7.22.2007

La ruta Lenca e a tentativa de roubo (honduras)

Nunca è boa ideia atravessar uma fronteira num domingo. Os horários são mais relaxados e a fronteira pode fechar mais cedo do que o costume sem aviso prévio, e se tiver trafico suficiente para ter um banco, provavelmente estará fechado, alem de que os oficiais da alfandega estarão chateados por ter que trabalhar ao fim de semana e com menor tendência para acreditar na minha historia de que ando a pedalar pelas crianças da APPC-Leiria.
Mas já estava em El Salvador há 9 dias e apesar de parecer pouco tempo era mais do que suficiente para aquele pequeno e pouco atractivo pais.

Com as primeiras pedaladas nas Honduras, o pais pareceu-me de imediato diferente de El Salvador. As casas eram mais velhas e simples mas bem cuidadas, a estrada em boas condições e sem trafico, os vales mais abertos e as montanhas mais altas. Ao inicio a estrada seguia um vale onde um pequeno rio navegava por entre os pinheiros, com relvados nas suas margens. Lugares de picnic coloridos pelo lixo deixado pelas famílias.Os montes circundantes estavam cobertos com um tapete de relva fresca das primeiras chuvas da estação e vacas pastavam ao longe nos montes. Por momentos pareceu-me que tinha chegado aos Alpes suíços. Só faltavam as campainhas.
Mas essa ideia dissipou-se nas ruas de Nueva Ocotepeque, a nossa primeira cidade no pais. Ocotopeque como tantas outras cidades fronteiriças fervilha de actividade, com mercadorias a transbordar para os passeios. Montes de chiles partilham o passeio com mobílias, pecas importadas para automóveis ou artigos baratos made in china. Homens a cavalo com chapéu à cowboy trotam pelas ruas ensaibradas e garotos descalços atravessam-se frente da bicicleta. Gringo, gringo, gritavam.

Mas todo o caos parece ter uma forma ordenada. Tínhamos feito pouco mais de 20 km, eram apenas 9.30 da manha mas o sol já estava alto e forte, no entanto estávamos dispostos a chegar a Santa Rosa de Copan nesse dia a 90 km para norte. O que ainda não sabia-mos è que com a nossa chegada às Honduras, esperavam-nos uma subida de 1300 metros seguida por uma descida de 1000, voltar a subir 500m descer 350m e subir de novo 600m até Santa Rosa. Ao final da segunda subida, já com 1896 metros de desnível acumulados e completamente exaustos, resolvemos montar as tendas no campo de futebol da aldeia Ojo de Agua e passar a noite ali com Santa Rosa à vista no outro lado do vale.
No dia seguinte pedalamos os restantes 16 km até à cidade. Não há muito para fazer um santa rosa. È apenas uma pequena e bonita cidade colonial com uma atmosfera relaxante, mas ficamos 2 dias a absorver os cheiros e olhares da cultura do novo país que acabávamos de entrar.
A grande atracção da cidade parecia ser a fabrica de charutos " la flor de copan". Os charutos hondurenhos são considerados pelos conhecedores de pulmão negro como sendo de alta qualidade e apenas superados pelos cubanos. De facto, muito são embalados e vendidos com a marca Davidoff no mercado europeu.

Saímos de Santa Rosa ao segundo dia com direcção a Gracia de Lempira, uma das varias aldeia situadas na cordilheira sul do país e intituladas pelo departamento de turismo como "La ruta Lenca, la verdadera Honduras". Uma zona habitada por indígenas Lenca já assimilados pela cultura mestiça das terras baixas e com poucas distinções características aos olhos de um viajante em duas rodas. O que o governo se "esqueceu" de fazer, foi melhorar as estradas (ou estrada) de acesso. Entre Gracia de Lempira e La Esperança, a nossa seguinte paragem na ruta lenca, a estrada de saibro variava entre má e péssima, abraçando as montanhas num sobe e desce tal que nesse dia bati um novo recorde de viagem em desnível acumulado, 2216 metros em 83 kms, 80% feitos em saibro.

Apesar das dificuldades a ruta lenca foi sem duvida a parte mais bonita dos 625 km pedalados no país. De Siguatepeque até à fronteira da Nicarágua a paisagem não foi relevante para ciclismo e por vezes era até mesmo monótona. Mas pelo menos a nossa determinação em permanecer em altitude proporcionou uma etapa com temperaturas perfeitas para ciclismo.
Siguatepeque teria ficado esquecida no mapa da Pan Americana se não fosse pelo susto que apanhamos. Essa tarde a chuvada tropical obrigou-nos a parar por um par de horas. Fartos de esperar, vestimos o Gore-Tex e fizemos-se de novo à estrada. A agua escorria pela cara e Gore-Tex ensopado. Quando chegamos à cidade entramos no primeiro hotel que vimos. Os quartos eram tipo cela com espaço para a cama e pouco mais e virados para um pátio comum. As casas de banho cheiravam mal. O quarto do Jeff nem fechadura tinha na porta meio comida pelo escaravelho ou qualquer outro animal avido de madeira velha. A substituir-la tinha um cordel que se atava entre dois pregos, um na porta e outro no aro. Por 60 lempiras por quarto (2.25 euros) não era nenhum Hilton Honduras, mas não chovia lá dentro e o Juan, o vizinho hondurenho do quarto 8, ofereceu-nos jantar.

Às 6.30 da manha os passos suspeitos de alguém a rondar o pátio e a parar varias vezes em frente à janela do quarto, despertaram-me. Ouço o portão a fechar. Quando abro a porta e saio do quarto, deparo-me com a visão que um ciclista mais teme: a bicicleta do Jeff tinha desaparecido.

-Someone stole your bike,man!!! gritei pela janela aberta do quarto-cela do Jeff. Pequei na minha bicicleta e desci rua abaixo, com a Lilia - uma senhora de meia idade, ancas avantajadas e a dona da hospedagem - a tentar acompanhar-me, mas desistindo pouco depois sem folgo. Na primeira esquina perguntei a 4 pessoas sentadas no passeio que, pelo aspecto, tinham passado a noite ali mesmo. No inicio ignoraram quase em cumplicidade às minhas perguntas, mas talvez por verem a cara de pânico de um gringo apenas em calcoes e chinelos despenteado e barbudo, um deles cedeu e apontou para a rua da esquerda. Na próxima esquina olho para a minha esquerda e vejo o bandido a caminhar com a bicicleta do Jeff segura pela mão. Ao aproximar-me as minha pernas tremiam que nem varas verdes. E se ele puxar por uma navalha ou uma arma, que faço ? Gritei-lhe, ele parou olhando para trás. Depois da troca de algumas palavras arranquei-lhe a bicicleta das mãos partindo o vidro retrovisor e fugi rua abaixo. Montado na minha bicicleta conduzia com uma mão enquanto que puxava a do Jeff com a outra. Quando regressei à hospedagem falamos pouco.

Fizemos as malas e partimos. Foi só à saída da cidade quando paramos nas bombas de gasolina texaco para o pequeno almoço que ponderamos o sucedido.
A partir de hoje a burra vai dormir comigo!!

Durante as minhas pedaladas pelas Honduras tinha conhecido apenas olhares simpáticos, sorrisos alegres de crianças ou um "buenos dias" em tom forte de algum velho, mas nesse dia todos me pareciam suspeitos. Pedalávamos pela estrada com mais trafico do país, a Carretera al norte, que liga San Pedro sula com Tegucigalpa, a capital. Ao final da manha chegamos a Comayagua, tínhamos feito apenas 32 km mas era suficiente.
Comayagua è considerada das cidades coloniais mais bonitas do país. Mas depois de ter passado por tantas cidades coloniais bonitas (em especial no México), nem o som de musica a sair de colunas enterradas nos jardins da praça principal nos conseguiram impressionar. No entanto era uma cidade agradável e passamos 2 dias a relaxar.

Depois da nossa experiência com o trafico de San Salvador, tínhamos decidido evitar a capital a todo o custo, fazendo um "loop" para norte, parte dele por estradas de saibro, passando por Talanga e San Francisco. Os 3 dias que se seguiram até Las Manos junto à fronteira com a Nicarágua foram apenas a somar quilómetros até sair do país.

Entrei na Nicarágua a 20 de Julho, um dia depois das comemoracoes do aniversario da revolução Sandinista, A primeira pagina do jornal La Prensa era preenchida pela foto de centenas de milhares de pessoas que se juntaram na praza de la revolucion em Managua para comemorar o evento liderado por Daniel Ortega com o seu homologo e convidado Hugo chaves.
Tinha entrado no nono pais da viagem. O conta quilómetros marcava 19314 km.

Nuno Brilhante Pedrosa
Em Ocotal, Nicarágua.

7.08.2007

Nossa Senhora de Fatima de Cojutepeque (El Salvador)

El Salvador é um pais pouco visitado. A falta de atracções turísticas, poucas infraestruturas e a fama - um pouco injusta - como um pais violento e um pouco perigoso para viajar, faz com que a maioria das pessoas a viajar pela América central prefiram orientar os seus itinerários pelos países vizinhos, Guatemala e Honduras. No entanto, para ciclo-turismo, apesar de as paisagens não apresentarem as fantásticas vistas das montanhas da vizinha Guatemala, as estradas são geralmente em boas condições, e o trafico fora das rotas principais entre centros urbanos, é pouco acentuado e fácil de manobrar. De certa forma um alivio ao trafico caótico e por vezes perigoso das estradas guatemaltecas.

Quando eu e o Jeff estudamos o mapa do pais e delineamos uma provável rota, ambos concorda-mos num aspecto; iríamos escolher as estradas mais altas do pais entrando por Las Chinasmas a Oeste, pedalando sobre a Sierra Apaneca Ilatepeque, passando pelo lago de Coatepéque e Cerro Verde, antes de descer para a capital, San Salvador, para voltar a subir acima dos 1000 metros através da Cordillera Metapan Alotepeque saído do pais a norte da capital em El Poy.
Apesar do ponto mais alto da viagem ter sido de apenas de 1486 metros a etapa de cerca de 400 km em El Salvador foi a mais dura até ao momento, com uma media de subida vertical de 16 metros por Km pedalado. Mas esta deliberada escolha de itinerário mais duro e montanhoso era simples: A América central atravessa a sua época anual das chuvas e pedalar abaixo dos 1000 metros o calor e a humidade entre as 11 da manha e as 4 da tarde são bastantes desconfortáveis para ciclismo

Ahuachapan foi a nossa primeira cidade no pais e inicio da "ruta de las flores", provavelmente dos circuitos de ciclismo mais bonitos da pequena nação. A CA8 atravessa zonas de cultivo de café passando por aldeias pitorescas com ruas em calçada romana e de pequenas casa coloniais ibéricas. O verde escuro das árvores de café era alternado com as cores vivas das diversas flores junto á estrada. toda aquela paisagem parecia-me familiar, e por vezes tinha a sensação de estar a pedalar na ilha da madeira, não na América central.
Ao contrario da Guatemala onde grande parte da população indígena ainda mantém as suas Tradições religiosas e formas de vestir, aqui os espanhóis foram mais eficientes em dizimar a população e cultura local, e a maioria das pessoas é de descendência mestiça ou europeia , dissipando o apelo de "exotismo cultural" existente nos países vizinhos.

Na Intersecção da estrada CA8 com a CA12 que vem de Sansonate e do mar Pacifico, pedalamos para norte com direcção a los naranjos, outra "zona cafetera" mas com características mais industriais. As aldeias pitorescas deram lugar a casebres em lata junto á estrada camuflados pela densa vegetação das árvores do café revelando um outro El Salvador. A empobrecida população destes "guetos" agrícolas são o gosto amargo do café. O produtivo monopólio do café é controlado por uma pequena minoria de ricos salvadorenhos e estrangeiros ( entre eles o gigante americano Starbucks), mas o trabalho duro do cultivo desse grão magico e feito por pobres famílias a viver em bairros de lata, muitos deles ex-combatentes da sangrenta guerra civil que abalou o pais na década dos anos 80 e inícios de 90.
Num dos "sobe", dos muitos sobe e desce desta zona montanhosa as nuvens escuras e rasteiras começaram a subir os vales ofuscando a visibilidade com a sua passagem. O nevoeiro era tanto que visibilidade não era mais do que escassos metros. O som da trovoada e luzes dos relâmpagos estavam tão próximos que parecíamos estar no epicentro da tempestade tropical. Não tardou para que começasse a chover torrencialmente. Refugiamos-se no edifício da cooperativa de La Mejada, que para minha felicidade tinha um pequeno museu alusivo ao café.
Para um aficionado a essa deliciosa bebida não podíamos ter encontrado melhor lugar para fugir á tempestade tropical. A chuva batia sem tréguas no telhado de zinco e com uma ferocidade incrível, enquanto que nos saboreávamos um "café Mojada" ao mesmo tempo que ouvíamos as explicações da funcionaria da cooperativa que me garantiu que uma pequena parte da sua produção entrava no mercado português.
quando as águas dos céus se esgotaram, seguimos viagem para norte rumo á cidade de santa Ana, a segunda maior cidade do pais.

San Salvador, a capital, apenas veio a confirmar a minha teoria de que ciclo-turismo urbano em metrópoles latinas pode ser equivalente a um final de viagem precoce. O centro da cidade é bastante confuso, caótico e perigoso para ciclistas, e semelhante ao que já tínhamos experimentado na cidade de Santa Ana.

No dia seguinte saímos da cidade com a promessa de não voltar a pedalar por grandes centros urbanos na América central. Levava comigo como "recuerdo" da cidade, o espelho retrovisor partido por um autocarro que me obrigou a enfiar-me na valeta da alameda Juan Pablo II , e não passei para as estatísticas rodoviárias da cidade por pura sorte.

Tinha convencido o Jeff a sair um pouco da rota prevista e visitar a cidade de Cojutepeque. Cojutepeque é apenas mais uma cidade salvadorenha sem qualquer interesse para o turista, a não ser que o turista seja português.

Sobre a cidade no "cerro de las pavas",ou monte dos perus, situasse o santuário de nossa senhora de Fátima de Cojutepeque, com uma estátua da Virgem trazida de Portugal em 1949 e colocada no topo do monte num espaço aberto, verde e pitoresco.
-Esta estátua foi trazida de Espanha e atrai muitos peregrinos no dia 13 de maio, disse-me o Carlos, um jovem local, que na sua bicicleta se ofereceu para nos guiar no caminho para o topo do "cerro de las pavas".

Correcções feitas e comprovadas com a mostra da placa de nossa senhora de Fátima que viaja nas minhas malas há mais de 18000 km, o Carlos levou nos a um ponto do monte onde se avistava na encosta a cidade de Cojutepeque, e para sul o vulcão de San Vicente, apontando para diversos locais na paisagem onde ouve fortes conflitos armados durante a guerra civil.

A adolescência do Carlos coincidiu com o período mais turbulento da historia do pais. O sangrento conflito armado que durante 12 anos matou mais de 75000 pessoas e que ainda esta bem presente na memoria dos salvadorenhos, ate mesmo na do Carlos que com apenas 30 anos, nos contou das dificuldades por que passou quando era mais jovem. A ambição do Carlos - que parece ser igual a toda a população do pais - é emigrar aos estados unidos. A terra das oportunidades. Muitos já o fizeram, e as remessas dos emigrantes nos EUA são actualmente a principal fonte de rendimento do pais.

No dia seguinte seguimos viagem com Direcção a Suchitoto, provavelmente a mais bonita e bem preservada cidade colonial do pais, passando por Islobasco. uma aldeia de oleiros, onde parece que cada um dos seus cidadões tirou um curso de olaria no politécnico local e montou uma loja de artesanato em frente ao jardim da casa ou na sala de estar com as portas abertas para as ruas da aldeia.
Chegamos ontem a La Palma, apenas a 12 km da fronteira com as Honduras e final de percurso neste pequeno pais, que com certeza não irá entrar nos países favoritos da viagem, mas que por ser pouco conhecido e visitado, tiveram as suas recompensas. Os salvadorenhos que conheci foram sem duvida os pontos altos desta etapa com a sua genuína simpatia e hospitalidade ainda não afectadas pelo turismo de massas.

A viagem continua...amanha será outro pais!

Nuno Brilhante Pedrosa
Em La Palma, El Salvador

7.01.2007

Lago Atitlan e Antigua (Guatemala)

Dia 334
Km 18392


são Pedro è um daqueles lugares que uma pessoa visita e não apetece partir. Uma pequena aldeia de pequenas casas construídas na encosta de um monte com vista para o lago de Atitlan com os vulcões a reflectir nas suas águas cor de platina. Pescadores lançam as suas redes desde pequenas barcas, e bem alto nas encostas dos vulcões pode se observar as figuras minúsculas de agricultores a plantar milho em campos de cultivo de ângulos impossíveis.
Depois de adiar a minha partida varias vezes, ao sexto dia fiz-me de novo à estrada. Pensei que ao apanhar um barco para Santiago de Atitlan, no outro lado do lago - evitando os 18 km de estrada que circundavam o vulcão de Atitlan e que me foram desaconselhados a fazer por ser considerado uma das "zonas rojas" do mapa de segurança publica do pais - talvez conseguisse chegar a Antigua no mesmo dia, a cerca de 100 km dali. Mas não tomei em conta que estava no fundo da caldeira vulcânica que forma o lago de Atitlan, e que para sair dela teria que subir. E não era pouco. Em apenas 32 km acumulei um desnível em altitude de 1050 metros. Foi uma subida dura, mas as vistas do lago e vulcões circundantes, ofereciam-me uma desculpa para parar cada quilometro para recuperar o folgo. Tinha feio apenas 35 km quando cheguei a pequena aldeia de Godinez e começou a chover. estava exausto. Alojei-me na única hospedagem da aldeia , que por estar ainda em construção, obtive um excelente desconto para passar a noite num quarto tipo cela de cimento sem janelas, e cujo urinol era apenas um buraco no cimento à espera de uma eventual sanita, num compartimento ao fundo do corredor numa secção da casa ainda à espera de um tecto. Mas não me queixei. as fortes chuvadas não penetravam quarto adentro e a cama era confortável, alem de que a lucy,dona da hospedagem, preparou-me um delicioso e reconfortante "caldo de rez", sopa de vaca.

No dia seguinte fiz um atalho por uma estrada secundaria que ligava Godinez a Chimaltenango e à CA1 (pan-Americana na Guatemala) evitando ter que pedalar para norte (e para cima) até ao cruzamento de Los Encontros. tinha sido avisado pelos donos da "semi-hospedagem" que essa rota era um pouco perigosa pela quantidade de bandidos na região, mas o único que encontrei foi um jovem rapaz junto à estrada no mercado de Potzun , que me vendeu um sumo de laranja por 12 quetzais em vez dos habituais 5 ou 6. Ao final da tarde, depois de um "Downhill", acentuado, cheguei à cidade de Antigua Guatemala.
Procurei a praça principal, como já è habitual cada vez que chego a um novo lugar, para obter uma ideia do centro da mesma e obter alojamento central. A cidade tinha uma atmosfera um pouco diferente do que eu estava habituado nas minhas ultimas duas semanas a pedalar por território indígena nas altas montanhas do México e norte de Guatemala. As ruas estavam cheias de turistas maravilhados com o charme colonial da cidade e pareciam observar-me montado na bicicleta como se eu fizesse parte de algum mercado de artesanato ambulante. O único que não estava maravilhado era eu, que tive que pedalar por entre as pedras da calcada aos solavancos à espera do momento em que um raio da roda se partisse. Depois de vários quarteirões aos solavancos, encostei a "burra" junto ao hotel Guatemala.

Antigua situa-se no vale de Panchoy perto da base de 3 vulcões. O vulcão Agua, vulcão Fuego e vulcão Acatenango que adicionam um inquestionável charme à pitoresca cidade colonial. O centro do colonialismo espanhol durante 230 anos. Tem que ser dito que os espanhóis não foram muito afortunados com a escolha da sua capital, pois foi rara a década que a cidade não foi afectada por um tremor de terra, por uma erupção vulcânica, ou por ambos.
De certa forma Antigua è a cidade de Praga da América central. Escapou ao desenvolvimento urbano característico de outras cidades guatemaltecas e ressurgiu dos escombros de terramotos e erupções como a jóia do passado. Tal como Praga. esta cheia de turistas sentados em pátios pitorescos a saborear um capuchinho ou à procura da peca de artesanato perfeita. Alguns divagam pelas ruas de calcada romana onde parece haver a cada esquina uma igreja. Os picos dos vulcões estão sempre em vista assim como as pequenas torres cilíndricas sobre os telhados de velha telha ibérica.
Outros tiram fotos a locais ao mesmo tempo que os seus sapatos são engraxados por algum garoto indígena de 6 ou 7 anos, na praça principal da cidade. Uma bonita praça arborizada e rodeada de edifícios coloniais antigos pintados em cor pastel ou alaranjado e com um "característico" fontanário no seu centro feito com varias estátuas de mulheres nuas a apertar os seios com as mãos e a jorrar agua pelos mamilos - tento imaginar as discussões dos dirigentes camarários quando decidiram fazer tal coisa.

O parque è também um habitat para mulheres maias vestidas com coloridas vestes a vender artesanato aos turistas. Trabalham em grupos de 3 ou 4. Avistam um turista sentado num banco do jardim, dão-lhe algum tempo para relaxar , para depois o atreparem rodeando-o com T-shirts, toalhas de mesa, esculturas de madeira, bordados etc. Os garotos engraxadores de sapatos, sabendo que a sua vitima esta atrepada num monte de "recuerdos", aproveitam a oportunidade para demonstrar as suas habilidades polidoras. Eventualmente o turista abandona a praça de sapato engraxado e com uma camisa Maia que jamais irá vestir, e o garoto polidor de sapatos contente por ter ganho com um único turista o equivalente a engraxar 20 pares de sapatos guatemaltecos.
Apesar do ambiente demasiado turístico a cidade ao deixa de ter o seu charme e fiquei vários dias a relaxar. Tinha combinado com o Jeff que esperava por ele ali, para depois seguir-mos juntos para El Salvador. O Jeff è do Canada e outro ciclista nómada a divagar pelas estradas do continente americano. Curiosamente o Jeff saiu de Inuvik no árctico canadense - o local de partida desta minha aventura - 2 dias depois de mim. Durante vários meses pedalamos por itinerários diferentes. As casualidades do destino juntaram as nossas rotas 5 meses depois na baía de las Angeles, norte do México, por altura do ano novo. Desde então que mantivemos contacto.

6 meses, 8000 km e 3 países depois do nosso breve encontro em Baja Califórnia, os nossos destinos voltaram a encontrar-se na Guatemala. Mas por maior coincidência que pareça, viajar por tempo indeterminado fora dos habituais pacotes turísticos de 2 semanas este tipo de situações não sao incumuns. Recordo-me por exemplo, entre outras situações nesta viagem, do Iarum e do david, dois Israelitas que conheci na Playa del carmen no México e voltei encontrar nas ruas de Trinidad em cuba tempos depois. Divagamos todos de sitio em sitio em busca do mesmo...

Celebramos o reencontro com uma garrafa de "Venado especial", aguardente de cana de açúcar, e com uma longa conversa onde exausta-mos as nossas historias de ciclo- deambulação pelas estradas do continente, sentados no terraço da pousada El Pasaje. Dias depois fizemos-se à estrada rumo a El Salvador.
Depois de muitas semanas solitárias era bom estar a pedalar de novo em companhia. 3 dias depois estávamos às portas do sétimo pais desta aventura pela estrada pan- americana: El Salvador.


Nuno Brilhante Pedrosa
Em Santa Ana, El Salvador.

PS Podem acompanhar quase diariamente as minhas pedaladas durante as próximas semanas através do web site do jeff