estrada seguia um vale onde um pequeno rio navegava por entre os pinheiros, com relvados nas suas margens. Lugares de picnic coloridos pelo lixo deixado pelas famílias.Os montes circundantes estavam cobertos com um tapete de relva fresca das primeiras chuvas da estação e vacas pastavam ao longe nos montes. Por momentos pareceu-me que tinha chegado aos Alpes suíços. Só faltavam as campainhas.
Mas essa ideia dissipou-se nas ruas de Nueva Ocotepeque, a nossa primeira cidade no pais. Ocotopeque como tantas outras cidades fronteiriças fervilha de actividade, com mercadorias a transbordar para os passeios. Montes de chiles partilham o passeio com mobílias, pecas importadas para automóveis ou artigos baratos made in china. Homens a cavalo com chapéu à cowboy trotam pelas ruas ensaibradas e garotos descalços atravessam-se frente da bicicleta. Gringo, gringo, gritavam.
Mas todo o caos parece ter uma forma ordenada. Tínhamos feito pouco mais de 20 km, eram apenas 9.30 da manha mas o sol já estava alto e forte, no entanto estávamos dispostos a chegar a Santa Rosa de Copan nesse dia a 90 km para norte. O que ainda não sabia-mos è que com a nossa chegada às Honduras, esperavam-nos uma subida de 1300 metros seguida por uma descida de 1000, voltar a subir 500m descer 350m e subir de novo 600m até Santa Rosa. Ao final da segunda subida, já com 1896 metros de desnível acumulados e completamente exaustos, resolvemos montar as tendas no campo de futebol da aldeia Ojo de Agua e passar a noite ali com Santa Rosa à vista no outro lado do vale.
No dia seguinte pedalamos os restantes 16 km até à cidade. Não há muito para fazer um santa rosa. È apenas uma pequena e bonita cidade colonial com uma atmosfera relaxante, mas ficamos 2 dias a absorver os cheiros e olhares da cultura do novo país que acabávamos de entrar.
A grande atracção da cidade parecia ser a fabrica de charutos " la flor de copan". Os charutos hondurenhos são considerados pelos conhecedores de pulmão negro como sendo de alta qualidade e apenas superados pelos cubanos. De facto, muito são embalados e vendidos com a marca Davidoff no mercado europeu.
Saímos de Santa Rosa ao segundo dia com direcção a Gracia de Lempira, uma das varias aldeia situadas na cordilheira sul do país e intituladas pelo departamento de turismo como "La ruta Lenca, la verdadera Honduras". Uma zona habitada por indígenas Lenca já assimilados pela cultura mestiça das terras baixas e com poucas distinções características aos olhos de um viajante em duas rodas. O que o governo se "esqueceu" de fazer, foi melhorar as estradas (ou estrada) de acesso. Entre Gracia de Lempira e La Esperança, a nossa seguinte paragem na ruta lenca, a estrada de saibro variava entre má e péssima, abraçando as montanhas num sobe e desce tal que nesse dia bati um novo recorde de viagem em desnível acumulado, 2216 metros em 83 kms, 80% feitos em saibro.
Apesar das dificuldades a ruta lenca foi sem duvida a parte mais bonita dos 625 km pedalados no país. De Siguatepeque até à fronteira da Nicarágua a paisagem não foi relevante para ciclismo e por vezes era até mesmo monótona. Mas pelo menos a nossa determinação em permanecer em altitude proporcionou uma etapa com temperaturas perfeitas para ciclismo.
Siguatepeque teria ficado esquecida no mapa da Pan Americana se não fosse pelo susto que apanhamos. Essa tarde a chuvada tropical obrigou-nos a parar por um par de horas. Fartos de esperar, vestimos o Gore-Tex e fizemos-se de novo à estrada. A agua escorria pela cara e Gore-Tex ensopado. Quando chegamos à cidade entramos no primeiro hotel que vimos. Os quartos eram tipo cela com espaço para a cama e pouco mais e virados para um pátio comum. As casas de banho cheiravam mal. O quarto do Jeff nem fechadura tinha na porta meio comida pelo escaravelho ou qualquer outro animal avido de madeira velha. A substituir-la tinha um cordel que se atava entre dois pregos, um na porta e outro no aro. Por 60 lempiras por quarto (2.25 euros) não era nenhum Hilton Honduras, mas não chovia lá dentro e o Juan, o vizinho hondurenho do quarto 8, ofereceu-nos jantar.
Às 6.30 da manha os passos suspeitos de alguém a rondar o pátio e a parar varias vezes em frente à janela do quarto, despertaram-me. Ouço o portão a fechar. Quando abro a porta e saio do quarto, deparo-me com a visão que um ciclista mais teme: a bicicleta do Jeff tinha desaparecido.
-Someone stole your bike,man!!! gritei pela janela aberta do quarto-cela do Jeff. Pequei na minha bicicleta e desci rua abaixo, com a Lilia - uma senhora de meia idade, ancas avantajadas e a dona da hospedagem - a tentar acompanhar-me, mas desistindo pouco depois sem folgo. Na primeira esquina perguntei a 4 pessoas sentadas no passeio que, pelo aspecto, tinham passado a noite ali mesmo. No inicio ignoraram quase em cumplicidade às minhas perguntas, mas talvez por verem a cara de pânico de um gringo apenas em calcoes e chinelos despenteado e barbudo, um deles cedeu e apontou para a rua da esquerda. Na próxima esquina olho para a minha esquerda e vejo o bandido a caminhar com a bicicleta do Jeff segura pela mão. Ao aproximar-me as minha pernas tremiam que nem varas verdes. E se ele puxar por uma navalha ou uma arma, que faço ? Gritei-lhe, ele parou olhando para trás. Depois da troca de algumas palavras arranquei-lhe a bicicleta das mãos partindo o vidro retrovisor e fugi rua abaixo. Montado na minha bicicleta conduzia com uma mão enquanto que puxava a do Jeff com a outra. Quando regressei à hospedagem falamos pouco.
Fizemos as malas e partimos. Foi só à saída da cidade quando paramos nas bombas de gasolina texaco para o pequeno almoço que ponderamos o sucedido.
A partir de hoje a burra vai dormir comigo!!
Durante as minhas pedaladas pelas Honduras tinha conhecido apenas olhares simpáticos, sorrisos alegres de crianças ou um "buenos dias" em tom forte de algum velho, mas nesse dia todos me pareciam suspeitos. Pedalávamos pela estrada com mais trafico do país, a Carretera al norte, que liga San Pedro sula com Tegucigalpa, a capital. Ao final da manha chegamos a Comayagua, tínhamos feito apenas 32 km mas era suficiente.
Comayagua è considerada das cidades coloniais mais bonitas do país. Mas depois de ter passado por tantas cidades coloniais bonitas (em especial no México), nem o som de musica a sair de colunas enterradas nos jardins da praça principal nos conseguiram impressionar. No entanto era uma cidade agradável e passamos 2 dias a relaxar.
Depois da nossa experiência com o trafico de San Salvador, tínhamos decidido evitar a capital a todo o custo, fazendo um "loop" para norte, parte dele por estradas de saibro, passando por Talanga e San Francisco. Os 3 dias que se seguiram até Las Manos junto à fronteira com a Nicarágua foram apenas a somar quilómetros até sair do país.
Entrei na Nicarágua a 20 de Julho, um dia depois das comemoracoes do aniversario da revolução Sandinista, A primeira pagina do jornal La Prensa era preenchida pela foto de centenas de milhares de pessoas que se juntaram na praza de la revolucion em Managua para comemorar o evento liderado por Daniel Ortega com o seu homologo e convidado Hugo chaves.
Tinha entrado no nono pais da viagem. O conta quilómetros marcava 19314 km.
Nuno Brilhante Pedrosa
Em Ocotal, Nicarágua.
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4 comments:
Olá Nuno. Já tinha lido no site do Jeff sobre a tua aventura com os larápios. Deve ter sido emocionante. Parabéns pela entrada na Wikipédia. Boas pedaladas...
A aventura continua. Continua ái em força
Força rapaz. Que não te doam as pernas nessa viagem fabulosa que empreendeste.
E continua com espírito crítico e observador registando as faces reais das pessoas e culturas com que te vais deparando nessa caminhada.
O verdadeiro viajante é naturalmente um "observador". Saber interpretar o que vê para ficar realmente a "conhecer" é que já não é para todos.
Penso que tens alguma capacidade para além do espírito de aventura.
Vai em frente.
Continuo maravilhada com a tua força. Graças a ti já me fartei de "viajar"
Beijocas
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