11.07.2006

No trilho de Oregon, pelo faroeste Americano (EUA)

Dia 99
Km 7080


o pacifico recebeu-me com ventos de 60km/h e chuva torrencial. os restos de um tufão, que inundou casas, partiu arvores, pôs postes de electricidade abaixo, e fez a minha condução simplesmente miseravel.
A apresentadora do bolhetin metrológico da fox TV, diz-me através do écran no quarto deste motel em Newport, que esta uma outra tempestade no mar a espera que esta passe, para atacar a costa de oregon. O Robin, um condutor de camiões, disse-me hoje, que e normal nesta altura do ano.
Com tanta chuva, ainda não consegui ver o pacifico, mas estou contente em estar aqui. Acabei de fazer, o que foi, provavelmente, a etapa mais difícil ate ao momento. Nunca me equivoquei tanto nos calculos de uma etapa, como nesta, entre as rocky mountains e a costa do pacifico. O que inicialmente , me parecia uma etapa de pouco mais 1000 kms, ou 10 dias, acabou por se transformar em 15 dias e 1536 km.

A estrada nacional 20 que me iria levar ate a costa atravessa vastos planaltos áridos,desérticos ou semi-desérticos, acima dos 1300 metros de altitude.
Nalguns vales, onde a terra e mais fértil, existem aldeias e cidades agrícolas industriais. Mono culturas, que se estendem no horizonte ate perder de vista.
Passei por Idaho Falls... uma típica cidade Americana. Avenidas de néons, que se estendem por vários kms, com as mesmas lojas e restaurantes em todas as cidades. Selvas de cimento sem cor ou caracter.
O que e que destingue esta cidade da próxima?
A aproximação a cada cidade americana, já me e familiar, com a mesma Mc Donalds, o mesmo Burguer King, KFC, Wal-Mart, etc. Centros comerciais, cheios de pessoas, metade delas obesas, vestidas com a mesma moda, vendo os mesmos filmes de hollywood e a comer a mesma "junk food". Um pais com tanta diversidade, unido pela cultura "pop" americana. No entanto, olho-os na cara, e cada um parece-me vir de uma parte diferente do mundo.
Aqui compram-se armas no supermercado, e se partires um braco e não estiveres abrangido por um seguro medico privado, tens que pagar a conta!
Depois de Idaho Falls, a EN 20, atravessa um planalto seco e desértico, que se estende por mais de 100 kms. O primeiro, das varias zonas de deserto que iria atravessar, a caminho da costa do pacifico, quase sempre pelo trilho de oregon. Um sinal na estrada dizia: you are entering Idaho National Laboratory" De inicio nao percebi.. Um laboratório no deserto?
2 Kms depois um outro sinal dizia: visit INB-I, world first nuclear plant".
Olhava para todo o lado, e o que via, era apenas deserto.
Pedalei todo o dia, por esta imensidao de terra plana e seca onde em ambos os lados da estrada podia observar placas, cada 10/15 metros, a dizer: "Não prespassar, propriedade do estado americano, multa ate 5000 dólares, INL".
Pareceu-me sensato respeitar os sinais, e pedalei ate ao entardecer, em busca de um local para acampar. Finalmente, já depois do por do sol, encontro um sitio, junto, ou melhor, dentro do "lost river". Nome apropriado, pois era um rio de leito seco, que eu aproveitei para montar a tenda, abrigando-me do vento, e que partilhei com a bicharada do deserto; coiotes, coelhos pigmeus, e em particular com uma espécie nova para mim, um híbrido entre esquilo e rato de olhos grande e pretos, que visitou a tenda durante a noite.
Ao entardecer, o que estava escrito numa outra placa, foi tema central dos meus sonhos (ou pesadelos?!) dessa noite. desde 1949, mais de 50 reactores nucleares foram construídos neste deserto que me rodeava, mais do que em qualquer outra parte do mundo.
No dia seguinte fiz uma etapa pequena, apenas 70 kms, ate ao parque nacional craters of the moon, parando para almocar na pequena aldeia de Arco, perdida no meio do deserto.
Atomic burguer, era uma das especialidades da casa. Optei por um cheese melt, uma outra variante de hanburguer, Camorfulado com um nome diferente, e servido em pão de tosta. A jovem empregada que me o serviu, disse-me que Arco, foi a primeira cidade do mundo a ser iluminada com energia nuclear.

"craters of the moon national monument", herda o nome das formações geólogicas únicas e pouco usuais. Uma enorme área de actividade vulcânica, que perpetuou as suas actividades deixando uma paisagem lunar. E um local turístico, mas mais uma vez, ando fora d'época (não sabia que também havia épocas turísticas no deserto!)e acampei no parque de campismo lunar, apenas com duas outras auto-caravanas
Os dias que se seguiram, foram bastante difíceis, não pelo rigor do terreno, que foi quase sempre plano, mas pelo vento quase ciclónico, e pelas noite mais frias que jamais alguma vez acampei. A monotonia da paisagem também não ajudou.
Por vezes tinha a sensação de que a bicicleta estava levantada no ar, e por mais que eu pedala-se, a paizagem era sempre a mesma. A estrada parecia interminavel, com retas de 20 e 30 kms sem interrupcao.
Por vezes a monotonia era tanta, que tinha dificuldade em entreter os meus pensamentos com algo racional. Entretinha-me com as cenas mais ridículas como:quantas pedaladas dava cada 100 metros ( conclui que no final da viagem terei dado 15 milhões de pedaladas), ou quantos kms tinha uma recta absoluta, ou com os sons de um insecto, que a semelhança de um certo pássaro no canada, gostava de voar ao meu lado durante tempos, fazendo um barulho algo semelhante a uma moto. e ate parecia que punha mudanças, pois fazia sons diferentes de acordo com a velocidade. e isto não era uma alucinação do deserto, pois ja tinha encontrado esses insectos nas rocky mountains.
A EN20, em partes do seu percurso segue o trilho de oregon. A famosa rota usada pelos emigrantes europeus, em busca de terras mais férteis para colonizar. um percurso de mais de 2000 kms,que levava 5 a 6 meses a percorrer, por terras de índios hostiles e desertos áridos.Entre 1840 e 1870, mais de 240 mil colonos usaram esse trilho.

Foi perto das crateras da lua, que Tim Goodale, um conhecido homem das montanhas, juntou um "comboio" de 338 carrocas, 1095 pessoas e 2700 cabecas de gado, e desbravou o deserto árido e os hostiles índios Shoshon, a caminho do faroeste americano.
No dia seguinte, também eu iria desbravar um pouco as hostilidades do faroeste, nao na forma de confrontos com alguma tribo nativa, ou estradas rochosas, mas sim com um vento quase ciclónico, que me obrigou a refugiar-me na aldeia de Mountain Home. Uma das cidades agrícolas do fértil vale de Boise, conhecido pelos locoais como "treasure valley".
Eu prefiro chamar-lhe vale das cebolas, pois passei por zonas de cultivo de cebolas que se estendiam por dezenas de kms. 24000 camiões da Tir cheios de cebolas, circulam pelas estradas americanas em cada época. O "vale das cebolas", levou-me 3 dias a atravessar, por estradas do campo, tentando contornar o vento que soprava de noroeste.
A EN20 sobe o vale das cebolas, para entrar de novo no deserto de altitude, já no estado de Oregan. Esta Zona chamada "high desert", com mais de 400 kms de extencao, de este para oeste,e daquelas partes de uma viagem que a maioria das pessoas prefere não fazer, ou fazer a 100km/h e de preferência durante a noite, tal a monotomia da paisagem. Para um ciclista que nao tem alternativa, e mais uma daquelas partes de uma viagem que embriaga a mente e deixa o rabo dormente.
Km apos Km de Nada!

Mas ate nesse 'nada' existe alguma beleza, por vezes, quando o ruído dos motores do pouco trafico desaparecia no horizonte, parava a bicicleta e escutava o silêncio ou o assobiar do vento e comtemplava a vastidão do deserto.
tal como Wallaice Stegner disse: " ...para compreender o faroeste, tens que passar para la da cor verde. Tens que dessistir de associar a beleza com jardins e relvados...".
E depois há os encontros imprevistos do deserto, que quebram a rotina da pedalada, como num dia uma carrinha abranda ao meu lado, e sem parar, o vidro baixa, revelando a cara de um preto que com um sotaque forte dos estados do sul, me pergunta:
- do you know where is the prison, man?
Prisao? por estas bandas?, pensei.
- No, I'm on vacation. Not from here, pal!
A cara escura desapareceu por detrás do vidro e o carro acelerou a fundo, deixando uma nuven de fumo preta na minha cara.
O que e que o fez pensar que um ciclista carregado com 20 kg de tralha a pedalar no meio do deserto, iria saber onde e essa tal prisao? Sera que lhe ocorreu que eu fugui dela em bicicleta?

Ao entardecer procurei um local para acampar, o que não seria difícil com tanto "nada".
Na minha viagem pelo médio oriente em bicicleta, acampei inúmeras vezes no deserto, e sabia que as noites podiam ser frias,mas nada me preparou para essa noite. Estava tanto frio que decidi cozinhar dentro da tenda.E apesar de dormir vestido dentro do saco de cama ( conforto -7 graus), a meio da noite acordei com frio. Olhei para o termómetro. Indicava menos 10 celcius ( dentro da tenda!!), liguei o aquecimento central (o fogão) e resolvi fazer um café, mas a agua estava completamente congelada. Com a navalha Suíça, corto o plástico e retiro o bloco de gelo. Enquanto o gelo deretia ao lume, pensava no que fazer a seguir.
Decidi fazer uma fogueira com os ramos de uns arbustos secos, mas o frio era tanto que, enquanto o fogo me aquecia uma parte do corpo, o frio gelava a outra.
Resolvi regressar ao conforto do meu saco de cama e do aquecimento central da tenda e esperar pelo amanhecer. Essa manha as 8.30h, apesar do esforço do sol em aquecer a terra, ainda estavam 5 graus negativos.
Parti pela paisagem desértica, pelo menos o exercício aquecia-me um pouco o corpo. Qual não foi a minha alegria ao ver umas bombas de gasolina com um restaurante, logo nos primeiro kms.

Ao entrar no restaurante, a dona comprimentou-me:
-Good morning survivor, coffee I bet?
- did you know, you've camped at minus 15?
Como já há 2 dias que não falava com ninguém, para alem de comigo proprio e da curta conversa com o preto, passei toda a manha na conversa com a senhora e alguns camionistas que por ali iam passando.
Cheguei a Bend na noite de halloween, um dos festivais mais celebrados no calendário americano. Depois do frio que rapei na noite anterior, nem hesitei em procurar um motel. No dia seguinte levei a Kona fire mountain ( a marca da bicicleta),a uma oficina para trocar a roda traseira que se tinha rachado no dia anterior, lateralmente no aro, sem eu saber bem como ou porque. (de notar que essa mesma roda, já tinha feito 12000 kms de leiria ao egipto sem alteracoes mais 6000km nesta viagem) aproveitei para trocar o pneu traseiro para a roda da frente, e por um novo na roda de tras (um outro shwable marathon) .
No dia seguinte, completamente restabelecido, ataquei o ultimo passe desta interminavel etapa, o Santiam pass a 1517 metros, que atravessa as "cascade range", a cadeia de montanhas que separa a costa do pacifico com os planaltos do interior de oregao e washington.
Do topo do passe, foram uns fantásticos 40km de downhill, dos quais 18 kms a 6%, sem interrupção, ate a zona costeira do pacifico.
A paisagem mais uma vez, mudou radicalmente. De paisagens aridas e secas, para florestas humidas, densas,verdes.......e muita chuva!
A supreendente hospitalidade americana tem sido uma grande ajuda a superar estas fases da viagem um pouco mais duras. Como foi o caso do Skip e da Kelly em Corvallis e da família Dobson, aqui em Newport. Excelentes anfitrioes, neste pais, nem sempre pintado com as cores merecidas.
Estou de novo na estrada pan americana (nos estados unidos e a highway 101 ), e a Califórnia, com o seu clima Meriterrâneo esta mesmo aqui ao lado. E mesmo para la que vou a seguir...


Nuno Brilhante Pedrosa
em Newport, Oregon, USA.

1 comment:

Anonymous said...

Vai dando noticias, rapaz. É um prazer lêr sobre as tuas viagens.