12.15.2006

3 Ciclistas Ibéricos em Hollywood (EUA)

Dia 134
Km 9210

Essa manha tinha acordado decidido a seguir viagem. Já estava em São Francisco há 8 dias, e apesar de adorar a atmosfera da cidade e a pausa do rabo no selin, ainda tinha pela frente mais de 17000 km, e dezenas de outras cidades a visitar.
Tinha a bicicleta no pequeno Hall da entrada do Tortoise Hostel. Através da porta de vidro, via a chuva a cair la fora. Coloquei as 4 malas na bicicleta, o saco-cama entalado entre o selim e o suporte metálico, e a tenda nova por estrear, que comprei no dia anterior (pois a que tinha, os fechos já não funcionavam, tinha uma vareta partida, e estava a descoser-se pelas bainhas), e apertei tudo com duas cordas elasticas. As minhas malas representam um pouco a minha forma de estar nesta viagem. As duas malas da frente são o Nuno arrumado, organizado e disciplinado. Nelas transporto a minha roupa toda, bem dobrada e arrumada, os livros: um diário, um bloco de notas, um guia dos estados unidos, um livro de animais e plantas da Américado norte, um mini atlas do mundo, um caderno onde registro quilometragens, desniveis de altitude, etc, etc, e vários mapas. Como se não fosse peso suficiente, adicionei a carga um guia do México, do tamanho de uma Bíblia e com um peso absurdo de cerca de um quilo. Nas malas da frente viajam também o meu colxão insuflavel, uns painéis solares, e um saco meticulosamente guardado, cheio de panfletos, CD's, pequenos livros das criancas especiais da APPC LEIRIA, paradistribuir na América latina. nelas, consigo sem isitar, encontrar o que procuro.
As malas traseiras, são o Nuno bagunçado, caótico e desorganizado. Nelas encontra-se a cozinha, que inclui fogão, tachos, frigideira/prato, condimentos, etc. Pecas suplentes viajam ao lado de comida, ou a cana de pesca ao lado do filtro d'agua. Entre outras pecas de equipamento, transporto também uma rede, que espero usar como cama entre duas arvores la mais para sul quando fizer mais calor, cabos e fios para a maquina fotográfica, I-pod e speakers, cordas e molas para estender a roupa, kit de costura, e uma placa de madeira com nossa senhora de Fátima gravada, que a minha mãe insistiu em que eu carrega-se, para me proteger das dificuldades da estada, etc etc...
Nas malas traseiras, os objectos flutuam entre malas de acordo com o peso do dia, e ao contrario das malas dianteiras, tenho dificuldade em encontrar o que procuro.
Verifico se esta tudo bem apertado, subo as escadas da hospedagem, e entrego a chave do quarto a recepcionista. Como a Internet era gratuita, resolvi ver mais uma vez a minha caixa de correio electrónico. Tinha recebido um e-mail da Sheila, que iria ajudar a decidir o resto do itinerário nos Estados Unidos.

A Sheila e uma jovem americana da Pensilvânia, que eu tinha conhecido num parque de campismo no norte da Califórnia duas semanas antes. Tinha passado 9 anos de serviço militar, 4 deles numa academia militar, mais 5 de serviço na "US coast guard", e decidiu desfazer-se da rigidez e disciplina de tanto tempo de serviço, com uma viagem de bicicleta pela costa oeste americana. A Sheila estava em São Francisco e convidava-me a seguir com ela pela costa ate São Diego , local onde terminaria a sua aventura de ciclismo a solo.
Tirei as malas da bicicleta subi as escadas e paguei a apreendida recepcionista por mais uma noite. Afinal de contas estava a chover la fora, e o que era mais um dia no meio de 5 centenas? As 7 horas da manhã, a Sheilla estava a bater a porta do quarto. Estava um dia lindo e a saída de São Francisco foi feita sem grandes dificuldades e com certa rapidez.
Nessa tarde já pela EN1, que desliza junto ao mar, tivemos 5 furos, eu 2 e a Sheilla 3. No dia seguinte a Sheilla teve mais 3!! Será que juntos emitíamos alguma energia negativa? Se calhar não era suporto viajarmos juntos. Ou terá sido um mau karma, por eu lhe ter dito que os pneus que trazia (Schwalbe marathon), eram os melhores para ciclismo de viagem? Seja qual a explicação para tanto furo em tão pouco tempo, a Sheilla decidiu trocar os seus pneus por 2 specialized armadillo, na seguinte cidade de Santa Cruz.

Nos dias que se seguiram, foi um prazer pedalar pelo "Big Sur", a zona costeira entre Monterey e Cambria, onde a EN1, entrelaçada entre o mar e as falésias, oferece vistas espetaculares. Paramos para almoçar junto a estrada, perto de uma Igreja de "cientistas cristãos".
Por cada aldeia ou vila que pedalo, por mais pequena que seja a comunidade, existem pelo menos 4 ou 5 igrejas de crenças diferentes o que da a opção de escolha no sermão. Praticamente todas as religiões do mundo estão aqui representadas, e algumas delas nasceram aqui, como os testemunhos de Jeová, Os Adventistas do sétimo dia, os Amish, Mórmones, ou os cientistas cristãos. Fundamentalismo cristão e um fenómeno Americano, o que faz suspeitar que osAmericanos não são assim tão espertos como aparentam. Fundamentalismo religioso encontra-se em outras partes do mundo, como a ocupação judaica da Palestina, ou certas ceitas musulmanas, mas parece ser sempre supreendente encontra-lo num pais moderno como os estados Unidos. Pode ser que que os Americanos sejam tão religiosos, porque o seu pais ser simplesmente demasiado grande complicado e violento, e que a única forma de combater essa alienação, e ingressar numa Igreja local, para se sentirem parte de uma pequena e segura comunidade.
Mas apesar desse fundamentalismo religioso, os Americanos são das pessoas mais cultas e educadas do planeta, com uma literatura riquíssima, invenções cientificas sem paralelo, grandes pensadores em qualquer campo académico. Mas porque e que eles não se educam acerca do resto do mundo?
E fácil para nos, ficar-mos supreendidos e por vezes irritados com a ignorancia Americana, em especial quando as suas politicas externas afectam o mundo inteiro. A maioria dos Americanos que tenho conhecido, não se enquadram nesta imagem.
O Americano comum pode ser ignorante em geografia mundial, mas quando de ferias em Lisboa, não publicita a sua ignorancia a 15 decibais no mosteiro dos Jerónimos. Para evitar situações embaraçosas, por vezes adiciono a palavra 'Europa', a seguir a Portugal, quando me perguntam de donde sou. Isto depois de já terem colocado Portugal nos continentes todos excepto Oceania.

No dia seguinte encontrámos-nos de novo com o Bernardo e o Diogo, por casualidade num parque de campismo. Viajamos os 4 juntos no resto do meu percurso nos Estados Unidos.
Dias depois, chegamos ao final da tarde a Santa Mónica, uma das 88 cidades satélite da mega-metrópoles de Los Angeles. A nossa espera estava a Cassandra, a Laura e o Xavier, os nossos jovens anfitriões, que nos iriam mostrar a cidade de LA, nos 4 dias que por ali passamos. A casa onde ficamos alojados, situava-se num dos bairros chiques da cidade-praia de santa Mónica, e pertencia a Betty Lucier, a avo da Cassandra. Uma Americana de 82 anos, mas com uma energia de fazer inveja a muitos,e com uma vida bastate interresante. Autora do livro "Amid my alien corn", Lucier tinha sido espia em Madrid durante a guerra fria. Numa das parteleiras da sua enorme biblioteca, encontrava-se uma edicao francesa de um livro de Mario Soares;"Le Portugal Baillonne".
Os nossos jovens anfitriões eram todos recém formados em cinema, e a tentar a sua sorte na selva cinematigrafica de Hollywood. Tinham participado na equipa técnica de um filme de terror ( que se ira chamar 30 Griffin Lane). As filmagens tinham terminado, e o director ofereceu uma festa em sua casa para celebrar, a qual nos fomos convidados.

Vesti a minha melhor roupa: as botas de montanha, umas calcas tipo tropa, cujo verde original, se tinha tornado num verde-amarelo, torrado pelo sol, e que não eram lavadas há varias semanas, uma t-shirt laranja, lavada, mas um pouco amassada e a servir de casaco; o meu colete corta-vento. Sentia-me pouco a vontade quando entra-mos. Mas o bufete no jardim da casa e o bar aberto com todo o tipo de bebidas, pôs-nos a vontade em pouco tempo. Não tardou para que todos os convidados tivessem conhecimento dos 3 ciclistas aventureiros (e barbudos) da península ibérica. Quando dei por mim, ao 3 whisky estava envolvido numa entretida conversa com o assistente do director, o Diego dançava na sala com 2 das actrizes e o Bernardo falava com um dos câmara man. A boa maneira ibérica fomos os últimos a sair da festa, e com a adrenalina cinematografica a subir a cabeça, ainda fomos passar o resto da noite a Hollywood Boulevard.....

Ao quarto dia, ainda meio intoxicados pela atmosfera de LA, partimos de novo, pedalando todo o dia, sem sair da gigantesca cidade, passando a noite em Long Beach, onde no dia seguinte, nos encontramos de novo com a Sheilla, que tinha ficado com amigos ali por perto.
Os cerca de 250 km que separam as cidades de Los Angeles e San Diego, foram das menos interessantes do meu percurso nos estados unidos. Cidade após cidade de luxuosas casas, estradas com trafico intenso e poluição. Alguns passeios junto ao mar, passando por pequenas aldeias pitorescas, aliviavam um pouco a sensação de estar a pedalar numa continua cidade durante 3 dias.
A um certo ponto desviamos pela base naval de "camp Pendleton US Marine Corps". A base naval, era uma autentica cidade, com lojas restaurantes, centros comerciais e comdominios para os tropas. Ciclistas estavam autorizados a atravessar-la, para fugir ao trafico excessivo das estradas. Pediram-nos identificação e obrigaram-nos a usar os capacetes. teríamos passado sem a menor dificuldade, senão fosse a infeliz ideia do Diego de começar a filmar. A Sheilla teve que intervir, mostrando a sua identificação militar e responsabilisando-se por nos, e que por ser de um rank mais elevado, nos inibiu de qualquer problema.

São Diego fica a poucos quilómetros da fronteira Mexicana e da cidade de Tijuana. Do outro lado da fronteira, espera-me a península da Baja Califórnia. A minha próxima etapa de cerca de 1500 km por praias de mar azul e zonas de deserto árido, onde irei passar o natal e passagem de ano. Apesar de já estar na estrada há 4 meses e meio, estou bues de excitado coma passagem para o mundo latino, e com a sensação de que a viagem vai agora começar....

Nuno Brilhante Pedrosa
em San Diego, Califórnia, USA