11.24.2006

Os gigantes da California (EUA)

Dia 114
Km 8144



"Bem vindo a Califórnia", dizia um sinal na estrada.
Califórnia, terra dos capuchinos orgânicos, light, descafeinados,
desgordurados, feitos com leite de soja e servidos quentes ou frios, em qualquer esquina de uma aldeia ou cidade. Na Califórnia, toda a gente parece viver para uma causa saudável, seja ela, comida orgânica, puro vegetarianismo, puritismo, ou seguir alguma ceita budista apenas encontrada nalgum recôndito dos Himalaias.
Eu estava a espera de encontrar apenas muito sol, um clima ameno, palmeiras, e louras a andar de patins pelos passeios.
Mas nos primeiros dias de viagem pelo maior e mais dinâmico dos estados americanos, encontrei apenas muita chuva, mas também uma costa lindissima.
O meu progresso para sul pela estrada pan americana (EN 101), pela costa de oregon, foi bastante lento, devido as tempestades marítimas que atacam a costa noroeste americana nesta altura do ano, obrigando-me a tomar refugio em Moteis, que fizeram um pouco de danos no orçamento da viagem.

A diferença entre um Motel e um Hotel, e` que no Motel podes conduzir o automovel ate a porta do quarto, no Hotel não!
Neste pais, tudo parece girar em torno do automovel. E´ o que eu chamo uma sociedade de conveniência. Existem "drive throu" para todos os gostos: restaurantes de "fast food drive throu",farmácias "drive throu", cafetarias, cinemas em parques de estancionamento, etc, etc.
Uma vez que estou no pais da "fast food", no outro dia não resisti a experimentar uma Mac Donalds drive throu....de bicicleta. Entrei na bicha de automoveis, e quando chegou a minha vez, falei para um microfone e pedi um big Mac. Uma senhora dentro do estabelecimento, com uns escutadores e microfone sem fios, ia juntando os ingredientes ao mesmo tempo que falava comigo. Não consegui esconder um sorriso, ao ver a sua cara incrédula, quando me passou a refeição pela pequena janela do edifício. A diferença, e que, de automovel vais a comer para o trabalho, eu, tive que procurar um banco de um jardim. A próxima vez que vir um cinema para automoveis, pensei, vou ver um filme. Não pelo seu conteúdo, mas para me divertir com a cara das pessoas ao verem um ciclista, num cinema para....automoveis.

207 milhões de viaturas circulam pelas estradas americanas (37% do parque automovel mundial!) Nem consigo imaginar o que seria deste pais, se um dia a torneira do combustível secar.
A estrada EN 101 desliza sobre as montanhas, bordeando a costa do pacifico.
Mesmo apesar dos dias escuros e chuvosos, depois de passar tantos dias no deserto, foi um prazer pedalar junto a costa verdejante.
As baixas pressões que entram no continente, vindas do pacifico, normalmente vêem com intervalos , que variam entre 0 e 3 dias. A única forma de fazer algum progresso para sul, era aproveitando esses intervalos. Como tinha passado a noite numa pousada da juventude, e não tinha que fazer as malas ou desarmar a tenda, comecei a pedalar com o nascer do sol. Chovia pouco, mas a humidade a quase 80%, colava o Gore-tex (equipamento impermeável) ao corpo.
Mas apesar do desconforto, estava bem disposto. Pedalava por uma costa rochosa e de falésias lindissima, e por vezes a estrada, quando não bordeava as falésias, entrava por florestas anciãs de "Seqorias Sempervirens"( do latin sempre vivas). A Califórnia reclama para si, não só as arvores mais grossas do mundo, mas também as mais altas. As chamadas "redwoods", mais altas do que a estátua da liberdade, e com uma longevidade que pode ir ate aos 2000 anos, encontram-se na zona costeira do norte da Califórnia, e são rivalizadas apenas por uma outra espécie existente na china. Mais a sul, na encosta oeste da Sierra Nevada, e´ o único local do mundo onde ainda existem as Seqoias gigantes, dos seres vivos mais velhos do planeta, com idades superiores a 3000 anos e apesar de serem um pouco mais baixas do que as suas primas do norte tem um diâmetro que podem ir ate aos 12 metros.

Não pude deixar de imaginar,ao olhar a floresta de gigantes que me rodeava, a quantidade de historia que estes seres quase imortais,já assistiram. Digo quase imortais, porque não tem inimigos (para alem do homem), são resistentes ao fogo, insectos e outros animais. um único tronco de uma arvore da para construir varias casas...
A meio da manha, conheci o Diogo e o bernardo. Dois espanhóis madrilenhos que viajam em bicicleta pela América do norte a fazer um documentário sobre ciclismo de aventura para a televisão espanhola. Como íamos todos para sul, decidimos viajar juntos esse dia.
Ao final da tarde entramos num supermercado para comprar os ingredientes para o jantar, continuava a chover, e não tinha-mos a miníma ideia de onde iríamos passar essa noite. Um homem mete conversa comigo, e depois de uma breve conversa, estava a desenhar um mapa da aldeia num pedaço de papel, e a explicar como chegar a sua casa. tinha que ir a cidade de Eureka,disse, mas estávamos a vontade ate que ele chegasse.
Depois de um dia húmido e chuvoso, foi como uma davida do Deus dos ciclistas viajantes aquele convite. A casa vermelha pré-fabricada, estava situada numa pequena colina na parte Este da aldeia de Trinidad. O portão da garagem estava aberto e a lareira acesa.

Tal como O Eric disse, pusemo-nos a vontade. e começamos por um excelente duche, posemos uma maquina de roupa a lavar, com dose dupla de detergente, para assegurar a limpeza dos aromas ("Eau de estrada") comuns a um ciclista em viagem, um CD de musica da sua excelente colecção, e ficamos os três a olhar a fogueira e a discutir os pros e os contras de viajar em bicicleta.
Algum tempo depois alguém bate a porta. Era a vizinha, trazia na mão uma torta de abóbora para nos oferecer. preparou-nos um chá e depois de um pouco de conversa, saiu, para voltar pouco depois, com varias sandes vegetarianas de queijo com vegetais. No inicio da noite aparece o dono da casa. O eric vivia só, um tatoista de profissão, e a recuperar de um transplante de fígado, resultado de uma vida "agitada", e também ele um viajante, mas de Harley Davison.
-E sempre bom retribuir a hospitalidade, disse.
Trouxe consigo uma enorme piza. Pôs a piza no forno e saiu com a vizinha. Voltamos já, disse.
Nos nem queríamos acreditar. Apenas há 3 horas atraz, estávamos os 3 ensopados sem saber onde íamos passar a noite. O Eric e a vizinha(que não me recordo do nome), voltaram com um garrafão de 5 litros de cerveja e um saco cheio com mais sandes para levar-mos no dia seguinte. Pessoas como o Eric e tantas outras que tenho conhecido, estão a obrigar-me a mudar de opinião acerca deste pais. De donde vem toda esta bondade? será por andar a viajar em bicicleta?
Quando chegamos a cidade de Eureka, paramos numas bombas de gasolina a entrada da cidade, local favorito para encher as garrafas com agua gratuita.
O Diego mete conversa com um senhor, que se identifica como gerente de um supermercado de comida orgânica, e que nos convida a experimentar umas deliciosas bebidas orgânicas e energéticas. O que ele não nos disse , e´ que iria chamar a imprensa local. A repórter do jornal regional apanhou-nos a entrada da biblioteca municipal, onde paramos para ver o nosso correio electrónico. Depois de uma curta entrevista, fomos em busca desse tal supermercado e do batido gratuito.
Ao final do dia encontramos numa pequena floresta de sequoias gigantes, junto a um rio, na pequena aldeia de Scotia, o que nos parecia o local ideal para acampar. Estava uma noite sem luar, e por debaixo das arvores gigantes, a única luz existente, vinha das nossas lanternas agarradas a cabeça com uma tira elástica. devíamos parecer 3 marcianos desorientados, com o feixe de luz em constante movimento. Como na loja da aldeia não havia muita escolha de ingredientes, decidimos fazer o que os ciclistas chamam de "pasta SOS", esparguete com "something on sale". Estávamos a montar os fogões, quando aparecem 2 carros de bombeiros. Alguém tinha denunciado a presenta dos "marcianos" e fomos expulsos do acampamento. Eram cerca das 6 da tarde. Aquela hora já de noite escura, onde iríamos encontrar outro local para acampar?

-Onde anda o Eric?, disse o bernardo na brincadeira.
Um dos condutores, o James Silva, filho de um açoriano, mas que não falava português, foi a solução. Depois de falar com o meu conterrâneo, o James telefonou ao chefe dos bombeiros. Do outro lado da linha veio uma autorização para acampar no relvado em frente ao quartel. Pusemos toda a tralha nos carros, incluindo as bicicletas e as tendas semi-montadas, e esfila-mo-las pelas ruas da aldeia.
Enquanto montávamos de novo as tendas, desta vez em relva macia, o James Silva desapareceu, para regressar meia hora depois com uma supresa para nos. Acabamos a noite no refeitório do quartel a beber vinho tinto e a saborear umas chouriças caseiras. tempos depois apareceu a filha do James com uns bolos ainda quentes para nos oferecer.
Na manha seguinte o chefe dos bombeiros estava de serviço. Ofereceu-nos um café e mostrou-nos o jornal "The Eureka Reporter". Tinha-mos saído na primeira pagina do diário. Achei engraçado a repórter ter aproveitado 3 ciclistas europeus, para fazer propaganda politica; quando escreveu, que nos ainda não tinha-mos conhecido nenhuma pessoa que tenha votado por George Bush.
John Broadstock, alem de chefe dos bombeiros, era também responsavel pela segurança da planta de energia anexa ao quartel. Contou-me que a aldeia de Scotia era uma raridade na sociedade moderna americana. Era uma aldeia privada. Todas as casas, lojas, edifícios, incluindo os bombeiros, pertenciam a PALCO, a fabrica de produção de energia sustentavel. Ao que ele chamou : "A company town". A fabrica produz energia através de resíduos florestais, não só suficiente para abastecer toda a aldeia mas com sobra para vender.
Os donos da fabrica (e da aldeia), e uma "corporation" do Texas, e nesse dia havia uma inspecção de algum diligentes da companhia, que nos foram apresentados, enquanto tomávamos o pequeno almoço no refeitório. Estávamos quase de saída, quando um dos inspectores, entra no refeitório, e olhando para mim, disse, com uma cara de pouco amigo: "Li o artigo no jornal. Quero apenas dizer-vos, que eu fui um dos que votei por George Bush!! Quando saiu, desatamos a gargalhada.
E melhor sair-mos do raio de distribuição desde jornal, disse o Diego na brincadeira...
Pegamos nas bicicletas, e partimos pelas ruas da cidade "privada". Uma senhora sai a porta de casa, com uma copia do jornal numa mão, e a dizer-nos adeus com a outra.
-Hey, gritou, boa sorte. Façam boa viagem!

Como os "nostros hermanos" ibéricos, viajavam a um ritmo mais lento que o meu, em parte devido as paragens que faziam para filmar, decidi partir de novo sozinho, pois já tinha combinado encontrar-me com a minha amiga Danina, no sábado em São Francisco.
Os 3 dias que me levou a fazer os quase 400 km que faltavam, foram provavelmente, os 3 dias consecutivos mais exaustivos da viagem ate momento.um verdadeiro teste a minha ressistência física.
Se alguém vos disser que pedalar junto ao mar e mais fácil, não acreditem!!
Deixo-vos com as estatísticas desses 3 dias:
Dia 1: 118km percorridos e um desnivel acomulado de 1627 metros. Altitude máxima de 604 metros (o ponto mais alto na costa oeste americana)
Segundo dia, ate fort ross, 120.6 km com um desnivel acumulado de 1563 metros e altitude máxima de apenas 105 metros.
No terceiro dia, 151.6 km em 9.58 horas, acumulando 2041 metros mas com altitude máxima de apenas 192 metros!
Os números devem dar uma ideia do sobe e desce que e este troco de costa a norte de são Francisco.
Atravessei a "ponte 25 de Abril americana" ( a famosa Golden Gate Bridge, que partilha grandes semelhanças com a nossa ponte sobre o Tejo), já bem pela noite dentro. A "Burra", esta já há vários dias, amarrada a um gradeamento, no pátio desta pousada, situada no quarteirao chinês no centro da cidade, num descanço bem merecido.
São Francisco e uma daquelas cidades americanas, que tem caracter próprio; o relevo da cidade, com as suas muitas colinas, arquitectura europeia, os quarteiroes das varias etnias e a migração de pessoas de toda a parte do mundo , tornam esta cidade fascinante e atractiva para passar uns dias..

São Francisco e também um marco importante nesta minha odisseia em duas rodas, pois marca a transição entre o clima de 4 estaçoes para o norte, com a entrada progressiva nas zonas semi-tropicais e tropicais da América central.
O resto do meu itinerário nos estados unidos ainda não esta definido. Estou a debater entre seguir a costa ate Tijuana passando por los Angeles, ou atravessar a fronteira pelo interior (nogales), passando por Las Vegas. Seja qual for a a opção, já estou a começar a sentir o cheiro da comida mexicana, da sua musica, das margaritas tomadas junto ao mar azul e das temperaturas tropicais...

Nuno Brilhante Pedrosa
em São Francisco, Califórnia, EUA.

11.07.2006

No trilho de Oregon, pelo faroeste Americano (EUA)

Dia 99
Km 7080


o pacifico recebeu-me com ventos de 60km/h e chuva torrencial. os restos de um tufão, que inundou casas, partiu arvores, pôs postes de electricidade abaixo, e fez a minha condução simplesmente miseravel.
A apresentadora do bolhetin metrológico da fox TV, diz-me através do écran no quarto deste motel em Newport, que esta uma outra tempestade no mar a espera que esta passe, para atacar a costa de oregon. O Robin, um condutor de camiões, disse-me hoje, que e normal nesta altura do ano.
Com tanta chuva, ainda não consegui ver o pacifico, mas estou contente em estar aqui. Acabei de fazer, o que foi, provavelmente, a etapa mais difícil ate ao momento. Nunca me equivoquei tanto nos calculos de uma etapa, como nesta, entre as rocky mountains e a costa do pacifico. O que inicialmente , me parecia uma etapa de pouco mais 1000 kms, ou 10 dias, acabou por se transformar em 15 dias e 1536 km.

A estrada nacional 20 que me iria levar ate a costa atravessa vastos planaltos áridos,desérticos ou semi-desérticos, acima dos 1300 metros de altitude.
Nalguns vales, onde a terra e mais fértil, existem aldeias e cidades agrícolas industriais. Mono culturas, que se estendem no horizonte ate perder de vista.
Passei por Idaho Falls... uma típica cidade Americana. Avenidas de néons, que se estendem por vários kms, com as mesmas lojas e restaurantes em todas as cidades. Selvas de cimento sem cor ou caracter.
O que e que destingue esta cidade da próxima?
A aproximação a cada cidade americana, já me e familiar, com a mesma Mc Donalds, o mesmo Burguer King, KFC, Wal-Mart, etc. Centros comerciais, cheios de pessoas, metade delas obesas, vestidas com a mesma moda, vendo os mesmos filmes de hollywood e a comer a mesma "junk food". Um pais com tanta diversidade, unido pela cultura "pop" americana. No entanto, olho-os na cara, e cada um parece-me vir de uma parte diferente do mundo.
Aqui compram-se armas no supermercado, e se partires um braco e não estiveres abrangido por um seguro medico privado, tens que pagar a conta!
Depois de Idaho Falls, a EN 20, atravessa um planalto seco e desértico, que se estende por mais de 100 kms. O primeiro, das varias zonas de deserto que iria atravessar, a caminho da costa do pacifico, quase sempre pelo trilho de oregon. Um sinal na estrada dizia: you are entering Idaho National Laboratory" De inicio nao percebi.. Um laboratório no deserto?
2 Kms depois um outro sinal dizia: visit INB-I, world first nuclear plant".
Olhava para todo o lado, e o que via, era apenas deserto.
Pedalei todo o dia, por esta imensidao de terra plana e seca onde em ambos os lados da estrada podia observar placas, cada 10/15 metros, a dizer: "Não prespassar, propriedade do estado americano, multa ate 5000 dólares, INL".
Pareceu-me sensato respeitar os sinais, e pedalei ate ao entardecer, em busca de um local para acampar. Finalmente, já depois do por do sol, encontro um sitio, junto, ou melhor, dentro do "lost river". Nome apropriado, pois era um rio de leito seco, que eu aproveitei para montar a tenda, abrigando-me do vento, e que partilhei com a bicharada do deserto; coiotes, coelhos pigmeus, e em particular com uma espécie nova para mim, um híbrido entre esquilo e rato de olhos grande e pretos, que visitou a tenda durante a noite.
Ao entardecer, o que estava escrito numa outra placa, foi tema central dos meus sonhos (ou pesadelos?!) dessa noite. desde 1949, mais de 50 reactores nucleares foram construídos neste deserto que me rodeava, mais do que em qualquer outra parte do mundo.
No dia seguinte fiz uma etapa pequena, apenas 70 kms, ate ao parque nacional craters of the moon, parando para almocar na pequena aldeia de Arco, perdida no meio do deserto.
Atomic burguer, era uma das especialidades da casa. Optei por um cheese melt, uma outra variante de hanburguer, Camorfulado com um nome diferente, e servido em pão de tosta. A jovem empregada que me o serviu, disse-me que Arco, foi a primeira cidade do mundo a ser iluminada com energia nuclear.

"craters of the moon national monument", herda o nome das formações geólogicas únicas e pouco usuais. Uma enorme área de actividade vulcânica, que perpetuou as suas actividades deixando uma paisagem lunar. E um local turístico, mas mais uma vez, ando fora d'época (não sabia que também havia épocas turísticas no deserto!)e acampei no parque de campismo lunar, apenas com duas outras auto-caravanas
Os dias que se seguiram, foram bastante difíceis, não pelo rigor do terreno, que foi quase sempre plano, mas pelo vento quase ciclónico, e pelas noite mais frias que jamais alguma vez acampei. A monotonia da paisagem também não ajudou.
Por vezes tinha a sensação de que a bicicleta estava levantada no ar, e por mais que eu pedala-se, a paizagem era sempre a mesma. A estrada parecia interminavel, com retas de 20 e 30 kms sem interrupcao.
Por vezes a monotonia era tanta, que tinha dificuldade em entreter os meus pensamentos com algo racional. Entretinha-me com as cenas mais ridículas como:quantas pedaladas dava cada 100 metros ( conclui que no final da viagem terei dado 15 milhões de pedaladas), ou quantos kms tinha uma recta absoluta, ou com os sons de um insecto, que a semelhança de um certo pássaro no canada, gostava de voar ao meu lado durante tempos, fazendo um barulho algo semelhante a uma moto. e ate parecia que punha mudanças, pois fazia sons diferentes de acordo com a velocidade. e isto não era uma alucinação do deserto, pois ja tinha encontrado esses insectos nas rocky mountains.
A EN20, em partes do seu percurso segue o trilho de oregon. A famosa rota usada pelos emigrantes europeus, em busca de terras mais férteis para colonizar. um percurso de mais de 2000 kms,que levava 5 a 6 meses a percorrer, por terras de índios hostiles e desertos áridos.Entre 1840 e 1870, mais de 240 mil colonos usaram esse trilho.

Foi perto das crateras da lua, que Tim Goodale, um conhecido homem das montanhas, juntou um "comboio" de 338 carrocas, 1095 pessoas e 2700 cabecas de gado, e desbravou o deserto árido e os hostiles índios Shoshon, a caminho do faroeste americano.
No dia seguinte, também eu iria desbravar um pouco as hostilidades do faroeste, nao na forma de confrontos com alguma tribo nativa, ou estradas rochosas, mas sim com um vento quase ciclónico, que me obrigou a refugiar-me na aldeia de Mountain Home. Uma das cidades agrícolas do fértil vale de Boise, conhecido pelos locoais como "treasure valley".
Eu prefiro chamar-lhe vale das cebolas, pois passei por zonas de cultivo de cebolas que se estendiam por dezenas de kms. 24000 camiões da Tir cheios de cebolas, circulam pelas estradas americanas em cada época. O "vale das cebolas", levou-me 3 dias a atravessar, por estradas do campo, tentando contornar o vento que soprava de noroeste.
A EN20 sobe o vale das cebolas, para entrar de novo no deserto de altitude, já no estado de Oregan. Esta Zona chamada "high desert", com mais de 400 kms de extencao, de este para oeste,e daquelas partes de uma viagem que a maioria das pessoas prefere não fazer, ou fazer a 100km/h e de preferência durante a noite, tal a monotomia da paisagem. Para um ciclista que nao tem alternativa, e mais uma daquelas partes de uma viagem que embriaga a mente e deixa o rabo dormente.
Km apos Km de Nada!

Mas ate nesse 'nada' existe alguma beleza, por vezes, quando o ruído dos motores do pouco trafico desaparecia no horizonte, parava a bicicleta e escutava o silêncio ou o assobiar do vento e comtemplava a vastidão do deserto.
tal como Wallaice Stegner disse: " ...para compreender o faroeste, tens que passar para la da cor verde. Tens que dessistir de associar a beleza com jardins e relvados...".
E depois há os encontros imprevistos do deserto, que quebram a rotina da pedalada, como num dia uma carrinha abranda ao meu lado, e sem parar, o vidro baixa, revelando a cara de um preto que com um sotaque forte dos estados do sul, me pergunta:
- do you know where is the prison, man?
Prisao? por estas bandas?, pensei.
- No, I'm on vacation. Not from here, pal!
A cara escura desapareceu por detrás do vidro e o carro acelerou a fundo, deixando uma nuven de fumo preta na minha cara.
O que e que o fez pensar que um ciclista carregado com 20 kg de tralha a pedalar no meio do deserto, iria saber onde e essa tal prisao? Sera que lhe ocorreu que eu fugui dela em bicicleta?

Ao entardecer procurei um local para acampar, o que não seria difícil com tanto "nada".
Na minha viagem pelo médio oriente em bicicleta, acampei inúmeras vezes no deserto, e sabia que as noites podiam ser frias,mas nada me preparou para essa noite. Estava tanto frio que decidi cozinhar dentro da tenda.E apesar de dormir vestido dentro do saco de cama ( conforto -7 graus), a meio da noite acordei com frio. Olhei para o termómetro. Indicava menos 10 celcius ( dentro da tenda!!), liguei o aquecimento central (o fogão) e resolvi fazer um café, mas a agua estava completamente congelada. Com a navalha Suíça, corto o plástico e retiro o bloco de gelo. Enquanto o gelo deretia ao lume, pensava no que fazer a seguir.
Decidi fazer uma fogueira com os ramos de uns arbustos secos, mas o frio era tanto que, enquanto o fogo me aquecia uma parte do corpo, o frio gelava a outra.
Resolvi regressar ao conforto do meu saco de cama e do aquecimento central da tenda e esperar pelo amanhecer. Essa manha as 8.30h, apesar do esforço do sol em aquecer a terra, ainda estavam 5 graus negativos.
Parti pela paisagem desértica, pelo menos o exercício aquecia-me um pouco o corpo. Qual não foi a minha alegria ao ver umas bombas de gasolina com um restaurante, logo nos primeiro kms.

Ao entrar no restaurante, a dona comprimentou-me:
-Good morning survivor, coffee I bet?
- did you know, you've camped at minus 15?
Como já há 2 dias que não falava com ninguém, para alem de comigo proprio e da curta conversa com o preto, passei toda a manha na conversa com a senhora e alguns camionistas que por ali iam passando.
Cheguei a Bend na noite de halloween, um dos festivais mais celebrados no calendário americano. Depois do frio que rapei na noite anterior, nem hesitei em procurar um motel. No dia seguinte levei a Kona fire mountain ( a marca da bicicleta),a uma oficina para trocar a roda traseira que se tinha rachado no dia anterior, lateralmente no aro, sem eu saber bem como ou porque. (de notar que essa mesma roda, já tinha feito 12000 kms de leiria ao egipto sem alteracoes mais 6000km nesta viagem) aproveitei para trocar o pneu traseiro para a roda da frente, e por um novo na roda de tras (um outro shwable marathon) .
No dia seguinte, completamente restabelecido, ataquei o ultimo passe desta interminavel etapa, o Santiam pass a 1517 metros, que atravessa as "cascade range", a cadeia de montanhas que separa a costa do pacifico com os planaltos do interior de oregao e washington.
Do topo do passe, foram uns fantásticos 40km de downhill, dos quais 18 kms a 6%, sem interrupção, ate a zona costeira do pacifico.
A paisagem mais uma vez, mudou radicalmente. De paisagens aridas e secas, para florestas humidas, densas,verdes.......e muita chuva!
A supreendente hospitalidade americana tem sido uma grande ajuda a superar estas fases da viagem um pouco mais duras. Como foi o caso do Skip e da Kelly em Corvallis e da família Dobson, aqui em Newport. Excelentes anfitrioes, neste pais, nem sempre pintado com as cores merecidas.
Estou de novo na estrada pan americana (nos estados unidos e a highway 101 ), e a Califórnia, com o seu clima Meriterrâneo esta mesmo aqui ao lado. E mesmo para la que vou a seguir...


Nuno Brilhante Pedrosa
em Newport, Oregon, USA.

11.03.2006

Vem por aqui...(EUA)

"Vem por aqui"-dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços seguros
de que seria bom que eu os ouvisse
quando me dizem:"vem por aqui!"
eu olho-os com olhos lassos,
(ha,nos olhos meus, ironias e cansaços)
e cruzo os braços,
e nunca vou por ali...
A minha glória e esta:
criar desumanidades!
não acompanhar ninguém.
-que eu vivo com o mesmo sem-vontade
com que rasguei o ventre a minha mãe
nao,nao vou por ai!
só vou por onde
me levam meus próprios passos...
se ao que busco saber nenhum de vos responde
porque me repetis:"vem por aqui"?

prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redemoinhar aos ventos,
como farrapos,arrastar os pés sangrentos,
a ir por ai...
se vim ao mundo,foi
só para desflorar florestas virgens,
e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
o mais que faço não vale nada.

como,pois,sereis vos
que me dareis impulsos,ferramentas e coragem
para eu derrubar os meus obstáculos?...
corre,nas vossas veias,sangue velho dos avos,
e vos amais o que e facil!
eu amo o longe e a miragem,
amo os abismos,as torrentes,os desertos....

ide! tendes estradas,
tendes jardins,tendes canteiros,
tendes patria,tendes tetos,
e tendes regras,e tratados, e filósofos , e sábios....
eu tenho a minha loucura!
levanto-a,como um facho,a arder na noite escura,
e sinto espuma,e sangue,e cânticos nos lábios...
deus e o diabo e que guiam,mais ninguém!
todos tiveram pai,todos tiveram mãe;
mas eu,que nunca principio nem acabo,
nasci do amor que há entre deus e o diabo.

ah,que ninguém me de piedosas intenções,
ninguém me peca definições!
ninguém me diga:"vem por aqui"!
a minha vida e um vendaval que se soltou,
e uma onda que se levantou,
e um átomo a mais que se animou...
não sei por onde vou,
não sei para onde vou
sei que não vou por ai!

Estratos de poesia de um autor que me e desconhecido, e que me foram enfiados nas malas de viagem, aquando a minha passagem por londres, no inicio desta aventura, pela Sereia do Tamisa. A pessoa que mais me motivou a fazer esta viagem e de quem eu gosto muito e tenho imensas saudades.
Obrigado Sereia, a tua prosa tem servido de recomforto nas noites mais frias e solitarias...

Nuno Brilhante Pedrosa
algures na Pan Americana