6.30.2008

El Alto a nova metropole Boliviana (Bolivia)

Os nossos planos de cicloturismo para o país são muito ambiciosos com etapas de enorme esforço físico e mental entre elas a travessia dos impressionantes salares de Coipasa e Uyuni, os 2 maiores e mais altos "lagos de sal" do planeta, o sudoeste do altiplano incluindo a laguna colorada e a subida em bicicleta ao topo do vulcão Uturunco (6020m), a "carretera de la muerte" intitulada pelo departamento de turismo Boliviano como "a estrada mais perigosa do mundo" e na fase final dos 3 meses que planeamos pedalar na Bolívia sair do país pelo rio Mamoré num barco construído por nós e adaptado as bicicletas entrando no Brasil pela "porta das traseiras" do estado da Rondônia.

Mas antes de nos aventurarmos nessas etapas de cicloturismo de adrenalina "pura e dura" tínhamos que cumprir com as formalidades aduaneiras e encontrar alguém que nos carimbasse os passaportes. Na fronteira de Janko Janko junto ao lago Titicaca que acabávamos de atravessar não havia vivalma em redor. Damos início às nossas primeiras pedaladas no país por um caminho sinuoso que se assemelha mais a um caminho de animais do que a uma estrada fronteiriça.





11 km depois chegamos á pacata aldeia de Puerto Acosta. Dirigimo-nos de imediato á estação da policia a anunciar a nossa entrada no país. Um funcionário indica-nos que o próximo posto de emigração se situa em La Paz a 190 km dali e num antiga maquina de escrever imprime a seguinte declaração:

Trocamos os pesos Chilenos por Bolivianos na mercearia da aldeia e alojamo-nos no hotel 5 de Noviembre onde estavam também alojados 2 militares que já meio embriagados nos deram um introdução geo-politica do país. Acabávamos de entrar na Bolívia numa altura de grande instabilidade politica. As reformas de nacionalização da industria Boliviana aplicada por Evo Morales, o "presidente Cocalero", como é conhecido pelo seu apoio aos agricultores da planta de Coca, está a dividir o país entre a maioritária população indígena que vive no altiplano e as províncias mais ricas e produtivas do oriente do país que recentemente proclamaram autonomia através de vários referendos.

Manifestações diárias com vias obstruídas por todo o país que dificultam a distribuição dos alimentos básicos, a consequente subida de preços dos mesmos e escassez de combustível são apenas alguns dos problemas que a população enfrenta e que iriam de alguma forma afectar os nosso planos de viagem nas próximas semanas.
Seguimos viagem rumo a La Paz





El Alto

Tentávamos em vão afirmar a nossa presença por entre os milhares de pessoas, mini-buses e carros que preenchiam todos os espaços disponíveis da larga avenida. Manter o equilíbrio era difícil e pedalar simplesmente impossível. O som ensurdecedor das buzinas dos carros, dos vendedores ambulantes dos ajudantes dos mini-buses a gritar " La Perez La Perez, un boliviano, sube, sube, sube, sube!!!". Olho para a cara aterrorizada da Joana. Levamos uns bons 20 minutos a atravessar a avenida e furamos por um labirinto de mercados de rua. Observo um rapaz com a cabeça tapada por um capuz negro deitado no passeio a engraxar sapatos, a sua entidade escondida pelo estatuto do seu trabalho, ao lado uma "cholita" (mulher Andina Boliviana) que vendia quinua quente. O sol tinha acabado de se pôr detrás do gigantesco aglomerado de casas inacabadas e o frio do altiplano fez-se sentir de imediato.

Procuramos durante horas um "alojamiento", haviam dezenas deles, mas nenhum parecia preencher os nossos requisitos: duche de agua quente. Tínhamos acabado de concluir mais uma etapa de cicloturismo e desde a cidade de Puno no Peru que não tomávamos banho de agua quente. O consenso era unânime, nesta gigantesca "aldeia" rural de mais de um milhão de habitantes só havia um hotel digno do nome, o hotel Alexander. Pela primeira vez na viagem hospedamo-nos num hotel "de luxo". Porteiro para levar as malas ao quarto, porteiro para levar as bicicletas á garagem, porteiro para me acompanhar à caixa multibanco e até porteiro para nos acompanhar á estação de autocarros para La Paz(será que isso existe??), sauna, discoteca com bebidas oferecidas pela gerência e uma suite no sexto andar com vistas para a caótica cidade.

Tudo isto por apenas 10 dólares por pessoa, o mesmo preço que muitos mochileiros pagavam por uma simples hospedagem no centro de La Paz a apenas 30 minutos de mini-bus dali. No conforto da nossa suite observávamos o caos humano nas ruas da cidade. Nos 3 dias anteriores desde Puerto Acosta, tínhamos pedalado no altiplano Boliviano passando por inúmeras aldeias onde por vezes parecia haver mais casas abandonadas do que casas habitadas. A deserção humana do frio e agreste altiplano para as cidades é um fenómeno recente e para milhares de pessoas o destino é El Alto.







A cidade com o maior índice de crescimento de toda a América do Sul, cuja população já ultrapassa a da própria capital, La Paz. A razão porque escolhemos alojar-nos em El Alto e não em La Paz como todos os turistas fazem foi simples: não queríamos descer e voltar a subir os 500m de desnível que separam as duas cidades e aí tínhamos um contacto de uma casa de ciclistas. Na manha seguinte (acompanhados pelo porteiro!!) enfrentamos de novo o caos humano e procuramos um mini-bus para La Paz onde no dirigimos à emigração a anunciar a nossa presença no país onde sem quaisquer objecção obtivemos um visto de 3 meses de permanência no país.

La Paz esta situada num enorme canyon suprimida entre a cordilheira real a oriente e o altiplano a ocidente, a 3600 metros de altitude, é a capital mais alta do mundo e também um "mundo" á parte da cidade satélite de El Alto "pendurada" 500 metros mais acima na sua encosta noroeste e desprotegida dos ventos frios do altiplano. Os contrastares entre as duas cidades são enormes. El Alto faz lembrar uma gigantesca aldeia de campesinos andinos que se "protegem" da árdua e dura vida do altiplano por detrás dos seus mercados de rua e casas inacabadas montes de lixo e trafico caótico. La Paz na verdade foi uma decepção. Ao contrario do que eu imaginava, o centro capital mais alta do mundo è bastante sofisticado e moderno e apesar do constante pano de fundo das montanhas cobertas de branco da cordilheira Real a cidade não revelou muito carácter próprio.



Caminhar pela avenida do Prado, fez-me lembrar, por vezes, as avenidas lisboetas e a única parte "antiga" da cidade em redor à catedral de San Francisco estava tão cheia de lojas de sovenirs e turistas com ar de quem tem falta de ar pelo ar refeito da altitude, que bem que poderia ser um enorme mercado de artesanato em qualquer cidade da América latina.

Casa de ciclistas de La Paz

A Vilma e o Jesus, um casal de ciclistas profissionais veteranos já acolhem cicloturistas em sua casa há cerca de 20 anos e fazem parte de uma vasta rede de alojamento gratuito para cicloturistas que existe por poda a América Latina. A sua amável e carinhosa hospitalidade levou-nos a ficar em sua casa por quase uma semana. Dias passados a explorar a caótica cidade de El Ato, algumas visitas a La Paz ou apenas a desfrutar da sua amável companhia.

Um dia depois da antecipada chegada do meu novo computador de bicicleta, partimos rumo a Oruro. Um grande agradecimento à Lynn Pilgrim e á "Chivas Coffee Rosters" em Santa Fé nos Estados Unidos que tiveram a amabilidade de me enviar um novo altímetro e outras deliciosas delicacias, e que tem ao longo dos meses sido um suporte inigualável nesta viagem.

Oruro

Foram 3 dias de ciclismo fácil e monótono de La Paz até Oruro através do altiplano situado acima dos 3500 metros de altitude.


No segundo dia do percurso a Joana, pela primeira vez na sua viagem, termina o dia com 3 dígitos no conta-quilómetros e acampamos a 30 kms de Oruro numa mina abandonada onde experienciamos pela primeira vez as noites frias do altiplano. Os 5 graus negativos que se fizeram sentir obrigaram-nos a cozinhar dentro da mina numa atmosfera um pouco surreal.

Somos recebidos à chegada a Oruro por um cartaz do Sherlock Holmes, um enorme capacete de um mineiro que mais parecia uma nave espacial e diversas esculturas em cobre que assinalavam as fortes tradições mineiras e carnavalescas da cidade.

Oruro é uma cidade mineira bastante agradável onde passamos vários dias a preparar a nossa primeira grande etapa na Bolívia: a travessia dos salares de Coipasa e Uyuni em autonomia. Uma etapa que promete muita aventura e paisagens deslumbrantes e que será relatada na próxima crónica em forma de diário

Eu e a Joana a pedalar sobre o lago de sal Coipasa

Nuno Brilhante Pedrosa
Oruro, Bolivia.

Acompanhem esta aventura tambem atraves dos olhos da Joana em movimentos constants

6.04.2008

Machu Picchu, Cusco e o lago Titicaca (Peru)

Machu Picchu

Foi uma curta e árdua subida. O nevoeiro matinal não permitia ter a noção da dimensão da gigantesca paisagem que nos rodeava e limitava a nossa visão a escassos metros. Não havia margem para erros, o trilho outrora calcorreado pelos Incas a caminho dos seus campos de cultivo em terraços na escarpada encosta de Waynapicchu eram agora recalcados por milhares de visitantes anuais que subiam ofegantes ao seu topo para obter as melhores vistas das sumptuosas ruínas Incas de Machu Picchu.

Motivados a fugir as multidões ou talvez pela nossa excelente forma física, fomos dos primeiros a chegar ao topo de Waynapicchu. Esperámos no frio húmido da manha que as cortinas de neblina se dissipassem e observámos o espectáculo da natureza que nos rodeava. Machu Picchu era a ultima das 7 novas maravilhas do mundo que me faltava visitar, e ao contrario de Chichén Itzá no México ou do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, Machu Picchu merece sem hesitação esse titulo honorifico, não só pelas ruínas em si, mas principalmente pela sua localização.




O rio Urubamba ao longo dos milénios esculpiu a terra criando um profundo canyon, ziguezagueando entre escarpadas montanhas. Na encosta solarenga de uma delas os Incas construíram mais uma das suas muitas cidades Andinas: Machu Picchu. Construções em pedra esculpida na perfeição, complicados sistemas de irrigação e uma sociedade com ideologias que se assemelham ao socialismo moderno. Uma harmonia perfeita entre o convívio do homem com a natureza. Este " Shangri-La" Andino estava tão bem localizado na "ceja de la selva" que os espanhóis durante a sua longa colonização nunca a encontraram- apesar de terem conhecimento dessa cidade perdida dos Incas.


Passamos outra noite no que deve ser a cidade menos peruana do Peru, Águas Calientes, construída com a exclusiva função de dormitório e refeitório para os milhares de turistas que visitam as ruínas, e regressamos a Cusco pelo mesmo caminho por onde viemos, isto è, caminhando pelas linhas do caminho de ferro até à central hidroeléctrica (10 km) e depois em varias viagens de autocarro até Cusco, via Santa Teresa e Santa Maria.


A forma mais barata de visitar Machu Picchu (60 Soles ida e volta) e quebrando o arrogante monopólio da Perurail, a companhia Chilena que opera o único contracto de transportes entre Cusco e Águas Calientes e que cobram preços proibitivos pelas passagens de comboio- 73 dólares!

Cusco

Os 8 dias que passei em Cusco foram dias de relaxe e descanso. Não estávamos interessados em coleccionar bilhetes de museus ou outras atracções turísticas. A nossa ultima etapa de ciclismo tinha sido extremamente dura, deixamo-nos apenas ensopar pela atmosfera da cidade e dos confortos ocidentais que ela oferece. Apesar de Cusco ser uma das cidades mais turísticas de toda a América do Sul, ainda consegue reter algum do seu charme. È um prazer divagar pelas estreitas e inclinadas ruas de calcada romana (e Inca) e observar a fusão arquitectónica entre o colonialismo espanhol e as construções Incas, muitas delas fundações para edifícios coloniais.



Joseph, um motard Austriaco a viajar pela America do Sul. Hospedaje Estrellita.


De Cusco a Puno

Estava na altura de partir de novo, desta vez sozinho. A Joana iria ter comigo a Puno de autocarro. Estávamos ansiosos por sair do Peru e a Joana havia decidido que o altiplano e a estrada com tráfego intenso não mereciam o labor das suas pernas. A saída de Cusco pela EN3 foi bastante fácil. Um suave downhill de 35 km até Huacarpay continuando num ligeiro sobe e desce quase sempre junto ao rio Vilcanota. Depois da dura etapa entre Ayacucho e Cusco pedalar nesta estrada, que apesar de estar acima dos 3500 metros tem suaves inclinações, foi como "pisar manteiga".

Termino o dia em Sicuani com 141 km no conta-quilómetros. Na simples hospedagem Sr de Huaca onde me alojei conheço o Kiby e a Dasa, 2 ciclonautas Eslovacos já com largos milhares de quilómetros percorridos em varias viagens de cicloturismo. Desta vez numa viagem de 3meses ao Peru, Bolívia e norte do Chile. Passei uma noite muito agradável na sua companhia, regada com cerveja Cusqueña e alguns "shots" de aguardente caseira (69 graus) que o Kiby tinha trazido da Eslováquia e transportava nos seus alforges. Iria voltar a encontrar-los em Puno dias mais tarde.

Na manha seguinte regresso ao alcatrão decidido a chegar a Puno em dois dias (260 km). A estrada sobe suavemente ao passe Abra la Raya, a 4312 metros de altitude è o ponto mais alto no percuso entre Cusco e Puno e a entrada para o vasto altiplano andino que se estende por varias centenas de quilómetros, para alem da fronteira Peruana terminando apenas no sudoeste da Bolívia. Eu e a Joana iríamos pedalar por esse frio e desolado altiplano, situado entre os 3700 e 4000 metros de altitude, durante as próximas semanas.








Pedalar sozinho pelo fria e árida paisagem, com longas e planas rectas e cenário monótono, os dias tornam-se longos e intermináveis, deixando o rabo dormente e a mente entorpecida.
Passei pela cidade de Juliaca, um gigantesco Lego em tijolos de construções inacabadas, caótica e suja, no meio do desolado altiplano. Juliaca foi provavelmente a cidade Peruana mais caótica, feia e desorganizada que conheci. Parecia uma cidade do pós-holocausto, cheia de vida mas sem carácter, ordem ou sentido, e com um numero invulgar de bicicletas-táxis.




Ao terceiro dia e com 400 km percorridos, chego à cidade de Puno, na margem Oeste do lago Titicaca. Puno è pouco mais agradável do que Juliaca. Mais uma cidade Peruana feia, caótica, suja e desorganizada, onde as construções de casas são feitas como se quer (e se pode), sem qualquer planeamento urbanístico, algo tão característico nas cidades do Peru.



Hotéis Peruanos

Cheguei a Puno já de noite. Tinha pedalado 147 km e estava exausto. Subi as escadas do hotel Jesus, o recepcionista informa-me que não tem quartos disponíveis, mas instantes depois disse que havia um quarto vazio que apenas necessitava de ser limpo e que podia alugar por 15 Soles(3.5 euros). A incrível rapidez com que "limpou" o quarto deixou-me desconfiado. Levantei as mantas e uma mancha molhada no lençol sobressai aos meus olhos perplexos. Parecia a "prova do crime" de algum acto sexual recente. Questiono o empregado porque não trocou os lençóis. "A maquina de lavar esta avariada", respondeu com um ar desinteressado. Pedi-lhe que mudasse os lençóis enquanto eu subia os alforges e a bicicleta. Quando reparei que tinha mudado apenas o lençol de baixo, exigi-lhe que muda-se o outro lençol ou não ficaria no hotel. Resignado muda o segundo lençol. Estava exausto e sem vontade de procurar outro hotel. Dormi no meu saco de cama e na manha seguinte mudo de hotel.

O seguinte hotel, cujo nome não me recordo era uma pensão familiar, limpa e com certo carácter. A simpática dona mostrou-me o quarto cujo chuveiro eléctrico não funcionava. Peço à senhora que resolva a situação enquanto eu ia esperar a Joana ao terminal de autocarros. Regressamos ao hotel pela tarde e para nossa surpresa estava fechado! Batemos à porta, insistindo varias vezes. Passado algum tempo, observamos pela janela de vidro da porta, um homem completamente bêbado cambaleando pelo corredor dirigindo-se à entrada. Não consegue abrir o ferrolho da porta e sem dizer uma palavra desiste e desaparece pelo escuro corredor deixando-nos ali plantados à entrada do hotel. Volto a bater na porta e o homem volta a tentar abrir a porta sem sucesso desaparecendo de novo. Estávamos a desesperar. À terceira tentativa, com a ajuda das minhas instruções, consegue abrir a porta e mais uma vez desaparece sem dizer palavra deambulando entre as paredes do corredor. Recolho a minha bagagem e bicicleta e partimos em busca de outro hotel. Desta vez o hotel Inti, por 25 Soles por noite( 3 euros cada um). Este hotel oferecia um quarto decente e duche de agua quente. O que não fomos informados è que as 24 horas de agua quente garantidas no letreiro e pela recepcionista, estavam sujeitas aos humores solares (funcionava a energia solar) e tendo estado uma tarde de chuva, o tão desejado duche teve que esperar mais um dia.
Estava na hora de sair do Peru!

Nas 108 noites que passamos no pais, 26 foram na nossa tenda em campismo ao acaso sem quaisquer problemas, 22 em casas de famílias que nos acolheram e as restantes 60 em hotéis. "Hotéis" baratos nos mais variados estados de existência, hotéis limpos e hotéis sujos, hotéis com carácter e hotéis barulhentos, hotéis sem electricidade ou agua canalizada, hotéis com chuveiros eléctricos que dão choque, hotéis em que a recepção e os seus sofás ali presentes estavam criativamente forrados com embalagens de papel higiénico "suave", a versão Peruana de Scottex. e uma vez até um quarto de hotel sem porta!
O conceito de hotel (barato) Peruano parece resumir-se a um espaço entre quatro paredes (pintadas ou por pintar), um tecto e uma cama, cuja função è apenas de proteger o hospede dos elementos da natureza.

Em redor do lago Titicaca

Planeávamos entrar na Bolívia pela remota fronteira de Puerto Acosta, contornando o lago Titicaca pelo lado Peruano a Norte e posteriormente a Este passando por Taraco, Huancanè, Moho e Tilali. Uma rota completamente fora do circuito turístico, com muito pouco tráfego e da qual tínhamos pouca informação. Segundo o nosso guia, não existia posto de imigração nessa fronteira, portanto tínhamos que carimbar os passaportes em Puno ( carimbo de saída do Peru) e sabe-se lá onde no lado Boliviano, talvez apenas na capital La Paz, a 420km de Puno.

A jovem rapariga do posto de informação turística de Puno desaconselhou-nos essa fronteira por causa da actividade contrabandista e dos confrontos desses com as forças policiais. No entanto o departamento de emigração em Puno não pôs nenhuma objecção ao nosso itinerário e -a nosso pedido- carimbou os nossos passaportes com o selo de saída com 4 dias de avanço, o tempo que julgamos necessitar para chegar à fronteira.

Saímos de Puno pela manha sob um céu azul e sol forte pedalando pela estrada norte que em partes estava obstruída com vidros e pedras grandes. Havia um "Paro", greve, na cidade e as estradas estavam bloqueadas ao tráfego. A população local reclamava as grandes subidas dos preços dos alimentos básicos. Só o arroz, como nos contou um comerciante, tinha subido cerca de 60% nos últimos 3 meses. Por estas bandas (e em particular na Bolívia) a forma mais comum de protesto è bloquear as vias publicas, algo que cicloturistas acolhem com entusiasmo. Foi um prazer pedalar essa manha sem o ruído dos carros.


Ao final da tarde chegamos à península de Capachica e as margens do lago de Titicaca, onde acampamos com excelentes vistas para o lago sagrado dos Incas. O lago Titicaca a 3812 metros de altitude è o lago navegável mais alto do mundo e local de nascimento, segundo a lenda, da civilização Inca na isla del sol . Com 204 km de comprimento e 65 km de largura, esta massa de azul marinho dá vida ao vasto e seco altiplano. Nas margens do lago ainda se vive segundo as culturas quechua e aymara cujos costumes e tradições pouco mudaram ao longo dos séculos.






Aldeia de Moho

Com o aproximar da fronteira o tráfego ia diminuindo e depois de Moho, de facto, não passou um único veiculo por mim. Ao quarto dia chegamos à pequena aldeia fronteiriça de Tilali, abrigada numa pequena baía onde passamos a nossa ultima noite no Peru.


Fronteira Janko Janko



2 km a sul de Tilali por um caminho de terra batida encontra-se o posto fronteiriço Peruano. Uma pequena casa ocupada por 2 oficiais e um pau de madeira de madeira no caminho para obstruir a passagem. Paramos para mostrar os passaportes e um pouco de conversa com os simpáticos aduaneiros, que nos contam que o único movimento que parece existir naquela fronteira era à quarta-feira e domingo, dias da feira de contrabando no cerro Janko Janko a 2 kms dali onde se situava a verdadeira fronteira. O resto da semana não havia vivalma, contaram. O mercado de contrabando è maioritariamente de mercadorias baratas Bolivianas, incluindo gasolina já que o Peru tem os preços de combustível mais elevados da América do Sul.

2 kms de subida bastante acentuada e chagávamos ao cerro Janko Janko. Um obelisco assinalava a divisão entre os dois países e um aglomerado de casas de pedra vazias confirmavam a existência desse mercado bi-semanal. A Oeste o imenso azul do lago Titicaca. Não havia vivalma nos arredores. Paramos durante bastante tempo a contemplar a beleza da paisagem e o silencio absoluto. Esta era a fronteira (legal) mais calma e tranquila que alguma vez atravessei nas minhas viagens. Tínhamos acabado de dar as ultimas pedaladas no Peru e estávamos ansiosos por desvendar outro pais nesta viagem.




Hasta la vista Peru!

O Peru tinha sido o país mais difícil da viagem até ao momento. È um país de fortes contrastes, intenso e de grandes desafios. Ofereceu das paisagens naturais mais bonitas de toda a viagem, em especial dos seus impressionantes canyons, vales profundos e cordilheiras brancas. A cordilheira Andina Peruana proporcionou grandes desafios físicos para cicloturismo. Mas foi o factor humano que maior desafios ofereceu.

As cidades Peruanas -excepto as Plazas de Armas e centros históricos- são caóticas, sujas e autenticas aberrações arquitectónicas, insultos a beleza da paisagem que as rodeia. Os encontros no percurso, principalmente mas zonas rurais, foram intensos e cansativos e a comunicação limitada. Os "buenos dias" na rua ou o "buen provecho" nos restaurantes ficavam, muitas vezes, sem resposta, os jovens eram muitas vezes intrusivos e a sua curiosidade invadia a nossa privacidade mais do que parecia ser aceitável pelo senso comum, e o abusivo piropo à Joana eram uma constante mesmo quando eu pedalava ao seu lado.

Conhecemos também muitas pessoas maravilhosas, algumas delas acolheram-nos em suas casas e partilharam da sua amável e sincera hospitalidade. Momentos que recordamos com muito carinho. Mas não deixo de sentir que a paisagem humana no Peru è como a sua paisagem morfológica com altos que te permitem ver coisas únicas e te fazem sentir privilegiado e os baixos, onde te sentes cansado e onde nada do que observas te agrada. E ao contrario de Cuba ou Colômbia, onde o factor humano foi o impulsionador das minhas pedaladas, no Peru foi o espectáculo paisagístico que compensou toda a dureza física e humana.

Ao escolher a bicicleta como meio de transporte, estou por opção, a expor-me ao meio e a aproximar-me dos seres que povoam a paisagem que vou percorrendo. Mas no Peru os contrastes humanos aos quais estive exposto, lembraram-me o quão altas podem ser as barreiras sociais e culturais e o quanto esses factor influencia como desfrutas do país. Com mais um carimbo de saída no passaporte, resta-me apenas dizer:
Hasta la vista Peru!!!

Nuno Brilhante Pedrosa
La Paz, Bolivia.