Dia 288
Km 16780
Regressar ao México vindo de cuba o "choque cultural" foi bem diferente de quando atravessei fronteira da Califórnia para Tijuana. O México agora parecia-me um pais bastante desenvolvido e moderno. A Cubana de aviacion não só me cobrou uns exorbitantes 70 dólares pela bicicleta, como também teve a ousadia de me perder um dos alforges, o que me obrigou a passar uma semana no que deve ser a menos mexicana de todas as cidades mexicanas, e que deve a sua existência como fornecedora de serviços as dezenas de resorts situados ao longo da costa. Cancun è uma espécie de clonagem mal feita de uma cidade americana nos trópicos, sem a cor ou carácter que tanto caracteriza outras cidades mexicanas.
Ao quinto dia o alforge apareceu depois de uma aparente viagem equivocada até á argentina.
Os longos dias de espera alteraram-me o estado de espírito e decidi, mais uma vez, alterar os planos de viagem e pedalar directamente para sul em direcção á fronteira do Belize.
3 dias depois estava ás portas da América central. O contador marcava 16141 quilómetros.
-any fire arms?, perguntou o oficial da alfandega olhando para os alforges da burra. estava a entrar no único enclave inglês da América central e de regresso à língua inglesa, às milhas, pés, libras e todas essas medidas estranhas britânicas
-Armas?, não!
pediu-me para abrir os alforges. De um deles, saquei um saco de plástico com meia cebola, que não tinha usado na noite anterior quando acampei no meio da selva, duas bananas esborachadas um pacote de pasta, uma lata de feijões pretos e o meu estojo de especiarias. Convencido de que eu não era nenhum traficante de armas em duas rodas, indicou-me com a palma da mão que não era necessário tirar nada mais para fora e mandou-me seguir.
Passei as duas primeiras noites na cidade fronteiriça de Corozal, a absolver os sons e cheiros do novo país que acabava de entrar. Não havia muito para fazer na cidade além de conversar com os locais e perseguir o som da musica reage ao longo do paradão junto à agua. Se o vento soprasse na direcção certa, era possível ouvir uma musica completa de bob marley ao longo do passeio. O rio Hongo é a fronteiras natural entre os dois países, e as diferenças entre as suas margens são bem evidentes. A musica "ranchera" deu lugar à musica reage, as relativamente boas estradas mexicanas a estradas cheias de buracos quando não ensaibradas, e as bonitas casas ao bom estilo caribenho eram feitas em madeira e levantadas em paliçadas. Comunidades Garinfunas e Crioulas (descendentes dos escravos africanos naufragados) povoam toda a costa, enquanto que descendentes dos maias habitam as montanhas do interior.Dá a sensação de que o Belize foi uma ilha caribenha que encalhou na costa da América central.
E depois há chineses, libaneses, indianos e residentes europeus e norte americanos um pouco por todo o lado. Tudo misturado da um cocktail etnográfico com um sabor único na América central.
(Foto cortesia do steven)
Mas neste pequeno pais pouco maior do que o Alentejo há um outro grupo de pessoas que se destacam dos demais, pelo menos aos olhos do visitante.
Com pele mais branca do que um inglês, olhos azuis que nem os escandinavos, altos e fortes que nem os polacos e vestidos com trajes que lembram os filmes da colonização das Américas. Eles são os Menonites, descendentes dos colonos que deixaram a Alemanha no SEC XVII, e que ainda nos dias de hoje vestem trajes e falam um dialecto alemão dessa época. Existem menonites um pouco por todo o continente, mas em especial no canada Belize e Uruguai. Em Belize existem 3 "tribos" diferentes, e apesar de muitos deles já terem abraçado as tecnologias do mundo moderno, como è o caso da comunidade de "spanish outlook" que usam sofisticados tractores com ar condicionado no cultivo das terras (um grande contraste com o resto do pais que ainda é pouco mecanizado), ainda existem os que seguem a rigor as tradição dos seus antepassados, como è o caso da pequena comunidade em Barton Creek nas montanhas pine ridge, junto à fronteira com a Guatemala. Os membros desta comunidade de cerca de 200 pessoas ainda usam o cavalo como centro da forca laboral, não usam electricidade, televisão, electrodomésticos, transportes motorizados ou nada que seja considerado "moderno" na sua comunidade.
O homem constrói a casa em madeira com as suas próprias mãos e trabalha na lavoura dos campos. As função da mulher estão restringidas à casa e à família.
Existem uma terceira comunidade de moderados que vivem no norte do pais em Shipyard. Durante as minhas pedaladas em Belize tive Oportunidade de conhecer essas três comunidades.
Um dia um grupo de jovens menonites que conheci na estrada pareciam fascinados com a minha forma de viajar. -És um dos nossos, disse um deles. Eu sabia bem que não era verdade, mas nos dias que se seguiram, entretive os meus pensamentos pedalantes a imaginar como seria viver como eles. Seria capaz de abdicar de todas as coisas materialistas? Afinal de contas já abdiquei de muitas para fazer esta viagem. Enquanto que o mundo inteiro vive numa corrida desenfreada com a tecnologia, há os que ainda acham que è a própria tecnologia a causa de todos os males e preferem viver uma vida simples e pura.
Estamos no mês de maio, o mês mais quente e seco por toda a América central. O calor è quase insuportável para ciclo-turismo (em especial os que carregam 30 quilos de carga).
Optei por passar uns dias a descansar numa das muitas ilhas que se encontram ao longo da costa do Belize.
A ilha Cayo caulker è um pequeno paraíso e local de paragem para mochileiros e turistas independentes que viajam pelo "trilho da rota Maia" entre Guatemala e o México. Um lugar relaxado e seguro comparado com a de certa forma violenta e agressiva cidade de Belize city. Nomes como Tsunami travels, rasta pasta restaurant, shark tatoos e mantra tours dão um ar sugestivo à relaxada ilha de estradas de areia, onde apesar de não haver carros, existem sinais de trafico a dizer "go slow". Com o grande recife das caraíbas a ver-se no horizonte, a apenas a 800 metros para Este, "snorkling" e mergulho de botija são as actividades favoritas. Muitos são os que vem por uns dias e ficam semanas.
A barreira de recifes de corais estende-se desde o México até às Honduras ao longo da costa da América central, constituindo o segundo maior recife de corais do mundo depois do "great barrier reef" na Austrália. Mochileiros, turistas de pé descalço ou em pacote, marinheiros em barcos à vela ou navios de cruzeiros, milionários em busca da ilha privada paradisíaca e até o ocasional ciclista, são todos atraídos com íman às centenas de ilhas e ilhéus que brotam do mar das caraíbas ao longo da pequena costa do Belize.
Nas ilhas a população è maioritariamente garinfuna ou crioula e o cultura "rastafarian" ainda esta bem viva. Ouvir reage e fumar "ganja" parecem ser os 2 passatempos favoritos, apenas rivalizados por "hammocking", o desporto nacional numero um: balouçar em redes. Os locais favoritos são à sombra de uma árvore ou debaixo das suas casas construídas em estacas, mas qualquer sitio com sombra e brisa serve. Uma vez vi um camionista parado na berma da estrada com a sua rede estendida entre os eixos das rodas e a dormir uma sesta. Ou dias antes um camião ultrapassa-me revelando nas traseiras, um outro desportista de "hammocking" com a sua rede estendida entre os taipais da camioneta carregada de laranjas. Ao fundo junto à cabine, pude observar uma ventoinha enorme que mais parecia a turbina de um avião. Com certeza que è uma forma mais relaxada de viajar do que sentado num monte de laranjas numa estrada de saibro cheio de buracos, onde mesmo assim os motoristas conseguem atingir velocidades incríveis, mas requer muita experiência em "hammoking" para não ser cuspido camião afora.
3 dias depois estava de novo na estrada. Pedalava para sul pela "manatee highway", uma estrada de saibro vermelho que atravessava vastas zonas de selva e a ocasional área de cultivo. O trafico era muito ligeiro, mas a passagem de cada camião levantava uma nuvem de pó tal, que perdia a visibilidade por prolongados segundos. As camadas de pó iam-se acumulando sobre o meu corpo suado pelo calor infernal que se fazia sentir (43 graus!), e se não fosse pela suave brisa pensei que isto não deveria estar muito longe do inferno.
Essa noite acampei no meio da selva.
Quanto mais para sul viajo, mais densa e verde a selva é e maior a quantidade de sons e ruídos durante a noite. E simplesmente fascinante adormecer dentro da tenda a olhar as estrela e a escutar os sons da natureza ( a minha tenda tem uma "janela" em rede mosquiteiro que o permite).
Depois de 2 dias a comer pó pela estrada "manatee", cheguei a cidade portuária de dandriga mesmo a tempo de apanhar o único barco diário que existe para o ilhéu de Tobacco. Estava de regresso as ilhas do recife, mas o ilhéu de Tabacco iria ser um pouco diferente.
-Tens a certeza de que queres levar a bicicleta, perguntou o "capitão" Crock, o dono da pequena embarcação a motor, podes guarda-la naquela casa, disse, apontando para um casebre de madeira junto ao cais. Eu sabia que não havia estradas na ilha mas não intencionada separar-me da minha companheira de viagem.
Cayo Tobacco è um pequeno paraíso. Um ilhéu que brota mesmo sobre a barreira de recifes com 2 hectares de areia, 2 metros acima do mar, coberto de coqueiros e uma dúzia de casas de madeira, a maioria construída em paliçadas. Os cerca de 50 habitantes pertencentes a seis famílias são todos garinfunas. não há lojas, restaurantes ou mercearias, para além de um bar construído sobre a agua,onde salvo as ramas dos coqueiros, se pode saborear uma cerveja belikin com uma vista de 360 graus do mar das caraíbas.
-vais para longe com essa bicicleta?, perguntou um local que balouçava numa rede amarrada a dois coqueiros.
Com metade dos habitantes da ilha a rirem-se às minhas custas, empurrei a bicicleta pela areia,encostei-a a um coqueiro e fui dar uma volta pelo ilhéu.
Já visitei muitas ilhas, mas nunca tive uma sensação tão forte de estar numa "ilha" como aqui. Do centro da ilha, uma clareira com uma rede de voleibol atada entre dois coqueiros, fosse qual fosse a direcção que toma-se, não me levava mais de 3 minutos a chegar à agua. Quando se acaba a agua da chuva armazenada em enormes contentores pretos, o "capitão" crock traz-la da cidade de dandriga, assim como mercearias e outras necessidades. Durante a época dos furacões(entre Junho e Outubro), a ilha por vezes è evacuada, contou-me um dos residentes deste pequeno paraíso, pois as ondas do mar chegam a submergir a ilha. Como foi o caso do furacão Mitch em Outubro de 1998.
A burra parecia estar a sofrer de ´agoraphobia´, e ao segundo dia regressamos a dandriga e as estradas poeirentas.
Dias depois estava a pedalar por Belmopan, a capital. Uma aldeia com 8000 habitantes perdida no meio de um planalto quente e seco no interior do pais. Um capital estranha sem carácter e com um ar desértico.
Estou em san ignacio, cidade fronteiriça com a Guatemala e em breve irei mudar de direcao e pedalar para Este.
Já chega de calor e praias, estou pronto para enfrentar a cordilheira da america central, com o seu clima ameno e passes acima dos 2500 metros.
Fica encontro marcado para as majesticas montanhas vulcânicas da Guatemala...
Nuno Brilhante Pedrosa
San Ignacio, Belize
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6 comments:
Força aí Nuno!!! É uma delicia ler estes teus relatos... Venham essas fotos.
Boas Nuno! Tenho seguido as tuas aventuras e é assim que viajo (pelo menos de espírito). Continua a viagem e a descrição das paragens por onde tens estado.
Abraços
Boas, Nuno!
Estive no Belize em Janeiro, em muitos dos sítios onde tu foste. E acampei em Caracol, junto ao templo Maia, numa noite de lua cheia. Foi demais!
Continuação de boa viagem!
Abraço, Pedro Carvalho.
Boa Noite Nuno;
Vejo que continuas em força com a tua épica viagem. WQue inveja despertas em todos nós. Diverte-te
Abraço, Pedro Almeida
Continuo a seguir o teu iterenário. E gosto das descrições que fazes. Quando acabares a viagem, tens de passar para livro.
Grande Nuno, sou de Recife e tenho acompanhado sua viagem. Parabéns e que a força esteja com você.
Rodrigo
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