5.30.2007

O regresso à Pan-Americana (Guatemala & Mexico)

Dia 304
Km 17521


A passagem da fronteira entre Belize e a Guatemala foi rápida e eficiente. Encostei a bicicleta ao edifício da alfandega e passei o passaporte pela abertura do gradeamento da janela.Segundos depois uma mão devolveu-me o passaporte carimbado.
-Boa viagem, disse alguém. Já que as fronteiras tem que existir que fossem todas como esta. Não houve revisões de malas ou perguntas desnecessárias do tipo para onde vais, que sítios vais visitar ou formulários a preencher.
Os primeiros 25 km de estrada não estão alcatroados. Segundo um local, o governo guatemalteco insiste em não alcatroar a estrada ate á fronteira, como forma de retaliação com o pais vizinho. A Guatemala disputa território Belizenho como seu, e vá-se lá saber porque, o único pais da comunidade internacional que suporta a sua reclamação é Israel.

Passei a primeira noite na aldeia de El Remate, onde aluguei uma cabana sem porta ou janelas por 35 Quetzales (3 Euros), perto das ruínas Maias de Tikal. Uma das cidades Maias mais impressionantes, Tikal foi construído há cerca de 2000 anos atrás. Em parte, é a sua localização escondida no meio da selva tropical e densa, que torna uma visita ás ruínas algo de memorável. Tucanos e papagaios sobrevoam o canapé da selva, macacos saltam de rama em rama, os passeios pela densa selva são preenchidos com sons estranhos. Raios de luz rasgam o canapé iluminando a floresta e enormes pirâmides elevam-se aos céus rompendo pela vegetação. Provavelmente os primeiros aranha-céus do continente, perpetuam a historia de uma civilização que desapareceu misteriosamente.

No dia seguinte contornei a costa norte do lago Petén Itzá até á cidade de Flores. Estava na altura de abrir os mapas, estudar-los e tomar decisões. Por onde iria atacar as montanhas? Ou seguia para sudoeste via Coban e Quetzaltenango, ou para noroeste via Palenque e San Cristobal de las casas no lado Mexicano. Ir pelo México implicava dar uma volta muito maior, mas permitia-me visitar o enigmático estado de Chiapas com as suas fascinantes ruínas Maias e povos indígenas. Além de que poderia regressar ao local onde apanhei o autocarro para Cancun há mais de 3 meses atrás, dando assim continuação a esta aventura 100% em BTT.

Quatro dias depois estava de novo na estrada com direcção á fronteira mexicana. A fronteira de La Tecnica/Corozal, encontrasse numa área desolada e remota do noroeste da Guatemala. Levou-me 3 dias a percorrer os cerca de 190km de Flores á fronteira, por uma estrada que alternava entre saibro e calhau rolado. Vários locais alertaram-me para o facto de que assaltos na estrada, por vezes á mão armada, eram comuns em especial ao entardecer nas proximidades da fronteira, e aconselharam-me a não acampar sozinho junto á mesma. Eu já tinha ouvido falar dessas historias antes, que apesar de verdadeiras eram por vezes exageradas Mas como precaução essa noite pedi a uma família para acampar no seu jardim, na aldeia de Vista Hermosa a 30 km da fronteira.
Á noite cozinhei com uma audiência de certa de 10 garotos fascinados com cada movimento do estrangeiro. Eram todos irmãos e primos. Com o crescimento da família, iam-se construindo mais barracos pegados uns aos outros. Uma teia de pequenas divisões em madeira onde viviam varias geracoes de uma só família. No final do noite, 4 deles não arredaram pé.
-Boa noite, disse eu pela quarta vez, aste mañana!
Entrei na tenda,mas eles permaneceram sentados no chão em frente dela, a observar através da rede mosquiteiro, cada um dos meus movimentos enquanto eu me despia e me preparava para dormir. Pareciam tão excitados que não queriam perder um segundo do "filme". Afinal de contas não era todos os dias que lhes caia um "gringo" no quintal.

O posto fronteiriço ficava á entrada da aldeia de Bethal, no meio da savana, do nada. Dai, ainda eram mais 12 km ate á verdadeira fronteira. A estrada de calhau rolado, apesar de plana, levou-me 2 horas a fazer. Uma pequena travessia de barco e estava do lado mexicano.
Passam pouco estrangeiros por esta fronteira.
O oficial da alfandega estava meio dormitado a ver televisão. Não tenho formulários, disse. Tens que carimbar o passaporte em Palenque.
-Em Palenque? Mas isso para mim são 2 dias de viagem, respondi.
-Não te preocupes, respondeu.
Segui viagem .Estava de volta ao alcatrão!
Pedalava pela "carretera fronteriza", uma estrada que contornava grande parte da fronteira entre estado de Chiapas e a Guatemala. Há varias décadas atrás, isto era uma zona de selva primaria, mas nos últimos anos tem sofrido forte Desflorestação pelos novos colonos ali deslocados pelo governo mexicano numa tentativa de fortalecer a zona fronteiriça (á custas da natureza!).
Atravessei varias zonas de selva destruída e queimada para dar lugar a novas zonas de pastagens com tamanhos completamente desproporcionais ao numero de vacas que as usavam. Aqui e ali, pintadas na paisagem, via-se a ocasional Ceiba ou outra árvore de grande porte, testemunhos solitários da outrora natureza pura.

Maio é o mês das queimas e o fumo não só aumentava as já elevadas temperaturas como desfocava a paisagem. O sol a partir das 5 da tarde, transformava-se numa esfera vermelha de um redondo perfeito. A minha agua estava tão quente que até pensei que dava para fazer chá.
Já há varias semanas que o meu consumo de agua era algo de exagerado. 2 galões por dia. Comprava ao galão porque era a medida exacta das minhas três garrafas e ficava mais barato, mas com o calor apenas as primeiras goladas de agua eram frescas. Parei num tasco para beber algo frio. Deixei a Burra ao sol. Quando voltei, o termómetro marcava 52 graus!

Esta porra tem que estar avariada, pensei. Avariada ou não, estava farto de calor. Há que começar a subir as montanhas em busca de ar mais fresco e puro..

Cheguei a Palenque no dia seguinte ao entardecer. Procurei um local para acampar num dos muitos parques de campismo que existem na quase legendária zona do "el Pachen". O epicentro da cena alternativa de Palenque no meio da selva densa e perto das ruínas Maias. Um "habitat" para macacos, tucanos, papagaios, "hippies" "trippies", divagadores e turistas.
Na estrada que vai para as ruínas fui abordado por um senhor a vender cogumelos.
-Chanpiñones, Mushrooms!, gritou em tono suspeito e abafado.
-Hey amigo, chanpiñones mágicos, buenos e baratos. Visitas as ruínas e tudo tem vida. Vês os deuses Maias. São mágicos, continuava.
Já tinha ouvido falar deles. Ao longo dos tempos tem atraído pessoas de todo o lado, ate escritores que buscam nas suas experiências alucinogenicas inspiração para escrever os seus livros. Entre outros Carlos Castenadas e Aldous Huxley que escreveram, respectivamente "os ensinamentos de don juan" e "admirável mundo novo", influenciados pelos poderes "mágicos" desses e outros alucinogenicos.
-Ouve lá, eu vou subir as montanhas de bicicleta, também ajuda?, perguntei ironicamente.
-Si si amigo, claro que si.
-E como sei que não me esta a vender erva daninha, perguntei, apontando para o saco cheio do que mais pareciam ervas ressequidas.
- pruebalos, disse, tirando um punhado do saco. Eu ando sempre por aqui...
-Hum...no gracias.
Tinha sido um dia duro e estava com fome, mas de algo que me alimentasse o corpo, não o espírito.

No dia seguinte visitei as ruínas de Palenque, mais umas ruínas Maias situadas na floresta tropical de Chiapas, um enorme complexo de ruínas, templos e pirâmides que imortalizaram a cultura Maia. Passei pela emigração (3 dias depois) para carimbar o passaporte e parti finalmente rumo às montanhas.
Reparti a Ascenção entre Palenque (80m) e San Cristobal de las casas (2165m) em 4 curtos mas duros dias. Nos cerca de 200 km que separam as duas cidades acumulei 5382 metros de desnível.
No primeiro dia de subida, depois de um sobe e desce constante onde eu parecia notar apenas os "sobe" acampei no fundo de um vale quase a mesma altitude do dia anterior, junto ao rio Shumulhá . Um lugar perfeito para acampar. O rio descia das montanhas para abrir o seu caudal de uns tons de cor incríveis, formando uma pequena lagoa rodeada de vegetação verde, para depois continuar o seu percurso.

Toda a floresta desde as ramas das árvores e as suas folhas até ao mais pequeno dos insectos, estavam reproduzidos nestas águas tipo espelho. As imagens permaneciam perfeitamente estagnadas enquanto que as águas do rio moviam-se através delas como se do tempo se trata-se. Tinha descido o vale e estava mais uma noite de calor. O ar quente e pesado da noite obrigava-me a respirar o meu próprio hálito. A noite era escura e o céu parecia ter ancoras.
O segundo dia foi mais duro com 1944 metros de desnível acumulado. Com a passagem de cada montanha os vales iam subindo em altitude e as temperaturas baixando. Um cartaz junto à estrada lembrava-me de que estava em território Zapatista.

Emiliano Zapata, um revolucionário dos tempos do Pancho Villa disse uma vez: " Nos lutamos pela terra e não por ilusões que não nos dão nada de comer. Com ou sem eleição, o povo continua a mastigar a amargura da vida".
Muitos anos depois um carismático professor universitário chamado Rafael Guillen (que viria a ser conhecido por apenas subcomandante Marcos) deu jus as suas palavras e formou a EZLN (exercito Zapatista de libertação nacional).
Melhorar a qualidade de vida da empobrecida população indígena e ver-se livre de um punhado de feudalistas que controlavam a maioria das terras, misturados com alguma retórica de anti-globalização,era o seu lema e em 1994 ocuparam varias cidades do estado de Chiapas e o mundo inteiro pela primeira vez ouviu os seus gritos de descontentamento.


Depois da intervenção militar que deixou centenas de mortos, o governo criou zonas autónomas, mas até hoje está ainda por passar legislação que solidifique os direitos dos indígenas. Apesar de já não recorrerem às armas as relacoes entre EZLN e o governo central mexicano ainda se mantêm tensas.

Estar nas montanhas e respirar o ar puro das montanhas revigorou-me a alma e deu-e energia ao corpo e as inclinacoes de 6% a 8% pareciam-me fáceis. A burra parecia estar contente também, afinal de contas este era o seu tipo de terreno preferido. No terceiro dia o céu escureceu e as nuvens descarregaram as suas iras na terra seca e ansiosa de agua.
À noite, hospedado na simples casa de hospedes na aldeia indígena de Oxchuc, ouvia a chuva a bater sem tréguas nas placas de fibro-cimento do telhado. Quando conseguiu penetrar através delas, a agua caia em jorros dentro do quarto e voltava a desaparecer por entre as tábuas do chão.
Tinha começado finalmente a época das chuvas torrenciais. A partir d`hoje, muitos serão os dias em que a chuva acompanhara as minhas pedaladas. Para mim era um alivio ao calor abrasador das ultimas semanas.

Ao quarto dia cheguei a San Cristobal de las Casas. Uma lindíssima cidade de montanha na encosta de um vale a 2165 metros de altitude.
É um prazer estar aqui, respirar o ar puro e fresco das montanhas, visitar os mercados e aldeias indígenas e a absorver esta atmosfera única e relaxante.
Estou de novo na Pan-Americana (em Chiapas é a EN190), e custa a crer que há 3 meses atrás estava apenas a poucas dezenas de quilómetros para norte na cidade de Tuxtla Gutièrres.
Depois de 3980 km de desvio da pan-americana pelo Yucatan, Cuba e Belize, avancei apenas 60 km para sul!! É-me agora óbvio que não chegarei á patagónia no final do ano. Pascoa de 2008 será uma data mais provável....

Nuno Brilhante Pedrosa
Em San Cristobal de las Casas, México

5.20.2007

Quem são aqueles homens brancos? (Belize)

Dia 288
Km 16780


Regressar ao México vindo de cuba o "choque cultural" foi bem diferente de quando atravessei fronteira da Califórnia para Tijuana. O México agora parecia-me um pais bastante desenvolvido e moderno. A Cubana de aviacion não só me cobrou uns exorbitantes 70 dólares pela bicicleta, como também teve a ousadia de me perder um dos alforges, o que me obrigou a passar uma semana no que deve ser a menos mexicana de todas as cidades mexicanas, e que deve a sua existência como fornecedora de serviços as dezenas de resorts situados ao longo da costa. Cancun è uma espécie de clonagem mal feita de uma cidade americana nos trópicos, sem a cor ou carácter que tanto caracteriza outras cidades mexicanas.
Ao quinto dia o alforge apareceu depois de uma aparente viagem equivocada até á argentina.

Os longos dias de espera alteraram-me o estado de espírito e decidi, mais uma vez, alterar os planos de viagem e pedalar directamente para sul em direcção á fronteira do Belize.
3 dias depois estava ás portas da América central. O contador marcava 16141 quilómetros.
-any fire arms?, perguntou o oficial da alfandega olhando para os alforges da burra. estava a entrar no único enclave inglês da América central e de regresso à língua inglesa, às milhas, pés, libras e todas essas medidas estranhas britânicas
-Armas?, não!
pediu-me para abrir os alforges. De um deles, saquei um saco de plástico com meia cebola, que não tinha usado na noite anterior quando acampei no meio da selva, duas bananas esborachadas um pacote de pasta, uma lata de feijões pretos e o meu estojo de especiarias. Convencido de que eu não era nenhum traficante de armas em duas rodas, indicou-me com a palma da mão que não era necessário tirar nada mais para fora e mandou-me seguir.

Passei as duas primeiras noites na cidade fronteiriça de Corozal, a absolver os sons e cheiros do novo país que acabava de entrar. Não havia muito para fazer na cidade além de conversar com os locais e perseguir o som da musica reage ao longo do paradão junto à agua. Se o vento soprasse na direcção certa, era possível ouvir uma musica completa de bob marley ao longo do passeio. O rio Hongo é a fronteiras natural entre os dois países, e as diferenças entre as suas margens são bem evidentes. A musica "ranchera" deu lugar à musica reage, as relativamente boas estradas mexicanas a estradas cheias de buracos quando não ensaibradas, e as bonitas casas ao bom estilo caribenho eram feitas em madeira e levantadas em paliçadas. Comunidades Garinfunas e Crioulas (descendentes dos escravos africanos naufragados) povoam toda a costa, enquanto que descendentes dos maias habitam as montanhas do interior.Dá a sensação de que o Belize foi uma ilha caribenha que encalhou na costa da América central.
E depois há chineses, libaneses, indianos e residentes europeus e norte americanos um pouco por todo o lado. Tudo misturado da um cocktail etnográfico com um sabor único na América central.

(Foto cortesia do steven)

Mas neste pequeno pais pouco maior do que o Alentejo há um outro grupo de pessoas que se destacam dos demais, pelo menos aos olhos do visitante.
Com pele mais branca do que um inglês, olhos azuis que nem os escandinavos, altos e fortes que nem os polacos e vestidos com trajes que lembram os filmes da colonização das Américas. Eles são os Menonites, descendentes dos colonos que deixaram a Alemanha no SEC XVII, e que ainda nos dias de hoje vestem trajes e falam um dialecto alemão dessa época. Existem menonites um pouco por todo o continente, mas em especial no canada Belize e Uruguai. Em Belize existem 3 "tribos" diferentes, e apesar de muitos deles já terem abraçado as tecnologias do mundo moderno, como è o caso da comunidade de "spanish outlook" que usam sofisticados tractores com ar condicionado no cultivo das terras (um grande contraste com o resto do pais que ainda é pouco mecanizado), ainda existem os que seguem a rigor as tradição dos seus antepassados, como è o caso da pequena comunidade em Barton Creek nas montanhas pine ridge, junto à fronteira com a Guatemala. Os membros desta comunidade de cerca de 200 pessoas ainda usam o cavalo como centro da forca laboral, não usam electricidade, televisão, electrodomésticos, transportes motorizados ou nada que seja considerado "moderno" na sua comunidade.
O homem constrói a casa em madeira com as suas próprias mãos e trabalha na lavoura dos campos. As função da mulher estão restringidas à casa e à família.
Existem uma terceira comunidade de moderados que vivem no norte do pais em Shipyard. Durante as minhas pedaladas em Belize tive Oportunidade de conhecer essas três comunidades.
Um dia um grupo de jovens menonites que conheci na estrada pareciam fascinados com a minha forma de viajar. -És um dos nossos, disse um deles. Eu sabia bem que não era verdade, mas nos dias que se seguiram, entretive os meus pensamentos pedalantes a imaginar como seria viver como eles. Seria capaz de abdicar de todas as coisas materialistas? Afinal de contas já abdiquei de muitas para fazer esta viagem. Enquanto que o mundo inteiro vive numa corrida desenfreada com a tecnologia, há os que ainda acham que è a própria tecnologia a causa de todos os males e preferem viver uma vida simples e pura.

Estamos no mês de maio, o mês mais quente e seco por toda a América central. O calor è quase insuportável para ciclo-turismo (em especial os que carregam 30 quilos de carga).
Optei por passar uns dias a descansar numa das muitas ilhas que se encontram ao longo da costa do Belize.
A ilha Cayo caulker è um pequeno paraíso e local de paragem para mochileiros e turistas independentes que viajam pelo "trilho da rota Maia" entre Guatemala e o México. Um lugar relaxado e seguro comparado com a de certa forma violenta e agressiva cidade de Belize city. Nomes como Tsunami travels, rasta pasta restaurant, shark tatoos e mantra tours dão um ar sugestivo à relaxada ilha de estradas de areia, onde apesar de não haver carros, existem sinais de trafico a dizer "go slow". Com o grande recife das caraíbas a ver-se no horizonte, a apenas a 800 metros para Este, "snorkling" e mergulho de botija são as actividades favoritas. Muitos são os que vem por uns dias e ficam semanas.
A barreira de recifes de corais estende-se desde o México até às Honduras ao longo da costa da América central, constituindo o segundo maior recife de corais do mundo depois do "great barrier reef" na Austrália. Mochileiros, turistas de pé descalço ou em pacote, marinheiros em barcos à vela ou navios de cruzeiros, milionários em busca da ilha privada paradisíaca e até o ocasional ciclista, são todos atraídos com íman às centenas de ilhas e ilhéus que brotam do mar das caraíbas ao longo da pequena costa do Belize.


Nas ilhas a população è maioritariamente garinfuna ou crioula e o cultura "rastafarian" ainda esta bem viva. Ouvir reage e fumar "ganja" parecem ser os 2 passatempos favoritos, apenas rivalizados por "hammocking", o desporto nacional numero um: balouçar em redes. Os locais favoritos são à sombra de uma árvore ou debaixo das suas casas construídas em estacas, mas qualquer sitio com sombra e brisa serve. Uma vez vi um camionista parado na berma da estrada com a sua rede estendida entre os eixos das rodas e a dormir uma sesta. Ou dias antes um camião ultrapassa-me revelando nas traseiras, um outro desportista de "hammocking" com a sua rede estendida entre os taipais da camioneta carregada de laranjas. Ao fundo junto à cabine, pude observar uma ventoinha enorme que mais parecia a turbina de um avião. Com certeza que è uma forma mais relaxada de viajar do que sentado num monte de laranjas numa estrada de saibro cheio de buracos, onde mesmo assim os motoristas conseguem atingir velocidades incríveis, mas requer muita experiência em "hammoking" para não ser cuspido camião afora.

3 dias depois estava de novo na estrada. Pedalava para sul pela "manatee highway", uma estrada de saibro vermelho que atravessava vastas zonas de selva e a ocasional área de cultivo. O trafico era muito ligeiro, mas a passagem de cada camião levantava uma nuvem de pó tal, que perdia a visibilidade por prolongados segundos. As camadas de pó iam-se acumulando sobre o meu corpo suado pelo calor infernal que se fazia sentir (43 graus!), e se não fosse pela suave brisa pensei que isto não deveria estar muito longe do inferno.
Essa noite acampei no meio da selva.
Quanto mais para sul viajo, mais densa e verde a selva é e maior a quantidade de sons e ruídos durante a noite. E simplesmente fascinante adormecer dentro da tenda a olhar as estrela e a escutar os sons da natureza ( a minha tenda tem uma "janela" em rede mosquiteiro que o permite).

Depois de 2 dias a comer pó pela estrada "manatee", cheguei a cidade portuária de dandriga mesmo a tempo de apanhar o único barco diário que existe para o ilhéu de Tobacco. Estava de regresso as ilhas do recife, mas o ilhéu de Tabacco iria ser um pouco diferente.
-Tens a certeza de que queres levar a bicicleta, perguntou o "capitão" Crock, o dono da pequena embarcação a motor, podes guarda-la naquela casa, disse, apontando para um casebre de madeira junto ao cais. Eu sabia que não havia estradas na ilha mas não intencionada separar-me da minha companheira de viagem.

Cayo Tobacco è um pequeno paraíso. Um ilhéu que brota mesmo sobre a barreira de recifes com 2 hectares de areia, 2 metros acima do mar, coberto de coqueiros e uma dúzia de casas de madeira, a maioria construída em paliçadas. Os cerca de 50 habitantes pertencentes a seis famílias são todos garinfunas. não há lojas, restaurantes ou mercearias, para além de um bar construído sobre a agua,onde salvo as ramas dos coqueiros, se pode saborear uma cerveja belikin com uma vista de 360 graus do mar das caraíbas.
-vais para longe com essa bicicleta?, perguntou um local que balouçava numa rede amarrada a dois coqueiros.
Com metade dos habitantes da ilha a rirem-se às minhas custas, empurrei a bicicleta pela areia,encostei-a a um coqueiro e fui dar uma volta pelo ilhéu.

Já visitei muitas ilhas, mas nunca tive uma sensação tão forte de estar numa "ilha" como aqui. Do centro da ilha, uma clareira com uma rede de voleibol atada entre dois coqueiros, fosse qual fosse a direcção que toma-se, não me levava mais de 3 minutos a chegar à agua. Quando se acaba a agua da chuva armazenada em enormes contentores pretos, o "capitão" crock traz-la da cidade de dandriga, assim como mercearias e outras necessidades. Durante a época dos furacões(entre Junho e Outubro), a ilha por vezes è evacuada, contou-me um dos residentes deste pequeno paraíso, pois as ondas do mar chegam a submergir a ilha. Como foi o caso do furacão Mitch em Outubro de 1998.
A burra parecia estar a sofrer de ´agoraphobia´, e ao segundo dia regressamos a dandriga e as estradas poeirentas.

Dias depois estava a pedalar por Belmopan, a capital. Uma aldeia com 8000 habitantes perdida no meio de um planalto quente e seco no interior do pais. Um capital estranha sem carácter e com um ar desértico.
Estou em san ignacio, cidade fronteiriça com a Guatemala e em breve irei mudar de direcao e pedalar para Este.
Já chega de calor e praias, estou pronto para enfrentar a cordilheira da america central, com o seu clima ameno e passes acima dos 2500 metros.
Fica encontro marcado para as majesticas montanhas vulcânicas da Guatemala...

Nuno Brilhante Pedrosa
San Ignacio, Belize